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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Suor


Agora choveu.
Não sei onde estou. Conheço este ligar como se de mim falasse, mas não encontro a saída para dentro de mim. Queria muito dar um berro, o um beijo, mas não há ninguém. As lajes deste chão escorregam, as paredes também escorregam, não sei não, acho que este frio me vai derreter.

Corri tanto para chegar aqui. A luz está verde, e vermelha, que nunca vi em inglaterra, nem em frança, nem na holanda onde a torre de utrecht me dizia tudo o que eu não fui... Corri tanto para chegar aqui, eu que já aqui estava, eu que sempre aqui estive, eu que folheio livros de arte à procura de mim quando afinal o espelho basta, estou lá eu, estão lá todos, e é lá que todos são tão diferentes que os posso finalmente roubar, e esconder nos meus livros brancos, mas minhas casinhas brancas, nos dedos brancos dos que morrem nas estrelas amareladas das paredes, e nos pássaros de giz que eu não queria apagar e por isso não apaguei, porque eram o pouco que indica tudo, um pássaro voa mais de fiz, aqui não.

Cheguei a um transporte rápido. Lisboa ensurdeceu-me de soslaio e agora, com o ruído do martelo e do berbequim, já estou viva outra vez. Estes pregos são meus. Foram eles que os pagaram mas são meus. Eu sou fértil. Eu sou fértil. Já pari milhões de crianças às escuras, e os projectores foram parteiros, e o fórceps é que me fode sempre, eu nunca digo palavrões. Estou a suar. Vão saber. Pari, pari, pari e estou a suar. Aqui não gosto de tomar duche. É só um canto seco onde não quero socos. Tirei tudo o que pude, porque preciso de espaço. Não sou dona de mais nada, mas o espaço é sempre meu. Aqui, posso convidar anónimos.

Anónimos? Anónimos? Ah, fazer filhos com anónimos. Aqui, sobre as paredes, no chão: cada vez que aparecêssemos no espelho, seríamos filhos outra vez.

O que eu corri. O outro buzinava, aqui só se ouve o ar condicionado e uma lágrima a secar. Foi aquele anónimo que vinha triste. Eu não sei, não estava cá, contaram-me. Porquê? Querem saber porquê. Ah, mas é bom. É bom o tronco que fala dos troncos e a porta que conduz às portas e eu às vezes estou apaixonada por mim e às vezes fujo e digo que não tenho tempo e às vezes eu minto porque estou comigo e há melhor pessoa?

Pessoa. Neste espaço vazio uma pessoa cheia. Eu.

Manuel Cintra
Alçapão
2009, ed. &etc
imagem: Yona Friedman

domingo, 11 de janeiro de 2015

como que se constrói a solidão


como que se constrói a solidão
altissonante e invisível
nos descaminhos da inconsciência
se tranquilo te afogas no sono
não sendo ainda palpável a madrugada
indo a cidade a meio da noite
vazar seus contornos de lixo
seus estertores de vasa e lodo
a cada esquina em cada descampado
_ é cedo um círculo insolúvel de luz
persiste horas adentro
nesta mesma folha de insónia
que tão pérfida se faz silêncio

ah hão-de os meus braços tolher
a vibração dum grito amanhã todos os dias.

Wanda Ramos
Poe-mas-com-sentidos
1986, ed. Ulmeiro
imagem: Archizoom


sábado, 15 de novembro de 2014

Dois poemas de Eduarda Chiote



Altas voam pombas (fragmento)

Todavia, penso que nada tem de temerário a ponte inscrita em corporal silêncio. As horas são uma galáxia branca; enevoada. Participamos da rotação do tempo. Estamos perante o mistério: o insondável.

Nesta evanescência, tudo pode não acontecer. Desventrar, do quotidiano, o rumor: despenharmo-nos pelos passos, a ratoeira do passeio onde negras pombas de luto na calçada agonizam; nada pode comparar-se a esta pegada no infinito.

Estamos no limiar do encontro. O numinoso. O secreto e o segredo. Cúmplices. Espectantes e frágeis. Nus. E violentamente vivos. Que nenhuma fábula pode comparar-se à migração da escrita. Nela, o silêncio é grande medalhão de vidro.

Altas voam pombas
1983, ed. &etc


Fiat Lux 9

A generosidade é má conselheira e péssima
economista. Jesus encarava tanto os filósofos da felicidade
quanto os desencantados eruditos
com muita reserva: uma vez que nem uns nem outros
tinham previsto, no Seu inflacionar os peixes,
ser, da natureza dos peixes, «o devorarem-se uns aos outros».
Tal como da natureza dos vírus o reproduzirem-se
e da natureza da dívida termos estado sempre em dívida
e até mesmo para com a dívida.
E da natureza do homem crescer e multiplicar-se: e da natureza
do bobo o riso, e da natureza do outro, o assombro
do facto _ farto de psicologias, dizes, quero factos.
Curioso, pois, ter sido O que nada entendia
de redução da carga tributária, precisamente quem apelou
para o não pagamento dos impostos, pelo que o modelo de um
paedocypris capaz de engolir
um tubarão ou o inverso,
não importa.
_Queres, então, fazer sexo comigo, tu? Tão disléxico
que nem sequer consegues arrastar-te pelo sono
desfeito das areias _ diria das palavras _ quanto mais por mares
desempregados
e lassas redes móveis?
Deixa para lá! Não te preocupes, que nunca
houve pandemia sem morte.

Fiat Lux
in "DiVersos - Poesia e tradução"
nº20, ed. Sempre em pé, Junho de 2014

imagem: Archigram

domingo, 23 de março de 2014

Apontamentos #1 (Camille Paglia)


How did beauty begin? Earth-cult, supressing the eye, locks man in the belly of mothers. There is, I insist, nothing beautiful in nature. Nature is primal power, coarse and turbulent. Beauty is our weapon against nature; by it we make objects, giving them limit, symmetry, proportion. Beauty halts and freezes the melting flux of nature.
Beauty was made by men acting together. Hamlets, forts, cities, spread across the Near East after the founding of Jericho (ca. 8000 B.C.), the first known settlement in the world. But it was not until Egypt that art broke its enslavement to nature. High art is nonutilitarian. That is, the art object, though retaining its ritualism, is no longer a tool of something else. Beauty is the art object's license to life. The object exists on its own, godlike. Beauty is the art object's light from within. We know it by the eye. Beauty is our escape from the murky flesh-envelope that imprisions us.
[...]
The masculine art form of construction begins in Egypt. There were public works before, as in the fabled walls of Jericho, but they did not cater to the eye. In Egypt, construction is male geometry, a glorification of the visible. The first clarity of intelligible form appears in Egypt, the basis of Greek Appolonianism in art and thought. Egypt discovers foursquare architecture, a rigid grid laid against mother nature's malting ovals. Social order becomes a visible aesthetic, countering nature's chthonian invisibilities.

Camille Paglia
Sexual Personae
1990, ed. Vintage
[pp.57-59]
Imagem: Tempo de Hatshepsut (XVIII Dinastia), do arquitecto Senenmut, 1490-1460 a.C.

sábado, 27 de julho de 2013

OFFICE Kersten Geers & David van Severen (parte 2)

Jogos de Redefinição


pórtico

The earliest experience of art must have been that it was incantatory, magical; art was an instrument of ritual. (...) The earliest theory of art, that of the Greek philosophers, proposed that art was mimesis, imitation of reality. [SONTAG: 2009, 3]
com este apontamento inicia Susan Sontag um dos seus ensaios mais emblemáticos, 'Against Interpretation'. Colocando a problemática da arte enquanto elemento mágico versus arte enquanto imitação da vida, Sontag segue referindo Platão: Since he considered ordinary material things as themselves mimetic objects, imitations of trascendent forms or structures, even the best painting of a bed would be only an ''imitation of an imitation'' [SONTAG: 2009,3]
Esta ideia servirá para problematizar a arte figurativa, logo à partida, mas também será útil ao analisar, como Sontag argumenta no mesmo ensaio, a arte abstracta. A Arquitectura parece ficar de fora desta equação. Enquanto toda a Pintura e toda a Escultura provêm da necessidade figurativa, que encontramos desde a Arte Rupestre, a Arquitectura nunca teve essa função mimética: trata-se de um contentor de vida, não de uma imitação dela. Mas se atentarmos na ideia de Platão de que tudo o que existe concretamente é uma imitação de elementos transcendentes, concluiremos que a Arquitectura, não sendo uma ''imitação de uma imitação'', é pelo menos a primeira dessas imitações, a que opera a transição entre o transcendente e o real.
Tentar encontrar em qualquer obra de Arquitectura os elementos que imita é uma tarefa virtualmente impossível, talvez excepto ao próprio arquitecto. Por outro lado, qualquer obra de arte se torna independente da visão do artista a partir do momento em que deixa a esfera privada. Caberá ao observador supor, interpretar e propor uma ou várias leituras de uma obra, todas elas até certo ponto válidas.


1. primitivos flamengos e flamengos contemporâneos

Uma observação da História da cultura europeia mostrará que, artisticamente, a Flandres, território hoje em parte correspondente à Bélgica, conheceu o seu primeiro apogeu entre o final do séc. XIV e meados do século XV. No resto da Europa a pintura tardo-gótica conquistava o domínio da perspectiva na Pintura, mas mantinha a mesma tradição temática, quase sempre religiosa e nitidamente fantasiada, idealizada para aludir ao carácter místico das cenas representadas.
Os Primitivos Flamengos, como ficariam conhecidos os pintores tardo-góticos daquela região, muitos ensinados pela chamada Escola de Brugge, diferenciavam-se dos restantes artistas europeus porque não basearam aquele [naturalismo] na arte heróica e idealizada da Antiguidade, mas sim na observação do mundo real. Aceitaram as particularidades da natureza imperfeita e, ao pintar, reproduziram-nas com uma fidelidade meticulosa [POTTERTON: 1998,87].
Mais resumida será a descrição que Vasco Graça Moura nos deixa num poema sobre estes pintores: para os primitivos a/ felicidade estava na minúcia/ da transcrição do real:/(...)/ (...) e a/ alegria era a serena confiança/ de se estar no mundo, podendo// copiar estas aparências [MOURA: 1998,18]


De todos os Primitivos Flamengos, talvez o mais reconhecido seja Jan Van Eyck, autor do famoso Casamento dos Arnolfini. Trata-se de uma pintura onde encontramos as minúcias de que fala Graça Moura, a atenção ao detalhe, a obsessiva imitação do real. Mas nada é assim tão óbvio: ainda não se chegou a um consenso sobre qual verdadeiramente é o momento registado: trata-se de um casamento, de uma recriação simbólica do casamento, ou de um apelo à fertilidade, encomendado por um casal que não conseguia ter filhos? Mais ainda, uma observação atenta da pintura mostra-nos que na preparação desta cena, tudo é símbolo: as laranjas e a roupa escura são sinais de riqueza, a posição dos corpos mostra o papel social de cada um dos noivos, a colocação dos tamancos aponta para o quotidiano de um e de outro, o espelho reflecte as duas testemunhas do momento.
De repente, a imitação minuciosa do real nos Primitivos Flamengos torna-se um desafio mais complexo: a realidade é manipulada e teatralizada ao ponto de quase parecer ficcionada. Ao primeiro olhar tem um esplendor simples e luminoso, mas logo nos deixa desconcertados com a carga simbólica. E talvez percamos a convicção na imitação do real, em detrimento da experimentação sobre esse real.
Entre os Primtivos Flamengos e os OFFICE Kersten Geers David Van Severen, estão seis séculos de diferença, mas também um território comum, estão várias reestruturações políticas e geográficas, mas também uma herança cultural nunca abandonada. Que se encontre no trabalho destes arquitectos uma série de pontos comuns com o trabalho dos primeiros grandes artistas flamengos não será, portanto, inusitado. Mas não parecerá, ao mesmo tempo, o exercício mais evidente.
Na tendência regular, transparente, geometrizada e repetitiva dos edifícios dos Office KGDVS haverá lugar para alguma reminiscência da estética abundante, detalhada, minuciosa e plural que caracteriza muita da pintura tardo-gótica da Flandres? Enquanto o nosso olhar se prender com o domínio estético mais imediato dos edifícios destes arquitectos, certamente não encontraremos, mas se tivermos em conta que na obra desta firma what you see is not so much what you see as what you sense [OCKMAN: 2012, 18], quando nos movemos para lá do aspecto físico dos edifícios e os entendemos enquanto elementos geradores de uma determinada percepção do mundo, ou, na óptica de Platão, enquanto imitações de qualquer coisa inconcreta, as semelhanças entre os Primitivos Flamengos e estes flamengos contemporâneos começam a surgir-nos.


Um dos trabalhos mais interessantes para observar o pensamento de Kersten Geers e David Van Severen será a Villa Schor, que é, ao mesmo tempo, um dos seus trabalhos mais discretos a nível de imagem.
O objectivo da obra era aumentar uma casa de traçado neoclássico no limite de uma zona florestal de Bruxelas. A intervenção dos Office KGDVS passa pela criação de uma plataforma sob a casa original, que fica erguida ao lado esquerdo daquilo que é, agora, o seu palco. O branco das paredes exteriores da casa é prolongado pela frente em vidro e metal do acrescento que se distingue da fachada original, ainda que a integre. Tanto o posicionamento da plataforma face à casa como a solução dos materiais elevam, fisicamente e simbolicamente o edifício original, ostentam-no: ele representa uma realidade, neste caso, um tempo, e o novo elemento demarca-se dele para o elevar, por um lado, e por outro, está consciente de que a sua presença também o altera, confere-lhe uma nova leitura. Mais impressionante, no entanto, que a solução da fachada é o desenvolvimento do aumento em planta.  A maior parte do lote passa a estar ocupada por um edificado rectangular, com oito divisões, todas elas definidas por painéis de vidro e metal (à semelhança da fachada). O resultado é que cada divisão tem visibilidade sobre todas as outras.


De certa forma, o que os Office KGDVS encontram na Villa Schor é uma outra maneira de encenar o real. Nos Primitivos Flamengos, encontramos a escolha e colocação de vários elementos simbólicos, que acabavam por tornar a imagem representada numa espécie de metáfora que partia e sempre chegava ao quotidiano. Uma vez que a Arquitectura não lida com imagens estáticas mas com uma série de movimentos _a vida, no fundo _, não pode haver aqui o domínio sobre a imagem que há na Pintura. Assim, a maneira de encenar o real é colocá-lo verdadeiramente em cena. Da mesma forma que a elevação física da casa original sobre a plataforma é uma maneira de evidenciar uma realidade _a da passagem do tempo _, os painéis de vidro que abrem em volta dos compartimentos vários campos visuais, são uma forma de ostentar o quotidiano. O símbolo deixa de ser crucial para representar a realidade, porque o observador não está perante uma representação, está incluído no cenário e mais facilmente o entenderá.
Seja como for, a transparência de todo o acrescento da Villa Schor, que compreende os espaços mais devassados de uma casa (escritório, sala de jantar, cozinha, sala de estar), aponta para o prazer da realidade e do quotidiano e incita à apreciação deles. A realidade ganha assim a importância e a dignidade que lhes deram os Primitivos Flamengos quando recusaram o 'excesso heróico' da pintura que os precedia.


Mais ou menos contemporâneo de Jan van Eyck é Robert Campin, pintor a quem são atribuídas ao pintor desconhecido designado como Mestre de Flémalle. Uma das obras mais significativas deste pintor nascido em Tournai será a sua Madona:  Neste quadro, representa-se a Virgem como uma roliça e simples rapariga flamenga que alimenta o seu bebé. A pantalha de vime, por detrás da sua cabeça, actua visualmente como uma auréola. No banco, há uns leões esculpidos, os mesmos com que tradicionalmente se decorava o trono onde Salomão sentou a sua mãe Betsabé, simbologia que equivale a predizer a Coroação de Maria. Do lado de fora da janela, vê-se uma alta igreja gótica no meio dos edifícios. Na parte direita, acrescentou-se à pintura original a representação de um armário e de um cálice para realçar o facto de que, apesar do interior simples e doméstico, não se tratava de uma mãe e de um filho vulgares [POTTERTON: 1998,90]. Esta descrição reforça o papel redefinidor que o detalhe, enquanto símbolo, tem na Pintura dos Primitivos Flamengos. É importante compreender como aquela encenação do real de que se falou acima não é um mero gesto estilístico: nela, a cena quotidiana ascende à representação mística, e a cena mística desce à realidade. Este pode até ser um gesto algo revolucionário, o de trazer o sacro para o quotidiano, principalmente tendo em conta que estamos entre os séculos XIV e XV. É para anular essa distância entre os homens e a divindade que o pintor, neste caso Robert Campin, manipula escrupulosamente a composição das suas pinturas, experimenta os limites da realidade e constrói uma poderosa ponte entre dois mundos aparentemente opostos.


Uma atitude assim pressupõe uma postura: a de que a realidade não é um elemento rígido que limita, mas sim uma matéria diversificada que pode ser trabalhada de forma a obter determinado resultado.
No seu projecto para a loja informática de Tielt (Flandres Ocidental), que inclui ainda a casa dos proprietários da loja, os Office KGDVS optam por criar dois corpos paralelepipédicos semelhantes, que se enfrentam um ao outro através de um pátio exterior. Exteriormente, os volumes são construídos através de estruturas de ferro e paredes de tijolo, material frequentemente utilizado na construção na Bélgica. Sendo que a fachada do corpo de frente se eleva a partir do plano definido pelo muro que acompanha a rua, ela dá a impressão de não ter interrompido o muro para inserir a entrada para a loja, mas de apenas ter subido um segmento desse muro à altura de um piso. A entrada desenha uma diagonal em relação ao passeio, e é a partir dessa diagonal que os dois corpos vão organizar-se. Tanto os dois volumes como o pátio estão circundados por um muro branco, que se desenha e redesenha de área para área. Resulta daqui que, por exemplo, no piso térreo não haja muita visibilidade para o exterior, ao passo que no segundo piso, a maior parte dos compartimentos tem vista para o envolvente. As aberturas de luz em ambos os volumes estão localizadas de forma a que tenham visibilidade um sobre o outro, e ambos sobre o pátio, mas não para os lados.

















 Um dos aspectos mais discutidos na obra dos Office KGDVS (como se pode confirmar lendo os ensaios na 2G nº 63, a eles dedicada) é a sua relação com o exterior, com a paisagem natural e construída da Flandres.
Esta paisagem é, de facto, a realidade, a contingência prévia que é impossível remover para construir um novo edifício.
Mas a postura dos arquitectos parece ser um tanto semelhante à de Robert Campin na sua Madona. Em vez de se tornar uma entidade limitativa que tem que ser ou regularmente escondida ou regularmente revelada, os Office KGDVS transformam essa realidade prévia num jogo de manipulações e experimentações. A relação entre edifício e envolvente ora se assume, ora é anulada. Não se trata apenas de tentar equiparar duas realidades distantes, como na pintura de Campin, mas sim de estabelecer um sistema de relações diversas com uma entidade inamovível.
A casa, situada no primeiro piso do volume da frente, abre num painel de vidro para o pátio, permitindo visibilidade ainda sobre todo o volume das traseiras. No entanto, o campo visual abre-se também sobre a paisagem (de um lado, um campo e arvoredo, e do a Felix D'Hoopstraat, uma uma transversal com casas baixas de arquitectura caracteristicamente belga), o que tem muito mais sentido para a casa do que para a loja. O primeiro piso do edifício nas traseiras tem uma série de oficinas, que abrem apenas para o pátio e para o volume da frente, não havendo tanta necessidade de aproximação entre o interior e a paisagem. Neste jogo, existe sempre lugar para a surpresa, para a redefinição da casa através da sua relação com os muros exteriores e essa surpresa será sempre resultado de uma experimentação. E é essa experimentação sobre o real que, em última análise, une mais fortemente artistas como Jan van Eyck e Robert Campin ao universo arquitectónico dos Office KGDVS.



2. para uma sensualidade arquitectónica


Voltando a 'Against Interpretation', nele, Susan Sontag afirma peremptoriamente: What we decidedly do not need now is further to assimilate Art into Thought, or (worse yet) Art into Culture [SONTAG, 2009:13]. Em contrapartida, Josep Maria Montaner, num texto em que define o ensaio e a sua importância para a formação de um pensamento crítico, afirma que o ensaio consiste numa reflexão aberta (...) que lhe permite orientar-se na direcção de uma concepção multidisciplinar do conhecimento humano, de uma compreensão da cultura e da arte como um todo, inter-relacionado (...) entrelaçando referências dos mais diversos campos da cultura: pintura, escultura, arquitectura, literatura e poesia, música, antropologia, religião e ciência [MONTANER: 2007,13].
Sontag, na sua defesa de uma erótica da arte em detrimento de uma hermenêutica, era talvez a pensadora necessária a um momento da cultura, especialmente americana, em que a crítica e a interpretação se sobrepunham à arte propriamente dita, usurpando-a. 'Against Interpretation' terá sido talvez extremista o suficiente para abanar os excessos do nosso tempo. Montaner, teórico europeu de Arquitectura, revela-se menos pessimista: não precisa de reclamar a divisão entre Arte e pensamento, ou entre Arte e cultura, acredita ainda que as relações entre estes podem ser encontradas sem que se incorra no risco da usurpação.
É importante entender-se a relação dos vários campos da cultura uns com os outros, porque ignorá-la é partir do princípio que cada uma delas surge independentemente do seu contexto sociocultural _e qualquer estudo de História de Arte, por superficial que seja, nos mostrará como isto é absurdo. Sontag estaria provavelmente consciente disto, tanto quanto estava consciente de que seria preciso negar esta realidade para travar as pretensões dos críticos que tentavam ser mais artistas que o próprio artista.
O binómio Arte-Pensamento é de mais importância ainda quando sabemos que as correntes do pensamento filosófico acabam por proliferar pelo pensamento quotidiano, e ainda que muitas vezes acabem por se vulgarizar de formas deturpadas, têm uma presença insuspeitada na grande maioria dos discursos e das posturas dos indivíduos.

L'idée de l'affection qu'éprouve le Corps humain, quand il est affecté d'une manière quelconque par les corps extérieurs, doit envelopper la nature du Corps humain et en même temps celle du corps extérieur [SPINOZA: 1965, 92] diz-nos o filósofo luso-holandês Baruch Spinoza na Proposição XVI da segunda parte da sua 'Ética', proposição que complemente com o seguinte corolário: Il suit de lá: 1º que l'Ame humaine perçoit, en même temps que la nature de son propre corps, celle d'un très grand nombre d'autres corps [SPINOZA: 1965,93]. A esta ideia sobre a multiplicidade de corpos e a sua afectação na Alma humana, acrescente-se uma outra, da Proposição XIX da mesma parte da 'Ética': L'Ame humaine ne connait le Corps humain lui-même et ne sait qu'il existe que par les idées des affections dont le Corps est affecté [SPINOZA: 1965,97].
A ideia de assumir a importância do corpo na alma, contrariando Descartes, bem como toda uma linha de pensamento teológico desde Agostinho de Hipona, tem sido um dos aspectos mais importantes para a consolidação da importância da 'Ética' de Spinoza.
E não será de todo forçado que se encontre na Arquitectura uma presença desta ideia do envolvimento de um corpo com outros corpos, de onde, não raro, resultam obras em que a unidade do edifício não passa só pela edificação em si, mas também pela sua integração no lugar.


O exemplo eventualmente mais badalado neste campo será a Casa Edgar Kaufmann de Frank Lloyd Wright, conhecida também por Casa da Cascata. Nesta casa, concluída em 1939, a agradável expressão do princípio do repouso onde a floresta, o riacho e a rocha e todos os elementos da estrutura são combinados de forma tão tranquila que não ouvimos rigorosamente nenhum ruído apesar de a música do riacho lá estar [PFEIFFER: 2004,53], o que se alcança, com talvez mais drama do que qualquer outra residência privada, é a colocação do homem em relação à natureza [PFEIFFER: 2004,53]. E se é verdade que, nesta obra, Wright consegue colocar os seus ocupantes numa íntima relação com o vale, as árvores, a folhagem e as plantas silvestres [PFEIFFER: 2004,53], conseguindo com uma eficácia ainda hoje impressionante que a glória do ambiente envolvente [seja] acentuada, trazida para dentro, e transformada num componente da vida diária [PFEIFFER: 2004,53], é igualmente verdade que tudo isto acontece devido através de um posicionamento físico estratégico do edificado sobre a morfologia do terreno, por um lado, e por uma perspicaz escolha dos pontos da casa onde janelas e painéis de vidro devem abrir sobre a paisagem natural. De facto, a natureza é trazida para dentro, mas mais num sentido psicológico e sensorial, a colocação do habitante perante a natureza é de convivência, mas não de envolvimento físico. Evidentemente, o trabalho de Wright representa um passo revolucionário para a Arquitectura, e sem ele, muitas das experiências da Arquitectura posterior teriam sido provavelmente mais lentas e menos eficientes.
Por um lado, poucas obras terão tido um impacto tão definitivo, se hoje é praticamente impossível conceber uma relação edifício/natureza sem considerar a Casa da Cascata, que para a referir, quer para a renegar. Por outro lado, o passo de Wright, por avançado que fosse, foi, como são todos, o primeiro de outros. Porque ainda que a Casa da Cascata garantisse uma integração psicológica do exterior natural no interior da casa, esta integração não vai até às últimas consequências. A casa tem ainda os seus limites físicos, coloca-se estrategicamente, mas não invade nem se deixa invadir fisicamente pela floresta. Levar a integração às últimas consequências seria pôr em prática a proposta de Baruch Spinoza sobre as afectações do corpo.



Tomemos o edifício construído como um corpo, e sabemos que a interferência de outros corpos de diferentes naturezas conferirá ao corpo original uma consciência de si mesmo. Originar-se assim, através desta afectação cuja definição última é a própria sensualidade, um todo coerente e pensado, cuja multiplicidade se torna numa espécie de força, de intensidade do edifício.
No trabalho dos Office KGDVS, encontramos um exemplo bastante peremptório desta experimentação na Villa em Buggenhout (Flandres Oriental). No rés-do-chão, a planta em cruz grega abriga, em áreas quadradas iguais, a entrada, um vestíbulo, a cozinha e um quarto-de-banho, sendo que o que define a cruz latina na planta é precisamente que ela seja rematada por quatro quadrados, até que todo o conjunto forme um quadrado por si só, sobre o qual assentará o primeiro piso, onde encontramos a sala-de-estar, os quartos, quartos-de-banho e um escritório.
O primeiro pormenor decisivo para a relação do espaço interior com o exterior é a resolução no rés-do-chão. Que a cruz grega seja rematada por quatro espaços cobertos mas sem paredes, acaba por explodir a casa para o exterior, ainda que de uma forma contida. O espaço interior, mais do que conviver com um espaço exterior, confunde-se com ele, o que é reforçado ainda pela cobertura assegurada pelo piso superior. Há uma afectação directa e quase fusional entre um e outro e, logo a partir daí, os Office KGDVS parecem estranhamente próximos de materializar a ideia spinoziana das afectações dos corpos.
O segundo elemento que ajuda a concretizar essa ideia é a opção de conter o edifício dentro de dois muros: um primeiro que sustenta o piso superior, prolongando o inferior; e um segundo muro que protege todo o conjunto. Entre um e outro, árvores, e alguma visibilidade sobre a planície flamenga. O ajardinamento, bastante 'livre' entra pela casa, já não só psicologicamente, como víamos em Wright. Ele faz parte da casa, é mais um compartimento, como o são os quartos ou a cozinha, tendo, inclusivamente, um lugar designado na trama regular que define a casa. Quando a casa é penetrada pela natureza exterior e irregular (apesar de planeada), a própria ortogonalidade da casa é realçada. A sua regularidade acentua-se, então, mas ao mesmo tempo é atenuada pela escolha dos materiais de revestimento do piso superior: sendo escuros, quase prolongam a vegetação que cobre o muro interior. O corpo do edificado, por assim dizer, transforma-se e é mais nítido ao encontrar a presença invicta da natureza, nesse contacto sensual que Spinoza previra.


A casa de fim-de-semana de Merchtem (Brabante Flamengo) é um trabalho que extenua ainda mais esta hipótese. É eventualmente uma das casas mais experimentais dos Office KGDVS e, por isso, uma das mais importantes para compreendermos o seu pensamento.
Ao longo de todo o lote, criam-se parcelas equivalentes, ocupadas umas com edificado, outras com áreas de jardim, exteriores. Se houvesse uma definição rígida dos limites das parcelas de edificado, estaríamos perante um caso de cheio/vazio, ou de interior/exterior, articuladas numa lógica intermitente e regular. Mas não é o caso. Nesta habitação, qualquer binómio que lide com oposições será insuficiente para explicar a lógica da organização dos espaços.
Mas a atitude dos Office KGDVS, aqui, parece ser a de precisamente rejeitar esses binómios: todo o edificado parece ter sido pensado para garantir uma fluidez ao longo de todo o lote. O exterior está hierarquicamente equiparado com o interior, os jardins e a piscina são mais um compartimento da casa em que as largas portas de vidro parecem só fazer sentido quando abertas. A natureza diferente dos espaços exteriores é uma especificidade, mas não mais do que um quarto sendo especificamente um quarto, ou uma cozinha sendo especificamente uma cozinha. Os exteriores quase funcionam como salas-de-estar, como qualquer espaço, eles, a um tempo, unem e separam os espaços da casa uns dos outros. Não são um anexo exterior, não são o jardim que completa o conceito algo suburbano de casa: são espaço também, são programa e desafio ao programa _pelo menos ao mais comum dos programas.


Esta interacção é provavelmente a mais bem conseguida de todo o conjunto da obra dos Office KGDVS. A relação entre os espaços é conseguida com tal naturalidade e tal fluidez, que dificilmente se encontraria correspondente arquitectónico mais próximo às proposições de Spinoza. A casa de Merchtem mostra como a relação dos espaços tem uma componente sensual, o que, inclusivamente, contrariará a ideia pré-concebida de que, por norma, a Arquitectura é um exercício frio e racional. E pode sê-lo, de facto, se isso não significar uma exclusão da utilização dos sentidos para criar espaços mais eficazes, como acontece aqui. Nesta casa, os Office KGDVS sabem aproveitar da melhor forma o pedido do cliente _trata-se de uma casa de férias, o que significa que a sua utilização não só será mais parcimoniosa e relaxada, como significa que uma série de contingências não entram, aqui, em causa: por exemplo, o problema da chuva, bastante intransigente durante as estações frias na Bélgica.
Interessará, por último, precisamente debruçarmo-nos um pouco nessa palavra: Bélgica. Não será inconsequente a nacionalidade de Kersten Geers e David Van Severen. Se pensarmos no que é a Bélgica nos dias de hoje, há algumas questões essenciais que encontramos, e uma delas é a da dualidade. Nos conflitos entre Valões e Flamengos, nas diferenças linguísticas, nas diferenças culturais, tudo na Bélgica parece só poder ser definido através do confronto. Ao mesmo tempo, Valónia e Flandres são duas regiões autónomas, não dois países; francês e neerlandês são duas línguas, ambas oficiais; e a cultura valã não é a flamenga, mas também não é a francesa, como a flamenga não é a valã, mas também não é a holandesa. Será talvez adequado dizer que daquele confronto, resulta apesar de tudo uma junção, pode recusar-se a fusão mas não se rejeita totalmente o conjunto, talvez porque, uma vez mais adaptando livremente o pensamento spinoziano, a relação de um corpo com outro aumenta o seu conhecimento de si mesmo.
E tudo isto parece existir também na obra dos Office KGDVS: confronto e junção, diferença e conjunto. E, uma vez mais, a casa de Merchtem, na sua lógica de interiores e exteriores que se prolongam e se confundem, parece ser exemplo máximo desta vertente do pensamento dos arquitectos.


coda

Será praticamente indiscutível a qualidade dos edifícios dos Office KGDVS. Sendo jovens arquitectos belgas com uma projecção já bastante considerável, é interessante ver como a sua concepção de Arquitectura não é, pelo menos num sentido mais directo e sumário, coincidente com a concepção da maioria dos arquitectos que, neste momento, ditam a 'moda' que, gostemos ou não, existe em todas as áreas. Não parecem rendidos à sedução tecnológica, antes parecem conscientes dos seus perigos; não caem no erro de ver a extravagância formal como maneira de reafirmar a Arquitectura enquanto Arte; os seus edifícios evidenciam-se e falam por si mesmos sem precisar de se demitir do espaço em que existem ou de anular esse mesmo espaço. O trabalho dos Office KGDVS regressa aos aspectos mais básicos: à importância da imagem, à ortogonalidade, à consciência do limite que representa uma parede, à relação com a paisagem urbana ou a paisagem natural, à escala, à ligação com a vida dos habitantes. E no entanto, é um trabalho profundamente experimental. E por isso, o pensamento que se revela a casa obra construída será sempre um dos aspectos mais imprescindíveis para definir o trabalho destes arquitectos. As leituras a que a obra se oferece são múltiplas e inesperadas, o que prova a sua complexidade. Tentar perceber onde se situa esta obra face ao problema do real (da vida quotidiana) e enquanto corpo (como o define Spinoza) são dois exemplos. E talvez por serem tão variadas as leituras que podemos deslindar cada vez que voltamos a olhar para um trabalho dos Office KGDVS, se torna precisamente tão apaixonante fazê-lo.


19.7.13 - 27.7.13



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*MONTANER, Josep Maria: Arquitectura e Crítica (tradução de Alicia Duarte Penna). Barcelona, Gustavo Gili, 2007
*MOURA, Vasco Graça: O Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas. Lisboa, Quetzal, 1998.
*OCKMAN, Joan: Radical Reticence. 2G, 63, 13-18, 2012
*PFEIFFER, Bruce Brooks: Frank Lloyd Wright - Construir para a Democracia (tradução de João Bernardo Paiva Boléo). Köln, Taschen, 2004.
*POTTERTON, Homan: National Gallery (Londres). Lisboa, Oceano Liarte, 1998.
*SONTAG, Susan: Against Interpretation and Other Essays. Londres, Penguin Books, 2009.
*SPINOZA, Baruch: Éthique (tradução latim-francês de Charles Apphun). Paris, Garnier Flammarion, 1965.

sábado, 13 de julho de 2013

OFFICE Kersten Geers & David Van Severen (parte 1)

Alguns apontamentos sobre a 2G nº 63

1.
O número 63 da revista 2G é dedicado à dupla de arquitectos flamengos OFFICE Kersten Geers e David Van Severen. E antes de mais nada, realce-se e louve-se que a revista da editora Gustavo Gili dedique um número a uma firma de arquitectos relativamente jovens, e cuja grande maioria da obra se encontra no país de origem, a Bélgica neste caso. Penso que nunca é de mais chamar a atenção para a tendência que a maioria das publicações (Revistas e livros.) tem de concentrar os seus esforços em arquitectos já estabelecidos, cuja obra obteve já reconhecimento e um posicionamento. Isto é negligenciar o facto de o futuro próximo e eventualmente até o futuro menos próximo da Arquitectura passará por uma série de soluções, interesses o orientações de uma camada mais jovem que, não estando ainda estabelecida, poderá estar já a experimentar no seu trabalho as pequenas e não tão pequenas revoluções que sucederão aos seus predecessores. A inovação não vem com o reconhecimento, este é, na grande maioria dos casos, um resultado da inovação. Debruçarmo-nos, então, sobre o trabalho de arquitectos jovens, é começar mais cedo uma preocupação com o presente e com o futuro.
Esta ideia vale duas vezes para uma firma como os Office KGDVS, uma vez que o seu trabalho é declaradamente experimental e por vezes mesmo subversivo.
A 2G apresenta-nos uma selecção muitíssimo completa e transversal do trabalho dos Office KGDVS, passando tanto pelos seus projectos de habitação, como por projectos não vencedores de concursos, como por trabalhos puramente conceptuais que culminam com a instalação After the Party (2008, Bienal de Veneza). Será esse o primeiro aspecto a realçar neste número da 2G, a sua compreensão profunda do projecto arquitectónico, aliás, artístico, dos Office KGDVS, que não passa exclusivamente pela obra arquitectónica necessariamente construída. Esta, aliás, parece muitas vezes decorrer de uma série de trabalhos mais teóricos ou conceptuais, que aqui aparecem também representados sumariamente.

2.
Para introduzir o trabalho dos Office KGDVS, apresentam-se três ensaios, no início do volume.
O primeiro, 'Picturing the Present' de Ellis Woodman concentra-se essencialmente em dois tópicos: por um lado, a unidade de uma obra (Representada pela monografia sobre esse obra.) e, por outro, algumas das âncoras do trabalho dos Office KGDVS tem nas artes plásticas. 
Na questão da monografia, enquanto representação da unidade da obra, Woodman contrapõe o trabalho desenvolvido com o objectivo de gerar lucro com o trabalho desenvolvido afim de um conseguimento artístico que ajudará a criar a narrative _ a discourse, even (p.4). Definindo a obra dos Office KGDVS como uma obra de cariz essencialmente artístico, ressalta como características essenciais dela the orthogonal plan; the box-like profile, the perimeter wall that establishes a near absolute division between inside and out; the shiny metal surface; the grid (both in plan and elevation) that is rolled out relentlessly; the tautly framed glass envelope; the peristyle of identically paced columns; the enfilade of identically dimensioned rooms (p.4), características que mais tarde resumirá como pragmatic in conception, The practice employs only the most straightforward construction methods and incorporates them into its architecture unmuddied by decoration (p.11). 
No entanto, no levantamento da unidade ou do fio-de-ariadne que liga todos os trabalhos dos Office KGDVS, Woodman acaba por deixar-se levar pela questão traiçoeira da imagem. Ao definir os edifícios destes Arquitectos como machines for making images (p.7), Woodman está a ser conscientemente provocatório, mas, ao longo do seu ensaio, não resolve a provocação com uma explicação aprofundada da sua leitura do trabalho dos Office KGDVS como criação de imagens. A imagem vale por si só ou vale enquanto forma de pesquisa para o pensamento arquitectónico? O texto vai explicando a importância da imagem, mas não é claro sobre a questão essencial: a imagem serve para mostrar, para descrever, o espaço ou vale enquanto meio de experimentação e estudo sobre esse espaço?
É nesse contexto, o do problema da imagem, que Woodman introduz o contraponto das imagens dos Office KGDVS com a pintura de David Hockney e as colagens de Mies van der Rohe. É uma observação bastante arguta da parte do ensaísta reconhecer essas influências, que resultam em imagens que, como é muito bem dito no ensaio, as exceptionally deterministic in some respects as it is permissive in others (p.6). Ao descrever, no entanto, alguns aspectos das imagens desta firma, fala de uma ausência de controlo sobre as representações urbanas nessas imagens, exigir-se-ia do ensaísta que aprofundasse esse tema, uma vez que ele pode ser uma forma de definir uma postura urbanística, um comportamento crítico dos Arquitectos perante os contextos (geográficos, culturais e temporais) em que trabalham.
Relativamente a este assunto, mais à frente, Woodman falará da postura dos Office KGDVS em relação ao contexto temporal: Their project's temporal situation is always ambiguous (p.11). É bastante importante falar deste assunto, uma vez que precisamente o posicionamento temporal da Arquitectura tem interessado a uma série de arquitectos. Sou Fujimoto, cujo universo artístico é em muitos aspectos completamente distinto do dos Office KGDVS interessou-se também por essa questão em 'Primitive Future' e, tal como a firma belga, concluiu que o arcaísmo apresenta uma série de soluções que fazem completo sentido ainda na modernidade. Woodman refere isto a propósito dos Office KGDVS e acrescenta ainda, inteligentemente, a influência maneirista e neopalladiana, aliás muito frequentes na Arquitectura belga.
No geral, o artigo de Woodman toca numa série de questões essenciais para definir o trabalho dos Office KGDVS, e falha apenas no desenvolvimento dessas questões. Não se exigiria uma interpretação unívoca da obra, mas, no mínimo, a colocação de uma série de hipóteses, das quais o ensaísta acaba por descartar-se, prejudicando o ensaio.


3.
O segundo ensaio do volume, da historiadora e crítica americana Joan Ockman, 'Radical Reticence', é o mais sucinto e, provavelmente, o mais eficaz dos três aqui apresentados.
Ockman começa por dizer que no trabalho dos Office KGDVS, Architecture's reduction to elemental forms belies its historical density (...) an extreme distillation and concentration of aesthetic thought. (p.13) Desta forma, acaba por corroborar a caracterização que encontramos no ensaio de Ellis Woodman. Também como Woodman, Ockman faz contrapontos do trabalho destes arquitectos com o trabalho de Mies van der Rohe, David Hockney e Philip Johnson, acrescentando ainda breves referências a Allison e Peter Smithson e a Ed Ruscha. Mas a nível das influências directas no trabalho dos Office KGDVS, Ockman é bem mais perspicaz ao apontar o ascendente intrínseco de todo o ambiente (quer o climático, quer o cultural) belga, e especificamente flamengo, que acaba por fazer-se sentir até na percepção psicológica das obras destes arquitectos: The architects explained their inward-looking scheme as a response to the harsh climate (p.15). Relativamente ao ambiente cultural especificamente, Ockman não hesita em colocar os Office KGDVS em oposição à maioria dos seus contemporâneos: The position they have staked out is a rebuke to technological virtuosity and ostentatious avant-gardism (...) the Belgians remain circunspect about architecture's efficacy as an instrument of social improvement (...) They also share Koolhaas' interest in programmatic analysis and reinvention. But they reject the facile school of diagrams he has spawned and remain considerably more romantic about aesthetic experience and its poetics (p.15).
Dado que actualmente uma legião de deslumbrados se rende às maravilhas da tecnologia, como se aí estivesse o futuro, quando na verdade, a tecnologia será sempre um instrumento de trabalho, mas nunca poderá, por si só, ser suficiente para refazer ou revolucionar a Arquitectura, é particularmente importante realçar que uma firma em crescimento como são os Office KGDVS se posicione criticamente em relação à tecnologia, mantendo as saudáveis reservas que evitam a histeria. Mais ainda, é também importante que Ockman analise a relação entre uma figura tutelar como Koolhaas e uma firma de arquitectos mais jovens que, como a ensaísta explica, souberam aproveitar o melhor do pensamento do holandês, mas mantiveram uma perspectiva mais sensível e menos espectacular em relação à Arquitectura.
E se uma das falhas do texto de Woodman era precisamente a sua relutância em abordar o problema da relação dos edifícios com o seu envolvente, Ockman refere esse assunto e, ainda que resumidamente, consegue explicá-lo: their conviction is that however multifarious the contextual conditions to wich architectural projects are subject, the designer needs only deploy a limited repertory of compositional devices; these, in turn, in their adaptation to the contingencies of site and programme, are capable of generating endless subtle variations. (p.17)
E no final do ensaio, Ockman consegue sintetizar perfeitamente o resultado de todas as características que foi apontado. Quando nos diz que na obra dos Office KGDVS what you see is not so much what you see as what you sense: namely the fragility and temporality of that wich purports to be solid (p.18), percebemos que dificilmente se conseguiria definir a obra da firma de uma maneira mais adequada e ao mesmo tempo mais poética.

4.
O terceiro texto, de Pier Paolo Tamburelli e Andrea Zanderigo, 'Cutting holes into the trash and other stories' é, diga-se desde já, um poderosíssimo ensaio, logo pela forma orginalíssima como é escrito. As análises destes teóricos sobre o trabalho dos Office KGDVS são apresentados em textos curtos, que funcionam como contos num conjunto.
Tratando-se então de um texto escrito de forma tão impressionante e que toca em aspectos muito importantes que não encontraram igual atenção nos dois primeiros ensaios da revista, é apenas de lamentar que Tamburelli e Zanderigo insistam constantemente numa questão em que, se não estão errados, pelo menos não estão inteiramente correctos: a indiferença dos edifícios dos Office KGDVS pelo terreno e pela cidade.
Talvez o problema comece, logo no início, pela maneira como o terreno flamengo (Onde a maioria da obra desta firma se encontra.) é lido pelos autores. Para eles, o trabalho desta dupla corresponds to their native landscape: the mediocre, confused and domestic sprawl of contemporary Flanders (p.19), o que significa que é, aqui, ignorada a imensa história cultural que persiste na Flandres e de que a Arquitectura é, em muitos casos, testemunho; bem como as características bastante específicas da paisagem natural e construída de uma série de cidades que, pertencendo ao mesmo país ou à mesma região autónoma, apresentam especificidades várias que impediriam, normalmente, que as víssemos como um todo monótono ou descritível em tão parcas palavras (Visitem-se duas cidades como Antuérpia e Leuven para o comprovar.). Poucos países comportarão em si paisagens, arquitecturas, culturas e funcionamentos tão diversificados entre si como a Bélgica. Os contrastes entre as regiões (Flandres, Valónia e Bruxelas-Capital) são evidentes, mas o observador atento reparará que as províncias também fazem alguma diferença e que mesmo as próprias cidades conservam um pouco da autonomia e da diversidade que existem desde há séculos, quando a Bélgica não existia e aquele território era composto por uma série de condados, ducados, bispados e principados. A visão de Tamburelli e de Zanderigo do território flamengo, que dá de si em mais do que um momento do ensaio, é então redutora e superficial, e afecta directamente as opiniões dos ensaístas sobre a postura dos Office KGDVS enquanto intervenientes no Urbanismo do seu país. O que é de lamentar, pois este é também o ensaio que mais se preocupa em estabelecer precisamente essa relação entre os arquitectos e o seu país de origem.
Ainda que admitam no início do ensaio que While the rooms leave out the urban debris accumulated in this landscape, they would not make sense without it (p.19), na grande maioria do resto do texto, os ensaístas parecem defender uma espécie de frieza urbanística por parte dos Office KGDVS, a quem atribuem um fenómeno de 'King Midas urbanism' ou seja, every single corner touched by the architects suddenly turns into gold (p.19). Este 'fenómeno' é interpretado, em vários momentos do ensaio, como uma forma de indiferença perante a cidade ou perante o território quando, na verdade, a optimização de determinados pontos da cidade levada a cabo pelos arquitectos pode ser vista, por outro lado, como uma atitude tudo menos indiferente: esses 'King Midas urbanism' seria, assim, uma forma de precisamente valorizar a cidade, de tornar a paisagem menos 'medíocre' (nas palavras dos ensaístas). Isso é visível até em trabalhos menos importantes da firma, como é o caso da ponte em Ghent (Fotografia acima deste fragmento.).
O que parece existir da parte dos Office KGDVS é precisamente a criação de microcosmos arquitectónicos ou urbanísticos. Mas a já referida frieza fará sentido, quando muito, para o edifício em si, não no seu comportamento perante o território. Esta parece não ser a opinião dos ensaístas, quando escrevem que Even if the architecture of OFFICE Kersten Geers David van Severen shows an explicit monumental ambition, this monumentality is completely non-didactic. Their buildings never try to do anything for the environment arount them; they do not suggest possible transformations. Like black holes, they suck energy from the context they erasem producing small regions in wich the field is provisionally suspended. (p.20, bold meu). Aliás, na parte destacada, os ensaístas contrariam absolutamente aquilo que Joan Ockman havia afirmado no seu ensaio. A leitura da questão urbanística no trabalho destes arquitectos é a maior fragilidade deste ensaio, resultando contraditória ou, no mínimo, muito mais subjectiva do que seria desejável.
Por outro lado, este ensaio reconhece alguns aspectos essenciais para a arquitectura propriamente dita dos Office KGDVS: a geometria pura enquanto instrumento de trabalho; a gramática fixa de elementos que origina aquilo que Tamburelli e Zanderigo definem muito adequadamente como dialetic of repetition and exception (p.22); a importância matricial do fragmento e das relações entre fragmentos.
Dois aspectos ainda convém salientar neste ensaio: por um lado, as descrições que vão surgindo ao longo dos texto, são bastante eficazes em mostrar que um trabalho tão cerebral como o dos Office KGDVS não abdica de uma dimensão sensível e poética. Por outro lado, tal como Ockman, Tamburelli e Zanderigo esforçam-se por posicionar estes arquitectos num determinado contexto e, para isso, deixam-nos, em particular no último texto do ensaio, um importante apontamento acerca dos excessos do Moderniso e dos seus efeitos nefastos sobre a cultura arquitectónica posterior: Ignorance, the specific, architectural ignorance of contemporary architecture, was created when, for a variety of reasons (and there were actually reasons for this), the Modern Movement decided to burn all the books and start again without anu knowledge of what had previously been known as architecture. This attitude, in the long term, lost its polemical charge and became a standard of practical men (the ones ''who believe themselves to be quite exempt from any intellectual influence and are usually the slaves of some defunct economist.'' as John M. Keyes once noted). (p24-25). E se, como se conclui no ensaio, esta ignorância começa agora a ser reconhecida e combatida, certamente um trabalho da dimensão intelectual que tem o dos Office KGDVS é importante para a reformulação da cultura arquitectónica.


5.
A selecção de obras que a revista compreende comprova a grande maioria dos aspectos apontados pelos três ensaios introdutórios. Como se disse, esta selecção inclui não só os projectos construídos, como uma série de participações em concursos e ainda alguns trabalhos de índole puramente conceptual; o que nos permite formar uma visão, muito mais do que da obra, do pensamento de Kersten Geers e David van Severen, complementada ainda pelos textos dos próprios que se apresentam no final. E num momento em que, como se apontava no último ensaio, a ignorância ou a frigidez cultural entraram em vigor na Arquitectura como se fossem, mais que um direito, um requisito, torna-se duplamente importante compreender o pensamento daqueles que a combatem. E que a combatem na totalidade da sua obra, seja em que vertente for, como aqui é o caso.

sábado, 16 de março de 2013

O Convento dos Capuchos (Sintra)




Convento de Santa Cruz, conhecido popularmente como Convento dos Capuchos é uma invulgar construção nos confins da Serra de Sintra, fundada em 1560 para uma pequena comunidade de ordem Franciscana. Inicialmente, a comunidade contava com oito monges investidos em fazer uma vida meditativa, pobre e de renúncia ao mundo. Ainda hoje este lugar está isolado em relação à cidade de Sintra. ficando de fora mesmo dos percursos turísticos que, infelizmente, ocupam o centro das preocupações políticas e urbanísticas dessa cidade.
O estudo da História da Arquitectura ensina-nos a procurar traços comuns a edifícios da mesma época. Em Portugal, a Arquitectura atravessa uma fase, de vários aspectos, difícil de definir. Por um lado, os modelos medievais, especialmente o Românico tinham-se prolongado enquanto o resto da Europa já os abandonara. O classicismo entra tarde em Portugal, e é difícil destrinçar os traços Renascentistas dos Maneiristas. Mas, apesar de servir um extenso programa (Dois terreiros, um alpende, três capelas, uma igreja, um coro, um claustro, uma enfermaria, trinta celas, quarto-de-banho, refeitório, cozinha, sala do capítulo e biblioteca.), não há no Convento dos Capuchos muito que nos indique o século XVI. 



















Se há alguma referência na concepção deste edifício, ela tem mais a ver com os princípios teológicos de Francisco de Assis e com a forma de vida, extremamente pobre e austera, da Ordem respectiva. Os corredores estreitos, baixos e escuros dão acesso a celas exíguas por portas baixas que incitam a genuflexão, ou então para compartimentos de utilização colectiva que, apesar disso, são igualmente contidos. Em todos os espaços é visível o despojamento que causaria certamente um tremendo desconforto físico a quem habitasse aquele lugar. A iluminação natural existe apenas através de pequenas e toscas janelas com acesso para o exterior, sendo o resultado que, mesmo assim, grande parte dos espaços, mesmo durante o dia, estão mergulhados numa penumbra que parece fechar os homens sobre si mesmos, retirando-os do mundo que, ali, existe apenas na imagem de um pequeno quadrado da paisagem da Serra de Sintra. É talvez uma forma de provocar essa ''elevação'' que conduz a um contacto mais directo com deus e, nesse sentido, a Arquitectura funciona aqui, mais do que como uma concepção espacial, como forma de viabilizar essa comunicação entre entidades. Ou seja, e por estranho que pareça, o espaço actua sobre o Homem para o tirar do próprio espaço e levá-lo a um outro, que não é físico. Este é um espaço capaz de se anular a si mesmo, e talvez por isso, mesmo agora que está já desocupado, continua a transpirar o ambiente religioso que, podemos supor, não será eventualmente muito diferente daquele que existia entre o século XVI e o século XIX, quando foram extintas as ordens religiosas masculinas. Mais ainda, esta capacidade do espaço de fechar o Homem sobre si mesmo para o abrir ao divino, confere também ao Convento dos Capuchos uma espécie de vinculação ideológica com o que conhecemos da cultura arquitectónica do Antigo Egipto. Desta civilização, conhecemos essencialmente os túmulos, as cidades dos mortos, porque a dos vivos era irrelevante. Essa despreocupação perante a vida terrena, que se compensa numa concentração na vida espiritual definiu toda a primeira Arquitectura egípcia, e é também o cânone que parece orientar a concepção do Convento dos Capuchos.

Outro aspecto a assinalar, e que é igualmente decisivo para a eficácia do Convento, é a sua relação com a natureza, com o espaço natural onde é construído. As dependências do Convento distribuem-se tirando partido tanto das cotas irregulares da serra, como das formações rochosas que não raro integram as paredes, as coberturas ou o chão dos espaços. O edificado propriamente dito abre-se para um terreiro, por um dos lados, e para o pequeno claustro com a capela, mais elevado. A integração do Convento na natureza simboliza, por um lado, a não-interferência com a obra directa de deus, por outro, é uma forma de recusar o luxo ou a grandeza da própria concepção espacial que, para se adaptar ao terreno, perde uma série de possibilidades de organização.




A segunda questão, ligada intrinsecamente com a primeira, é a da construção do Convento. Apesar da sua recusa ao ornamento e ao luxo, o Convento é um edifício de construção sofisticada. Por mais que o seu aspecto seja tosco e quase bruto, a sua construção não poderia ser mais meticulosa e mais inteligente (A prova disso é que cinco séculos depois, o Convento continua erguido.). A forma como as formações rochosas que integram na estrutura é impressionante e o efeito poético do conjunto dos espaços em muito contraria a ideia inicial de pobreza e de imediatismo que o edificado pode dar.



Dificilmente, portanto, se encontraria um edifício mais complexo do que este. É frequente que a Arquitectura se imponha a si mesma a necessidade de perguntar como encontrar as soluções mais simples e menos artificiosas de conceber espaços habitáveis. O Convento dos Capuchos fornece-nos uma resposta a um tempo assombrosa e perturbadora a esta pergunta. Porque, por mais que nos possamos sentir asfixiados pelos espaços severos e claustrofóbicos, somos também obrigados a reconhecer que nos seria possível satisfazer ali todas as nossas necessidades mais básicas. Somos, assim, obrigados a confrontar-nos com a resposta mais pura à simplicidade que a Arquitectura procura, sem qualquer contaminação do mais diminuto vício burguês, por assim dizer, que nos leva a construir de outras formas.

(Uma versão resumida deste texto foi publicada em http://coisas-gerais.tumblr.com/)

Convento dos Capuchos (Sintra): Plantas

1. Terreiro das Cruzes   2. Portão do Convento    3. Terreiro da Fonte   4. Alpendre da Portaria   5. Capela do Senhor dos Passos   6. Igreja   7. Coro   8. Corredor    9. Claustro   10. Enfermaria   11. Cela


12. Quartos-de-Banho    13. Celas    14. Corredor    15. Refeitório   16. Cozinha    17. Sala do Capítulo   18. Cela de Noviços

19. Cela escura   20. Celas da enfermaria e de visitas   21. Biblioteca/ Escritório   22. Cela   23. Capela do Senhor no Horto    24. Varanda    25. Capela do Senhor Crucificado    26. Cova de Frei Honório


Plantas retiradas daqui