terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Conceito de Arranha-Céus e "Metropolis" de Fritz Lang: Algumas Aproximações

1.
A ideia do arranha-céus, apesar de, em Arquitectura, ter sido concretizada apenas a partir do século XIX, tem uma origem bem mais recuada.
A título de exemplo, penso que não será despropositado referir a mitologia egípcia, e especificamente, o caso de Geb e Nut, filhos de Rá e pais de Ísis e Osíris. Ao enfurecerem o pai com o seu romance, foram por ele castigados, e condenados à separação. Assim sendo, é frequente que a representação destes dois deuses se faça desenhando Geb deitado no chão, com as costas curvadas e o pénis erecto, tentando, sem sucesso, penetrar Nut, representada no lugar do céu, em posição de cúpula, apoiada pelos braços e as pernas.




Dado que a cultura do Egipto Antigo era extremamente religiosa, tendo dado um sentido sacro até às mais ínfimas parcelas do pensamento e do quotidiano, é fácil concluir que também a ambição de, da terra, tocar o céu faria parte das suas aspirações enquanto povo; ainda mais quando sabemos que, segundo o Livro dos Mortos, o céu era o lugar onde permaneceriam aqueles que, depois da morte, atravessassem com sucesso a Passagem das Almas.
Ainda relativamente ao Egipto Antigo, é de referir que aí se construiu aquele que se pode considerar o edifício dos antípodas do Arranha-Céus: as Grandes Pirâmides de Gizé, com 146 metros de altura, cerca de 2560 a.C., altura que até ao séc. XIV d.C. não foi ultrapassada.
Esta ideia parece-me ganhar alguma relevância mais quando lembramos que, ainda actualmente, não há uma altura mínima que distinga o arranha-céus. Se o critério é que o edifício, habitável, claramente se destaque do skyline da cidade em que está implantado, então certamente as Pirâmides de Gizé poderiam ser arranha-céus, não fosse o facto de serem túmulos, e não habitações.
Nas cidades medievais, o skyline era bastante irregular, e não era raro encontrarem-se casas altas, ou mesmo torres, como as duas Torres de Bolonha (séc. XII), normalmente edificadas por famílias abastadas, uma vez que uma habitação que se destacasse, neste caso pela altura, das restantes, não deixava de ser um sinal de Poder e de abastança.




Mas será no século XIX que começarão a surgir os primeiros arranha-céus aceites como tal. O Oriel Chambers de Liverpool -do arquitecto Peter Elis, com apenas cinco andares, era invulgarmente alto para a sua época, mas não o suficiente para ser totalmente aceite enquanto arranha-céus.
Assim sendo, é o edifício Wainwright, em St. Louis (Missouri), dos arquitectos Louis Sullivan e Dankmar Adlen aquele que se considera o primeiro verdadeiro arranha-céus, concluído em 1891, a nove anos do final do século XIX.
Ainda antes do final do século XIX, assistimos a uma certa quantidade de edifícios de altura invulgar ser edificada nas cidades de Chicago, New York e Londres. Nesta última, a construção de vários arranha-céus desagradou à Rainha Victória, que lançou vários regulamentos sobre a altura-limite das construções, que, na sua maioria, vigoraram até aos anos 50.
Então, desde a última década do século XIX e um pouco por todo o século XX, veremos o arranha-céus tornar-se uma tipologia comum e recorrente, ao ponto de, a certa altura, podermos ficar com a impressão de que a sua construção chega a constituir uma verdadeira competição. Essa competição, evidentemente, é pela construção do edifício mais alto do mundo.




O American Surety Building, do arquitecto Bruce Price, em New York, concluído em 1896, foi, durante vários anos, o edifício mais alto do mundo.




Em 1930, também em New York, o Chrysler Building, do arquitecto William Van Hallen, ultrapassaria, em altura, o de Price, e tornava-se “o mais alto”. Não por muito tempo pois, em 1931 o Empire State Building, de William F. Lamb, substitui-lo-ia, e, até 1971, com a conclusão das Torres Gémeas do World Trade Center, deteria o tão invejado título.
Além da corrida pelo recorde de altura, a construção de todos estes edifícios permite-nos também traçar já algumas características comuns do arranha-céus. Exemplo disso são a utilização de estruturas de ferro, mais capazes de aguentar a sobreposição de andares, a predominância do vidro nas fachadas, e, no caso dos edifícios de 1930 e 31 acima referidos, é de notar que ambos terminam com espigões, reforçando a ideia de que se trata de um “arranhão” ao céu.



2.
“Metropolis” foi um dos filmes mais aclamados de Fritz Lang. Ele é resultado directo de uma viagem de Lang aos Estados Unidos, mas recusa qualquer um dos resultados mais taxativos, preferindo metamorfosear o que viu da América no seu estilo expressivo e meticuloso,a que não é estranha a influência do expressionismo alemão, e também a influência das artes plásticas. Nestas, se a Arquitectura é a mais evidente, não pode deixar de se ver a influência da pintura abstracta e da pintura futurista, através das morfologias visuais e das noções de movimento.
Sobre a influência do Futurismo, as referências são incontáveis. O fascínio pela máquina, pela tecnologia e pelo frenesi são características incontornáveis para este tempo (O próprio Fernando Pessoa, em Portugal, a elas cedeu.), mas específicas para este movimento artístico específico, como demonstram as pinturas de Marinetti e algumas das pinturas de Marcel Duchamp.
Mas, apesar de tudo isto ter peso no filme de Lang, é justo dizer que foi através da Arquitectura que ele conseguiu expressar as suas impressões da América. De facto, quando nos apresenta a sua metrópole moderna e evoluída, o elemento que primeiramente nos dá indícios de estarmos perante uma cidade futura é a imagem dessa cidade, da sua construção.
O que vemos são edifícios de grande escala, construidos essencialmente em altura. Ao vermos as pessoas que passam, temos ainda maior consciência da escala quase megalómana desta metrópole.
Numa primeira observação, poderíamos entender que é através da grandiosidade ou da escala que Lang nos dá uma noção de modernidade. Mas à medida que o filme avança, avançamos nós também na nossa percepção desta cidade. É assim que entendemos que toda aquela imensidão não é só indício de avanços tecnológicos. Esta metrópole é também habitáculo de um sem-número de pessoas, que ali vivem extremamente concentradas. A relação com a experiência da viagem à América parece-me aqui realmente nítida. Porque, entre toda a euforia daquela cidade (construida e vivida), Lang consegue dar também uma impressão de como ela pode ser irrelevante e de como é possível nela estar-se absolutamente só. Esta dicotomia tem sido tema dos mais variados projectos artísticos, de que refiro a título de exemplo o díptico “66 Scenes From America” (1982) e “New Scenes From America” (2003) de Jorgen Leth.
Efectivamente, os cenários são uma parte crucial de “Metropolis”, pois todo o enredo teria uma resistência menor sem eles. E não só estes cenários constituem uma base para o enredo como, isolados, eles são capazes de transmitir também uma mensagem.
Na primeira parte deste texto, defendi que a ideia de, da terra, conseguir tocar o céu, não era cueva às possibilidades técnicas que permitiram a construção dos primeiros arranha-céus.
Portanto, vendo “Metropolis”, concluo que a grande modernidade que Lang filma não tem tanto a ver com o Homem ser capaz de construir edifícios altos ou “os mais altos”, mas sim em ser capaz de construir para satisfazer os seus desejos mais antigos e aparentemente irrealizáveis.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Harry Potter and The Deadly Hallows (Part 1) de David Yates

BEST FOR LAST

O entusiasmo excessivo de quando Harry Potter surgiu, primeiro em livro, depois em filme, perdeu-se bastante para mim de há uns anos a esta parte. De facto, deixei-me um pouco disso, o que não significa que tenha deixado totalmente de me interessar. Prova disso é que hoje, um pouco por acaso e graças à velocidade de pensamento da minha amiga Chris, dei por mim na sessão das três e meia do Cinema Londres, ainda por cima no dia da estreia, algo que há seguramente anos não me acontecia.

Concretamente, o presente "Harry Potter e os Talismãs da Morte" é a primeira de duas partes do derradeiro capítulo desta saga (A segunda parte tem estreia prevista para o verão de 2011.).
Quando sabemos que se trata de uma série de filmes cujo inicial estreou em 2001, é inevitável pensar naqueles que o precedem, desde o longínquo "Harry Potter e a Pedra Filosofal" de Chris Columbus.
A falha que me parece mais evidente em todos os filmes prende-se com a autonomia dos filmes, ou seja, do seu valor enquanto objecto em si. J.K. Rowling criou um universo original cheio de especificidades, de pequenos e determinantes detalhes, que lhe conferem uma força espantosa. E os filmes, ao adaptar tal universo, correm o risco de não
serem capazes de avançar o "deslumbramento" pelos livros. Tem acontecido isso um pouco com todos os filmes, que atravessam uma aguda paixão pelo que mostram, mas não se assumem como entidades propriamente ditas.
O caso deste "Os Talismãs da Morte", no entanto, apresenta-se-nos diferente. David Yates, que realiza assim o seu terceiro filme para a saga Harry Potter consegue aqui realmente um filme, em vez de uma mera adaptação.
Trata-se de uma fase complicada do enredo, com situações-limite para feiticeiros e para muggles, uma vez que Lord Voldemort (Ralph Fiennes) se apoderou de Hogwar
ts e do Ministério da Magia, assistindo-se a uma selecção de raças de clara inspiração hitleriana e a resistência, liderada por Harry (Daniel Radcliffe), Hermione Granger (Emma Watson) e Ron Weasley (Rupert Grint) depara-se com toda a sorte de dificuldades quer relativas ao momento presente, de lutas, perseguições e complicados esquemas; quer relativas às descobertas sobre as histórias que construirão a sua batalha, nomeadamente as de Albus Dumbledore, falecido em "The Half-Blood Prince".



Um enredo desta natureza é sempre perigoso. E, sendo que todos os filmes de Harry Potter- incluindo este- são dotados de uma teatralidade quase excessiva, mais perigoso se torna. Perigoso porque facilmente o filme resultante poderia tornar-se inusitado e de carácter realmente falso. Se J.K. Rowling tem mestria de escrita suficiente para fazer com que os seus enredos alucinantes pareçam bem assentes na terra, a verdade é que ainda está por aparecer o filme em que tamanha naturalidade é atingida. Ora, se assim foi em momentos mais pacíficos desta história, mais o é nesta fase limite dela.
Mas a verdade é que David Yates consegue, além da já referida autonomia, uma considerável verosimilhança neste filme.
Cheio de planos interessantes e invulgares, fazendo uma exploração muito criativa das possibilidades abertas pela escritora e através de cenários que sabem converter essa estética do excesso para um estilo barroco, a verdade é que este filme tem pernas para andar.
E anda. Anda, ao ponto de, no final, ficarmos realmente expectantes quanto à continuação.


terça-feira, 16 de novembro de 2010

Luísa Dacosta: Morrer a Ocidente

NO TEMPO DA ÁGUA

"Cerrai-vos olhos, que é tarde, e longe,
e acabou-se a festa do mundo
começam as saudades hoje"

é com esta citação da "Cantata Vesperal" de Cecília Meireles que abre o segundo livro de crónicas, publicado em 1990, de Luísa Dacosta. A citação é realmente apropriada pois, de certa maneira, sintetiza o espírito deste livro.


Relembremos que o primeiro livro de crónicas, editado dez anos antes, tinha por título "A-Ver-o-Mar", o nome da localidade, em Vila do Conde, sobre que estas crónicas se debruçam. "Morrer a Ocidente" (ed. Figueirinhas, 2a ed. Asa 2002), vem recuperar esse lugar e essas pessoas, mas num registo diferente.
Penso que seria pertinente referir a questão da tipologia destes textos para melhor definir a sua organização. Porque, se esquecermos a noção "estrita" de romance, não seria difícil vermos neste livro um. Para começar, há uma personagem que atravessa 30 destes 31 textos- que será a narradora, personagem que não interfere no desenrolar dos acontecimentos senão para ouvir e contar o que ouve, e que podemos deduzir tratar-se da própria Luísa Dacosta- bem como vários personagens que vão passando de crónica em crónica, e há ainda uma sinopse geral, ainda que cada texto seja uma entidade individual, autónoma.
É um facto que cada uma destas crónicas é auto-suficiente: se as lêssemos isoladas não perderiam o seu sentido. Mas é também facto que, na sequência, elas contribuem para a construção de uma ideia. Essa ideia é a de uma realidade a morrer. O título poderia apontar para isso: trata-se de uma referência ao pôr-do-sol- "E é quando o sol começa a sua lição, tentando ensinar-me a morrer a ocidente" (pag.18)- mas não deixa de ser uma morte. E neste livro há várias.
Na dedicatória que Luísa escreveu no meu exemplar de "Morrer a Ocidente", refere-se a este livro como "um morrer da praia e um morrer interior", e parece-me que esta será a definição mais sintética e adequada das mortes deste livro.
A citação de Cecília Meireles para outra coisa não aponta, senão para esse terminar, a que se seguem as saudades. De facto, se em "A-Ver-o-Mar" econtrávamos a descrição de um modo de vida especial, complexo nas suas estruturas social e laboral; este segundo livro recolhe crónicas em que vemos o lento desaparecer de muitos dos elementos que sustentavam essas estruturas. A leitura dos dois livros, em díptico, é, parece-me, não só um valioso testemunho literário, como poderia muito bem ser analisado como uma espécie de estudo sociológico.
Voltando, então, ás linhas-de-força descritas na dedicatória que acima citei, comecemos pelo morrer da praia. A praia, em Luísa Dacosta, tem duas frentes: a da introspecção que provoca e a da vida que nela se desenrola- constituida em grande parte pela pesca e pelo empaledar do sargaço. É esta vida da praia que vemos morrer neste livro.

"Ninguém quer ir, já se sabe, quem troca chão conhecido e luz do sol por cova e escuridão?!"
(pag.107)

"_Ai, o tempo do pilado, foi chão que deu uvas."
(pag.151)

vamos lendo. Há um sem-número de fragmentos que poderia citar para evidenciar esta ideia. O mar representa, para a comunidade piscatória, uma força perigosa e incerta, mas ao mesmo tempo necessária: necessária enquanto "local de trabalho". Mas ao passo que os mais velhos mantêm ainda os mesmos métodos, frequentemente nos demonstram que os mais novos se interessam cada vez menos pelos trabalhos do mar, preferindo uma vida mais segura e confortável. Seria interessante -mas é acima de tudo impossível para mim fazê-lo completamente- somatizar todas as "visões" possíveis do mar que colhemos nestes livros de Luísa Dacosta. Ele pode ser utilizado dos mais variados pontos de vista: pode definir diferenças entre gerações; mas também de sexo, uma vez que, mesmo sendo o mesmo mar, há nele os trabalhos dos homens e os das mulheres. E aqui, de novo, poderíamos retirar uma leitura sociológica, como, no fundo, acontece com toda a grande literatura: vale por si só, mas não perde validade quando a tentamos analisar de outros prismas.



O outro "morrer" deste livro é, então, o "morrer interior". A leitura dos livros de Luísa Dacosta vai-nos sempre denotando uma postura onde sempre há um travo de angústia. É essa a força que incita as passagens mais poéticas e belas ao longo de todos os livros, desde o longínqiuo "Província" (ed. Minerva, 1955, 2a ed. Figueirinhas, 1984) até aos diários publicados recentemente. Estas crónicas não abdicam da paleta que a angústia permite.
Este é, portanto, um lado mais pessoal e intimista da escrita de Luísa Dacosta, e também o lado em que esse personagem comum -a narradora- intervém de uma forma mais activa.
Como todos os livros, "Morrer a Ocidente" abre com um prefácio, momento de pungência extrema, mais semelhante a um poema em prosa do que propriamente a um conto ou uma crónica. Nestes fragmentos denotamos um certo sentimento de solidão, que se resolve pela contemplação: essa contemplação se é, inicialmente, uma espécie de "fuga", de "distração", cedo se transforma numa forma de encontro do eu, uma vez que, olhando para o exterior, e através da descrição das imagens, o eu se torna mais nítido.
Para tudo isto, contribui em muito a mestria no uso da palavra que foi sempre uma das principais características de Luísa Dacosta. Esse cuidado minucioso com a escolha das palavras, com a criação de ritmos, não só torna as crónicas bem mais densas e fortes, como introduz como que pausas no discurso que, mormente, se debruça sobre as pessoas de A-Ver-o-Mar.
E se, por um lado, esta situação resulta numa espécie de cisão entre a narradora e os narrados, por outro, cria também uma aproximação pois, observando o lento falecer do quotidiano de A-Ver-o-Mar, a narradora encontra esse falecer interior, pessoal.
Caso a referir àparte neste livro é a primeira crónica. Hesito um pouco se devo referir-me a ela como crónica ou como conto. Este texto havia sido editado nove anos antes, numa plaquette especial, com ilustrações originais de Jorge Pinheiro, com o título "Nos Jardins do Mar" (ed. Figueirinhas). Trata-se num conto que parte da imagem da sereia da Igreja de Rates, na Póvoa de Varzim. Significativamente, este texto abre o volume. Há nele algo de muito lírico, de fantástico, o que talvez nos remeta um pouco para a escrita para crianças de Luísa Dacosta. Mas mesmos esse texto termina com uma ideia de morte, uma morte que não é simples, mas que nos deixa uma interessante mensagem: a de que, mesmo depois da morte, há forma de perpetuar a vida, nomeadamente através da memória (Que pode, de certa forma, ser uma outra forma de olhar este livro.).
A fechar o volume, o tema da morte volta a ser central: a última crónica centra-se no Ritual da Passagem das Almas. Além de uma crónica belíssima, carregada de sentidos e de uma escrita densa, acaba por retomar a ideia de uma "vida depois da morte" não no sentido da reencarnação, mas num sentido bem mais complexo, que é, se quisermos, algo semelhante à ideia da morte da sereia no primeiro texto.
Obra em que a capacidade de observação e a capacidade de escrita estão perfeitamente fundidas, "Morrer a Ocidente" é, sem dúvida, um dos melhores livros de Luísa Dacosta. Ao longo da nota que agora termino, fui observando este trabalho da autora de vários pontos de vista, e penso que também isso corrobora a ideia de estarmos perante uma obra importantíssima, já que, seja qual fôr o nosso ponto de vista, é sempre capaz de nos responder, de nos levar a pensar e, talvez, a chegar a conclusões.

Canção Para o Dia de Hoje

Rodrigo Leão e Cinema Ensemble: Pasion (voz: Celina da Piedade)

Guevara III


Olho por onde tudo se habitua
aos vossos corpos infundados, secos
de esperma e devastadamente
insepultos no lastro das florestas.

Nos matagais, nos frutos maturados
sobre o nascente.
Neste repouso agora acostumado
aos pormenores do solo, aos bichos mornos
que noticiam a putrefacção.

Vou por onde morrestes. Vou por onde
vossos pés instigaram aos caminhos.
Vou pelos meses em que abandonastes
por sol muito ardido e muito denso
os vossos sítios de nascer e amar.
Tempo em que a este exílio vos voltastes.

Desunidos os mares, adormentadas as monções,
ouvidos os prenúncios das velhas sobre a ordem,
eis as colinas, o que demandáveis.
Sítios de barro. Fécula. Resíduos.
Fermentação. Torpor.

Aqui chegaram vossas palavras únicas, as vossas
alcantiladas noites de instrução.
Aqui, sobre os rochedos, sobre o casco
de árvores principais,
a vossa pele segregou a marca
quente e dulcificada do suor.

Reconheço o lugar. Vossos perfis
magramente envolvidos para o estrume
das plantas invernais.

....................................Vossas severas,
vossas meigas mãos.


Hélia Correia
in "Poemas a Guevara"
selecção de Egito Gonçalves
2a ed, Limiar, 1975
imagem: Che Guevara, depois de executado

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

2 Poemas Visuais de E.M. de Melo e Castro




Ostra Magnética e Vocações


caminhamos por entre batalhas
elucidados
somos do tamanho de tudo.

no cadeirão nocturno dorme o carneiro astracã
uma estrela de anis mergulha no seu copo.
desviado.

é à minha perseguição que me prendo
ao morangueiro fresco da minha boca
no cerimonial agora sem palavras
no exagero
céu doente de borbulhas como o corpo dos bebés vermelhos.

oculta canção da cama
cortejo na rua
cadela carmim bamboleante como cerejas nas árvores do frio.

falas através do triângulo dourado da barba (rafalas)
difamando prudentemente a existência despistamos as vocações.
diferença diferença
todo o desenho e dose das dunas.
ponho as mãos no fogo como os pastores do progresso.
dos frutos e da diferença.

Regina Guimarães
Abaixo da Banalidade, Abastança
1980, ed. Hélastre
desenho de Ângelo de Sousa

Mumiadormecer


Por detrás dos olhos
uma tapeçaria de sangue e ouro.
Repetem-se os motivos. Fechar os olhos e
morrer do efeito fácil e
do riso aos cachos.


Tudo o que caçavam no além se transformava em história. No bosque ambulante passamos pelos bichos desfigurados, chegamos aos pontapés na porta.
Sob as falanges temas das árvores, o suór da floresta agarra-se ao teu corpo e empurra-te para fora de mim.
Tudo o que tocavam transformavam em terra.
Mandamos no baile de bichos treinados e na grande puta que pariu a areia. O bosque conquista a zona de rebentação.


Morrer de amores
no marfim das torres
e ressonar beijos encharcados
e repicar o cristal finíssimo dos suspiros
e rugir para não se ouvir
e só se ouvirem
parasitas, gotas.
Morrer a catar piolhos dum pirata
os picos dos cactos.
Morrer pendurada de mim, gaiteira
como um mundo
fora de uso.

Regina Guimarães
Múmia
1991, ed. Hélastre
imagem de Raoul Hausmann

É Breve o Dia (fragmento)


As nossas armas contemplam. Propagam-se na difusão do ar. Instantâneas, encontram o diamante irrefrangível- a uma explosão estática.
*
No fulgor de uma lágrima, à beira... a rosa, uma, única, única- identifica-me.

*
É breve o dia no quarto. Não na montanha nem no atalho. É longo o esforço, inenarrável o cansaço. No cume, no fundo, na planura, a mão que liga quarto e montanha, o sono do cavador, o sonho da palavra.

*
Aproximamo-nos, instáveis- é a viveza do ar, o redemoinho breve e claro dos seixos, a palavra que surge viva na tranquilidade das ramagens.

*
Eis a secura. É um homem que caminha. Da sua oficina, na surpresa de um crepúsculo. O princípio de uma liberdade breve- a noite. As estrelas estranhas.

António Ramos Rosa
Sobre o Rosto da Terra
1961, colecção Pedras Brancas
pintura de Pablo Picasso

Evocações


Só matéria e memória
o caminhar do homem na treva da sua alma
Há um portão? Uma esfinge? Uma ilusão de resposta?
Radioso, também o mito cega

Terá sido difícil abandonar a floresta. Lá permanece
a raiz
a floresta, mar profundo, verde azul montanhoso...
Chegou-se ao fim do percurso

Toscos são os coturnos, mas de boa madeira: a tábua
que o levará, ao homem transfigurado

Não há guardião nesta porta
o fio do labirinto, no interior
do olhar
ressuscitando a pedra que é só isso
a dura flor da terra.

Yvette K. Centeno
Entre Silêncios
1997, ed. Pedra Formosa
pintura de Paul Cézanne

domingo, 14 de novembro de 2010

Canção (especialmente) Para o Dia de Hoje

Anathema: Closer

Wanda Ramos: Que Rio Vem Forçar a Entrada Desta Casa

O TEMPO, O CORPO E A FALA

Eis-me de novo aqui a exprimir a minha opinião sobre um livro de Wanda Ramos. Aparentemente, o acesso à sua poesia tem-me sido estranhamente simplificado. Neste caso, a “Que Rio Vem Forçar a Entrada Desta Casa?”, publicado no mesmo volume de “A Jovem Poesia Portuguesa” (ed. Limiar) que “Estilhaços” de Eduarda Chiote e “Ruído Fino” de João Camilo em 1979.
A publicação desta sequência surge apenas dois meses depois da plaquete “E Contudo Cantar Sempre” (ed. Inova), a estreia, se não considerarmos a edição de autor “Nas Coxas do Tempo


“Que Rio Vem Forçar a Entrada Desta Casa?” revela-se, no entanto, um conjunto muito coeso e muito denso, mais até do que os seus predecessores. E também mais consciente no que toca às difíceis relações entre o sentimento e a criação ou, de outra forma, entre o sujeito biográfico e o sujeito poético.
Em epígrafe, Wanda Ramos escreve “desminto a tua forma e o teu fundo, tornando tu embora razão próxima desta fala.” (pag.61). Uma frase esclarecedora no que toca a este assunto.
De facto, ao longo deste livro, vamos percebendo como a fala se torna uma forma de perpetuar os sentimentos e anular o tempo. São estas duas vertentes muito claras do curto percurso poético da autora. Por um lado, a fala, as palavras, que surgiriam mais à frente até em título, “Intimidade da Fala” (1983, ed &etc), a necessidade de encontrar uma maneira de não deixar escapar o que fica atrás no tempo, “Nas Coxas do Tempo” (É um título péssimo, mas tudo bem.), o tempo, essa constante que nos empurra para o esquecimento do passado.
Relativamente ao livro anterior, este mantém ainda uma atmosfera de depressão e de tristeza. Por assim dizer, a poesia de Wanda Ramos não procura a “alegria do passado” (Luís de Camões), não tenta relembrar a luminosidade da vida. Antes se depara com uma necessidade de falar mormente do lado sombrio dos sentimentos, como aliás, lemos logo no primeiro poema, “Inaptidão”, mais precisamente na sua quarta secção: “E esta fermentação no percurso de mim/ que o dia impõe à noite e a noite à manhã./ Oponho-lhe o ritmo. Prossegue ainda./ Mas tão raramente me fala de alegria.” (pag.65)

A escrita surge, então, como uma necessidade biográfica, mesmo que tão raramente fale de alegria, ela é uma imposição da própria vida, independentemente do tempo. Porque “Incompletas são as horas em que atento” (…) “E prevejo o nevoeiro oblíquo/ das mãos que escrevem e o desperdício/ do meu corpo em tanto papel incólume.” (pag.66)
Surge também neste conjunto uma presença do corpo mais forte e mais cortante do que em “E Contudo Cantar Sempre”. Uma noção de corpo enquanto elemento efémero e perecível, que, acima de tudo, é um recipiente de todas as experiências da vida. É de referir que, entre os finais dos anos 70 e durante os anos 80, uma série de poetas, entre os quais podemos citar Isabel de Sá, Luís Miguel Nava, Fátima Maldonado, Paulo da Costa Domingos, Rosa Alice Branco, Joaquim Manuel Magalhães ou Helga Moreira, contrariam a tendência mais “espiritualista” de um certo tipo de poesia que era apreciada até então, e enveredam por um caminho em que este “espírito” assume o corpo como sua casa, numa vertente mais característica, uma vez mais por exemplo, de Maria Teresa Horta, Luiza Neto Jorge, Natália Correia ou Gastão Cruz. Wanda Ramos não escapa a esta tendência, e escapa ainda menos neste volume do que nos anteriores. Não é isto um defeito, pelo contrário.
Mas, assim sendo, o corpo vem dar uma espécie de dimensão física ao que é vivido. Na própria frase “Tão sem mácula esta imobilidade/ à espera de que a mágoa em mim estilhace.” (pag.67) evidencia um tratamento mais físico da própria tristeza, essa que advinha e se revelava na fala, e que agora se torna também corpórea. Corpórea como se tornará a própria fala, mais à frente. No poema que dá título ao livro (pag.80), lemos “monólogo que necessariamente em mim recai/ com a língua árdua”. Não só a fala e o discurso assumem um corpo, uma personificação, como também se assumem dolorosos, “árduos” ou até mesmo forçados porque “enquanto a memória não cede. enquanto se projecta.// digo: que rio vem forçar a entrada desta casa?”. Parece-me, então, que este será o aspecto maior e mais marcante na poesia de Wanda Ramos: a fala e a escrita (Que podem ser um só.) como única forma de subsistência a uma vida que tem mais de deprimente do que de feliz ou eufórico; ainda que mesmo assim sejam, por vezes, insuficientes, porque “não servem as palavras este desafio”. Talvez por isso nunca lemos aqui um tom de queixume, antes um relato interiorizado e interior, de alguém a quem “nem já nada agora me urge senão o despedir dos dias” (pag.90).

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um Poema


Com bússola
rosa dos ventos
astrolábio
cartografia
.......................navegamos

Em busca do continente perdido
nossa pátria lembrada
aguilhão de futuro e mais além
na esperança de asas............ilhas
angras propícias
contra ventos..........................tempestades
seguimos rumos de estrelas
...........................navegamos

E a nossa navegação
o mar navegado
o continente perdido e desejado
são um oceano de morte.


Luísa Dacosta
Morrer a Ocidente
1990, ed. Figueirinhas
pintura de Armando Alves

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Foguete na Meia de Vidro

Lembro-me das senhoras usarem meias de vidro
e de haver mulheres que reparavam os foguetes,
horas e horas debruçadas
sobre uma espécie de pequeno bastidor
-com mão direita e destra
apanhavam as malhas.
Cuecas, meias, camisolas interiores,
novelos de lã e de algodão,
linhas de coser e de bordar
agulhas e alfinetes de picar
eram coisas que se compravam na retrosaria.

Na nossa,
a "Dona Branca",
havia uma menina
-ou seria uma senhora-
que apanhava foguetes a um canto.
Perto da porta,
por isso permanentemente exposta,
como os sutiens na berra
ou os lencinhos de mão
(em baixa).
As únicas palavras
que recordo ter ouvido da sua boca
doce
têm a ver com a história de um homem
-o seu-
que morreu fulminado por um raio,
à beira mar,
numa tarde de tormenta estival.
Chamuscado.
Carbonizado.
Esturricado.

Eu tinha cinco anos,
se tanto...
Só mais tarde apareceram os frangos de churrasco,
à angolana,
com piri-piri a gosto.
E então essas palavras
passaram a ligar-se aos galináceos
e já não àquele homem.

Quando troveja não durmo
-troveja,
vejam bem,
dentro de mim.


Regina Guimarães
Caderno do Regresso
2010, ed. Hélastre
pintura de Salvador Dalí

sábado, 6 de novembro de 2010

Dollhouse

Há uns anos atrás, teria eu oito anos ou coisa assim, e havia uma série de TV que era um absoluto must (Lamento mas não há expressão mais adequada.). Era a "Buffy, a Caçadora de Vampiros" de Joss Whedon, e não havia nada mais entusiasmante e arrepiante do que ver a Sarah Michelle Gellar a matar vampiros loucos.
"Buffy" tornou-se realmente série de culto, ainda que aquele calafrio de antigamente tenha acabado por volta da mesma altura em que a nossa idade passa a ter dois dígitos.
Depois de "Firefly", que sinceramente me passou ao lado, Joss Whedon regressa à televisão com nova série.


Chama-se "Dollhouse" e uma sensualíssima Eliza Dushku nos spots publicitários da série engana bastante. Não porque na série ela não esteja sensualíssima, mas porque "Dollhouse" é bastante mais do que isso. Não é, parece-me uma premissa que se explique facilmente, mas tentarei:

Esta é a história de uma empresa chamada Dollhouse, cujo serviço oferecido é a criação de uma pessoa perfeita. Perfeita para outra pessoa, o cliente. No seu estado doll, os activos que se voluntariam estão perfeitamente limpos de memória e consciência, vivem numa espécie de estado acriançado em que se limitam a passear por um spa- a este estado se chama a Tábula Rasa. Depois, de acordo com as requisições de um cliente, um ou uma das dolls é impressa com determinada personalidade. Personalidade completa, com memória e ideias e características muitíssimo específicas.
O génio cientista por trás desta operação é Topher Brink (Fran Kranz), um rapaz de vinte e poucos anos que literalmente brinca com todas estas questões. Encarregue de orientar, administrar e proteger a organização está Adelle deWitt (Olivia Williams), a carismática e britânica directora da Dollhouse de L.A..
Echo (Eliza Dushku) é uma das dolls, a mais requisitada. Além dela, ao longo da série, encontramos ainda Victor (Enver Gjokaj), Sierra (Dichen Lachman) e November (Miracle Laurie), cada um deles requisitado para os mais incríveis "compromissos".

Cépticos em relação ao serviço oferecido pela Dollhouse estão Boyd Langton (Harry Lennix) e Paul Ballard (Timoh Penikett). E ao passo que o primeiro, apesar das suas hesitações é empregado da Dollhouse- como segurança de Echo- o segundo é um agente falhado do FBI a quem é delegado o caso Dollhouse, que parece fantasioso a mais para ser um caso verídico.
E se Ballard parece realmente convicto de que existe uma Dollhouse, é quando recebe informações sobre uma rapariga desaparecida- Caroline Farrell, que é a própria Echo- que a sua convicção se transforma em obsessão.
Tratar-se-á de uma rapariga saída da Faculdade que foi apanhada enquanto tentava filmar uma empresa- a Rossum Corporation que financia o projecto Dollhouse- que fazia testes dos seus químicos em animais. Para eliminar o registo criminal, voluntaria-se como doll ou Activo.
Nos primeiros episódios, vamos sabendo também da história de Alpha: ele teria sido também um Activo muito requisitado mas algo correra mal no eliminar de alguma das suas personalidades, tendo-se originado um compósito. Assim sendo, trinta e seis personalidades completas foram impressas ao mesmo tempo no seu cérebro, o que o levou a matar vários Activos, atacar vários funcionários da Dollhouse, até por fim desaparecer sem deixar rasto.
A maioria dos episódios centram-se nos vários contratos que requisitam Echo, que passa por ser amante, assassina, negociante de resgates, segurança, etc.
No entanto, o interesse maior da série não tem nada que ver com os trabalhos propriamente ditos. "Dollhouse" coloca várias questões que interessa pensar: a primeira é evidentemente a da ética ou falta dela nesta empresa. Boyd Langton demonstra várias vezes a sua desaprovação em relação ao serviço que a Dollhouse presta, com o argumento lógico de que, em primeiro lugar, nada daquilo que os Activos fazem não é realmente verdade e que, para todos os efeitos, se trata de uma usurpação extrema.
Por outro lado, Topher garante que o implante das personalidades pré-concebidas é justamente a garantia de que tudo o que um Activo faz corresponde à mais verdadeira pureza: a separação do corpo e da mente é ou não significativa, se ainda que o corpo não tenha o historial, a personalidade nele colocada o tem? E mais ainda, coloca-se a questão do tempo: ou seja, mesmo que os actos destas pessoas sejam apagados ao fim de alguns dias, fará isso com que, enquanto esses actos aconteciam, fossem menos reais? E Topher tem ainda o argumento de que o próprio conceito de ética e de moral é, por si só, uma programação: algo de pré-definido.
Por fim, há a evidente questão do uso e do eventual perigo da ciência: porque, como ouvimos do agente Ballard, tudo o que a ciência faz tem como propósito essencial a manipulação e a artificialização do ser humano. Isso é pura vontade de poder e de controlo, ou uma questão que depende de pouco mais que um determinado conceito de ética?
A série parece colocar ambas as hipóteses mas a resposta dada pelos dois epitáfios é seriamente alarmante.
Eu recomendo seriamente que se veja "Dollhouse", mas acima de tudo, que se pense sobre o que se vê.




quarta-feira, 3 de novembro de 2010

celebração de modo mudando


era um livro pequeno, a catorze de fevereiro,
quando num sobressalto fui buscá-lo ao tipógrafo e o levei à livraria,
há trinta anos numa tarde de sábado, creio que era sábado,
e tudo se misturava alegria, apreensão, alguma pose, as frases feitas,
e o tempo frio a las cinco de la tarde.

hoje, com alguma experiência acumulada e vários cepticismos,
muitas frases desfeitas, sobretudo impaciências técnicas,
tenho ainda memórias desse livro tirado a duzentos exemplares
que fui pagando a prestações ali pró carvalhido
e se acaso as paguei todas levei decerto muitos meses.

merece a ode o snr. amaro costa,
que demorava as provas mas dava tais facilidades
e era amigo dos poetas mais novos e admirador dos poetas mais velhos
e fabricava livros de poesia e falava certamente de política
com alguma prudência elementar em tempos policiados.

era em sessenta e três, na tarde de catorze de fevereiro, a do embrulho triunfal.
tornei-me um autor do porto ao entrar com ele na livraria, praia
lá da rua de ceuta, um dia toda lapis-lazuli e coral.
e depois em casa com alguma atrapalhação e sem naturalidade nenhuma,
pus-me a dedicar exemplares aos pais, à namorada.

sempre esperei das letras o que elas não podiam dar-me
até desesperar. e então deram-me tudo, mais ou menos tudo
insensatamente: os ácidos, os gumes, as minhas dinamenes,
os ângulos agudos. citei vezes abundantes os meus mestres,
trinta anos de os pastar, bem os servi, e fui discreto.

Vasco Graça Moura
O Concerto Campestre
1993, ed. Quetzal
pintura de Ângelo de Sousa