Alguns apontamentos sobre a 2G nº 63
1.
O número 63 da revista 2G é dedicado à dupla de arquitectos flamengos OFFICE Kersten Geers e David Van Severen. E antes de mais nada, realce-se e louve-se que a revista da editora Gustavo Gili dedique um número a uma firma de arquitectos relativamente jovens, e cuja grande maioria da obra se encontra no país de origem, a Bélgica neste caso. Penso que nunca é de mais chamar a atenção para a tendência que a maioria das publicações (Revistas e livros.) tem de concentrar os seus esforços em arquitectos já estabelecidos, cuja obra obteve já reconhecimento e um posicionamento. Isto é negligenciar o facto de o futuro próximo e eventualmente até o futuro menos próximo da Arquitectura passará por uma série de soluções, interesses o orientações de uma camada mais jovem que, não estando ainda estabelecida, poderá estar já a experimentar no seu trabalho as pequenas e não tão pequenas revoluções que sucederão aos seus predecessores. A inovação não vem com o reconhecimento, este é, na grande maioria dos casos, um resultado da inovação. Debruçarmo-nos, então, sobre o trabalho de arquitectos jovens, é começar mais cedo uma preocupação com o presente e com o futuro.
Esta ideia vale duas vezes para uma firma como os Office KGDVS, uma vez que o seu trabalho é declaradamente experimental e por vezes mesmo subversivo.
A 2G apresenta-nos uma selecção muitíssimo completa e transversal do trabalho dos Office KGDVS, passando tanto pelos seus projectos de habitação, como por projectos não vencedores de concursos, como por trabalhos puramente conceptuais que culminam com a instalação After the Party (2008, Bienal de Veneza). Será esse o primeiro aspecto a realçar neste número da 2G, a sua compreensão profunda do projecto arquitectónico, aliás, artístico, dos Office KGDVS, que não passa exclusivamente pela obra arquitectónica necessariamente construída. Esta, aliás, parece muitas vezes decorrer de uma série de trabalhos mais teóricos ou conceptuais, que aqui aparecem também representados sumariamente.
Para introduzir o trabalho dos Office KGDVS, apresentam-se três ensaios, no início do volume.
O primeiro, 'Picturing the Present' de Ellis Woodman concentra-se essencialmente em dois tópicos: por um lado, a unidade de uma obra (Representada pela monografia sobre esse obra.) e, por outro, algumas das âncoras do trabalho dos Office KGDVS tem nas artes plásticas.
Na questão da monografia, enquanto representação da unidade da obra, Woodman contrapõe o trabalho desenvolvido com o objectivo de gerar lucro com o trabalho desenvolvido afim de um conseguimento artístico que ajudará a criar a narrative _ a discourse, even (p.4). Definindo a obra dos Office KGDVS como uma obra de cariz essencialmente artístico, ressalta como características essenciais dela the orthogonal plan; the box-like profile, the perimeter wall that establishes a near absolute division between inside and out; the shiny metal surface; the grid (both in plan and elevation) that is rolled out relentlessly; the tautly framed glass envelope; the peristyle of identically paced columns; the enfilade of identically dimensioned rooms (p.4), características que mais tarde resumirá como pragmatic in conception, The practice employs only the most straightforward construction methods and incorporates them into its architecture unmuddied by decoration (p.11).
No entanto, no levantamento da unidade ou do fio-de-ariadne que liga todos os trabalhos dos Office KGDVS, Woodman acaba por deixar-se levar pela questão traiçoeira da imagem. Ao definir os edifícios destes Arquitectos como machines for making images (p.7), Woodman está a ser conscientemente provocatório, mas, ao longo do seu ensaio, não resolve a provocação com uma explicação aprofundada da sua leitura do trabalho dos Office KGDVS como criação de imagens. A imagem vale por si só ou vale enquanto forma de pesquisa para o pensamento arquitectónico? O texto vai explicando a importância da imagem, mas não é claro sobre a questão essencial: a imagem serve para mostrar, para descrever, o espaço ou vale enquanto meio de experimentação e estudo sobre esse espaço?
É nesse contexto, o do problema da imagem, que Woodman introduz o contraponto das imagens dos Office KGDVS com a pintura de David Hockney e as colagens de Mies van der Rohe. É uma observação bastante arguta da parte do ensaísta reconhecer essas influências, que resultam em imagens que, como é muito bem dito no ensaio, as exceptionally deterministic in some respects as it is permissive in others (p.6). Ao descrever, no entanto, alguns aspectos das imagens desta firma, fala de uma ausência de controlo sobre as representações urbanas nessas imagens, exigir-se-ia do ensaísta que aprofundasse esse tema, uma vez que ele pode ser uma forma de definir uma postura urbanística, um comportamento crítico dos Arquitectos perante os contextos (geográficos, culturais e temporais) em que trabalham.
Relativamente a este assunto, mais à frente, Woodman falará da postura dos Office KGDVS em relação ao contexto temporal: Their project's temporal situation is always ambiguous (p.11). É bastante importante falar deste assunto, uma vez que precisamente o posicionamento temporal da Arquitectura tem interessado a uma série de arquitectos. Sou Fujimoto, cujo universo artístico é em muitos aspectos completamente distinto do dos Office KGDVS interessou-se também por essa questão em 'Primitive Future' e, tal como a firma belga, concluiu que o arcaísmo apresenta uma série de soluções que fazem completo sentido ainda na modernidade. Woodman refere isto a propósito dos Office KGDVS e acrescenta ainda, inteligentemente, a influência maneirista e neopalladiana, aliás muito frequentes na Arquitectura belga.
No geral, o artigo de Woodman toca numa série de questões essenciais para definir o trabalho dos Office KGDVS, e falha apenas no desenvolvimento dessas questões. Não se exigiria uma interpretação unívoca da obra, mas, no mínimo, a colocação de uma série de hipóteses, das quais o ensaísta acaba por descartar-se, prejudicando o ensaio.
3.
O segundo ensaio do volume, da historiadora e crítica americana Joan Ockman, 'Radical Reticence', é o mais sucinto e, provavelmente, o mais eficaz dos três aqui apresentados.
Ockman começa por dizer que no trabalho dos Office KGDVS, Architecture's reduction to elemental forms belies its historical density (...) an extreme distillation and concentration of aesthetic thought. (p.13) Desta forma, acaba por corroborar a caracterização que encontramos no ensaio de Ellis Woodman. Também como Woodman, Ockman faz contrapontos do trabalho destes arquitectos com o trabalho de Mies van der Rohe, David Hockney e Philip Johnson, acrescentando ainda breves referências a Allison e Peter Smithson e a Ed Ruscha. Mas a nível das influências directas no trabalho dos Office KGDVS, Ockman é bem mais perspicaz ao apontar o ascendente intrínseco de todo o ambiente (quer o climático, quer o cultural) belga, e especificamente flamengo, que acaba por fazer-se sentir até na percepção psicológica das obras destes arquitectos: The architects explained their inward-looking scheme as a response to the harsh climate (p.15). Relativamente ao ambiente cultural especificamente, Ockman não hesita em colocar os Office KGDVS em oposição à maioria dos seus contemporâneos: The position they have staked out is a rebuke to technological virtuosity and ostentatious avant-gardism (...) the Belgians remain circunspect about architecture's efficacy as an instrument of social improvement (...) They also share Koolhaas' interest in programmatic analysis and reinvention. But they reject the facile school of diagrams he has spawned and remain considerably more romantic about aesthetic experience and its poetics (p.15).
Dado que actualmente uma legião de deslumbrados se rende às maravilhas da tecnologia, como se aí estivesse o futuro, quando na verdade, a tecnologia será sempre um instrumento de trabalho, mas nunca poderá, por si só, ser suficiente para refazer ou revolucionar a Arquitectura, é particularmente importante realçar que uma firma em crescimento como são os Office KGDVS se posicione criticamente em relação à tecnologia, mantendo as saudáveis reservas que evitam a histeria. Mais ainda, é também importante que Ockman analise a relação entre uma figura tutelar como Koolhaas e uma firma de arquitectos mais jovens que, como a ensaísta explica, souberam aproveitar o melhor do pensamento do holandês, mas mantiveram uma perspectiva mais sensível e menos espectacular em relação à Arquitectura.
E se uma das falhas do texto de Woodman era precisamente a sua relutância em abordar o problema da relação dos edifícios com o seu envolvente, Ockman refere esse assunto e, ainda que resumidamente, consegue explicá-lo: their conviction is that however multifarious the contextual conditions to wich architectural projects are subject, the designer needs only deploy a limited repertory of compositional devices; these, in turn, in their adaptation to the contingencies of site and programme, are capable of generating endless subtle variations. (p.17)
E no final do ensaio, Ockman consegue sintetizar perfeitamente o resultado de todas as características que foi apontado. Quando nos diz que na obra dos Office KGDVS what you see is not so much what you see as what you sense: namely the fragility and temporality of that wich purports to be solid (p.18), percebemos que dificilmente se conseguiria definir a obra da firma de uma maneira mais adequada e ao mesmo tempo mais poética.
4.
O terceiro texto, de Pier Paolo Tamburelli e Andrea Zanderigo, 'Cutting holes into the trash and other stories' é, diga-se desde já, um poderosíssimo ensaio, logo pela forma orginalíssima como é escrito. As análises destes teóricos sobre o trabalho dos Office KGDVS são apresentados em textos curtos, que funcionam como contos num conjunto.
Tratando-se então de um texto escrito de forma tão impressionante e que toca em aspectos muito importantes que não encontraram igual atenção nos dois primeiros ensaios da revista, é apenas de lamentar que Tamburelli e Zanderigo insistam constantemente numa questão em que, se não estão errados, pelo menos não estão inteiramente correctos: a indiferença dos edifícios dos Office KGDVS pelo terreno e pela cidade.
Talvez o problema comece, logo no início, pela maneira como o terreno flamengo (Onde a maioria da obra desta firma se encontra.) é lido pelos autores. Para eles, o trabalho desta dupla corresponds to their native landscape: the mediocre, confused and domestic sprawl of contemporary Flanders (p.19), o que significa que é, aqui, ignorada a imensa história cultural que persiste na Flandres e de que a Arquitectura é, em muitos casos, testemunho; bem como as características bastante específicas da paisagem natural e construída de uma série de cidades que, pertencendo ao mesmo país ou à mesma região autónoma, apresentam especificidades várias que impediriam, normalmente, que as víssemos como um todo monótono ou descritível em tão parcas palavras (Visitem-se duas cidades como Antuérpia e Leuven para o comprovar.). Poucos países comportarão em si paisagens, arquitecturas, culturas e funcionamentos tão diversificados entre si como a Bélgica. Os contrastes entre as regiões (Flandres, Valónia e Bruxelas-Capital) são evidentes, mas o observador atento reparará que as províncias também fazem alguma diferença e que mesmo as próprias cidades conservam um pouco da autonomia e da diversidade que existem desde há séculos, quando a Bélgica não existia e aquele território era composto por uma série de condados, ducados, bispados e principados. A visão de Tamburelli e de Zanderigo do território flamengo, que dá de si em mais do que um momento do ensaio, é então redutora e superficial, e afecta directamente as opiniões dos ensaístas sobre a postura dos Office KGDVS enquanto intervenientes no Urbanismo do seu país. O que é de lamentar, pois este é também o ensaio que mais se preocupa em estabelecer precisamente essa relação entre os arquitectos e o seu país de origem.
Ainda que admitam no início do ensaio que While the rooms leave out the urban debris accumulated in this landscape, they would not make sense without it (p.19), na grande maioria do resto do texto, os ensaístas parecem defender uma espécie de frieza urbanística por parte dos Office KGDVS, a quem atribuem um fenómeno de 'King Midas urbanism' ou seja, every single corner touched by the architects suddenly turns into gold (p.19). Este 'fenómeno' é interpretado, em vários momentos do ensaio, como uma forma de indiferença perante a cidade ou perante o território quando, na verdade, a optimização de determinados pontos da cidade levada a cabo pelos arquitectos pode ser vista, por outro lado, como uma atitude tudo menos indiferente: esses 'King Midas urbanism' seria, assim, uma forma de precisamente valorizar a cidade, de tornar a paisagem menos 'medíocre' (nas palavras dos ensaístas). Isso é visível até em trabalhos menos importantes da firma, como é o caso da ponte em Ghent (Fotografia acima deste fragmento.).
O que parece existir da parte dos Office KGDVS é precisamente a criação de microcosmos arquitectónicos ou urbanísticos. Mas a já referida frieza fará sentido, quando muito, para o edifício em si, não no seu comportamento perante o território. Esta parece não ser a opinião dos ensaístas, quando escrevem que Even if the architecture of OFFICE Kersten Geers David van Severen shows an explicit monumental ambition, this monumentality is completely non-didactic. Their buildings never try to do anything for the environment arount them; they do not suggest possible transformations. Like black holes, they suck energy from the context they erasem producing small regions in wich the field is provisionally suspended. (p.20, bold meu). Aliás, na parte destacada, os ensaístas contrariam absolutamente aquilo que Joan Ockman havia afirmado no seu ensaio. A leitura da questão urbanística no trabalho destes arquitectos é a maior fragilidade deste ensaio, resultando contraditória ou, no mínimo, muito mais subjectiva do que seria desejável.
Por outro lado, este ensaio reconhece alguns aspectos essenciais para a arquitectura propriamente dita dos Office KGDVS: a geometria pura enquanto instrumento de trabalho; a gramática fixa de elementos que origina aquilo que Tamburelli e Zanderigo definem muito adequadamente como dialetic of repetition and exception (p.22); a importância matricial do fragmento e das relações entre fragmentos.
Dois aspectos ainda convém salientar neste ensaio: por um lado, as descrições que vão surgindo ao longo dos texto, são bastante eficazes em mostrar que um trabalho tão cerebral como o dos Office KGDVS não abdica de uma dimensão sensível e poética. Por outro lado, tal como Ockman, Tamburelli e Zanderigo esforçam-se por posicionar estes arquitectos num determinado contexto e, para isso, deixam-nos, em particular no último texto do ensaio, um importante apontamento acerca dos excessos do Moderniso e dos seus efeitos nefastos sobre a cultura arquitectónica posterior: Ignorance, the specific, architectural ignorance of contemporary architecture, was created when, for a variety of reasons (and there were actually reasons for this), the Modern Movement decided to burn all the books and start again without anu knowledge of what had previously been known as architecture. This attitude, in the long term, lost its polemical charge and became a standard of practical men (the ones ''who believe themselves to be quite exempt from any intellectual influence and are usually the slaves of some defunct economist.'' as John M. Keyes once noted). (p24-25). E se, como se conclui no ensaio, esta ignorância começa agora a ser reconhecida e combatida, certamente um trabalho da dimensão intelectual que tem o dos Office KGDVS é importante para a reformulação da cultura arquitectónica.
5.
A selecção de obras que a revista compreende comprova a grande maioria dos aspectos apontados pelos três ensaios introdutórios. Como se disse, esta selecção inclui não só os projectos construídos, como uma série de participações em concursos e ainda alguns trabalhos de índole puramente conceptual; o que nos permite formar uma visão, muito mais do que da obra, do pensamento de Kersten Geers e David van Severen, complementada ainda pelos textos dos próprios que se apresentam no final. E num momento em que, como se apontava no último ensaio, a ignorância ou a frigidez cultural entraram em vigor na Arquitectura como se fossem, mais que um direito, um requisito, torna-se duplamente importante compreender o pensamento daqueles que a combatem. E que a combatem na totalidade da sua obra, seja em que vertente for, como aqui é o caso.
É nesse contexto, o do problema da imagem, que Woodman introduz o contraponto das imagens dos Office KGDVS com a pintura de David Hockney e as colagens de Mies van der Rohe. É uma observação bastante arguta da parte do ensaísta reconhecer essas influências, que resultam em imagens que, como é muito bem dito no ensaio, as exceptionally deterministic in some respects as it is permissive in others (p.6). Ao descrever, no entanto, alguns aspectos das imagens desta firma, fala de uma ausência de controlo sobre as representações urbanas nessas imagens, exigir-se-ia do ensaísta que aprofundasse esse tema, uma vez que ele pode ser uma forma de definir uma postura urbanística, um comportamento crítico dos Arquitectos perante os contextos (geográficos, culturais e temporais) em que trabalham.
Relativamente a este assunto, mais à frente, Woodman falará da postura dos Office KGDVS em relação ao contexto temporal: Their project's temporal situation is always ambiguous (p.11). É bastante importante falar deste assunto, uma vez que precisamente o posicionamento temporal da Arquitectura tem interessado a uma série de arquitectos. Sou Fujimoto, cujo universo artístico é em muitos aspectos completamente distinto do dos Office KGDVS interessou-se também por essa questão em 'Primitive Future' e, tal como a firma belga, concluiu que o arcaísmo apresenta uma série de soluções que fazem completo sentido ainda na modernidade. Woodman refere isto a propósito dos Office KGDVS e acrescenta ainda, inteligentemente, a influência maneirista e neopalladiana, aliás muito frequentes na Arquitectura belga.
No geral, o artigo de Woodman toca numa série de questões essenciais para definir o trabalho dos Office KGDVS, e falha apenas no desenvolvimento dessas questões. Não se exigiria uma interpretação unívoca da obra, mas, no mínimo, a colocação de uma série de hipóteses, das quais o ensaísta acaba por descartar-se, prejudicando o ensaio.
3.
O segundo ensaio do volume, da historiadora e crítica americana Joan Ockman, 'Radical Reticence', é o mais sucinto e, provavelmente, o mais eficaz dos três aqui apresentados.
Ockman começa por dizer que no trabalho dos Office KGDVS, Architecture's reduction to elemental forms belies its historical density (...) an extreme distillation and concentration of aesthetic thought. (p.13) Desta forma, acaba por corroborar a caracterização que encontramos no ensaio de Ellis Woodman. Também como Woodman, Ockman faz contrapontos do trabalho destes arquitectos com o trabalho de Mies van der Rohe, David Hockney e Philip Johnson, acrescentando ainda breves referências a Allison e Peter Smithson e a Ed Ruscha. Mas a nível das influências directas no trabalho dos Office KGDVS, Ockman é bem mais perspicaz ao apontar o ascendente intrínseco de todo o ambiente (quer o climático, quer o cultural) belga, e especificamente flamengo, que acaba por fazer-se sentir até na percepção psicológica das obras destes arquitectos: The architects explained their inward-looking scheme as a response to the harsh climate (p.15). Relativamente ao ambiente cultural especificamente, Ockman não hesita em colocar os Office KGDVS em oposição à maioria dos seus contemporâneos: The position they have staked out is a rebuke to technological virtuosity and ostentatious avant-gardism (...) the Belgians remain circunspect about architecture's efficacy as an instrument of social improvement (...) They also share Koolhaas' interest in programmatic analysis and reinvention. But they reject the facile school of diagrams he has spawned and remain considerably more romantic about aesthetic experience and its poetics (p.15).
Dado que actualmente uma legião de deslumbrados se rende às maravilhas da tecnologia, como se aí estivesse o futuro, quando na verdade, a tecnologia será sempre um instrumento de trabalho, mas nunca poderá, por si só, ser suficiente para refazer ou revolucionar a Arquitectura, é particularmente importante realçar que uma firma em crescimento como são os Office KGDVS se posicione criticamente em relação à tecnologia, mantendo as saudáveis reservas que evitam a histeria. Mais ainda, é também importante que Ockman analise a relação entre uma figura tutelar como Koolhaas e uma firma de arquitectos mais jovens que, como a ensaísta explica, souberam aproveitar o melhor do pensamento do holandês, mas mantiveram uma perspectiva mais sensível e menos espectacular em relação à Arquitectura.
E se uma das falhas do texto de Woodman era precisamente a sua relutância em abordar o problema da relação dos edifícios com o seu envolvente, Ockman refere esse assunto e, ainda que resumidamente, consegue explicá-lo: their conviction is that however multifarious the contextual conditions to wich architectural projects are subject, the designer needs only deploy a limited repertory of compositional devices; these, in turn, in their adaptation to the contingencies of site and programme, are capable of generating endless subtle variations. (p.17)
E no final do ensaio, Ockman consegue sintetizar perfeitamente o resultado de todas as características que foi apontado. Quando nos diz que na obra dos Office KGDVS what you see is not so much what you see as what you sense: namely the fragility and temporality of that wich purports to be solid (p.18), percebemos que dificilmente se conseguiria definir a obra da firma de uma maneira mais adequada e ao mesmo tempo mais poética.
4.
O terceiro texto, de Pier Paolo Tamburelli e Andrea Zanderigo, 'Cutting holes into the trash and other stories' é, diga-se desde já, um poderosíssimo ensaio, logo pela forma orginalíssima como é escrito. As análises destes teóricos sobre o trabalho dos Office KGDVS são apresentados em textos curtos, que funcionam como contos num conjunto.
Tratando-se então de um texto escrito de forma tão impressionante e que toca em aspectos muito importantes que não encontraram igual atenção nos dois primeiros ensaios da revista, é apenas de lamentar que Tamburelli e Zanderigo insistam constantemente numa questão em que, se não estão errados, pelo menos não estão inteiramente correctos: a indiferença dos edifícios dos Office KGDVS pelo terreno e pela cidade.
Talvez o problema comece, logo no início, pela maneira como o terreno flamengo (Onde a maioria da obra desta firma se encontra.) é lido pelos autores. Para eles, o trabalho desta dupla corresponds to their native landscape: the mediocre, confused and domestic sprawl of contemporary Flanders (p.19), o que significa que é, aqui, ignorada a imensa história cultural que persiste na Flandres e de que a Arquitectura é, em muitos casos, testemunho; bem como as características bastante específicas da paisagem natural e construída de uma série de cidades que, pertencendo ao mesmo país ou à mesma região autónoma, apresentam especificidades várias que impediriam, normalmente, que as víssemos como um todo monótono ou descritível em tão parcas palavras (Visitem-se duas cidades como Antuérpia e Leuven para o comprovar.). Poucos países comportarão em si paisagens, arquitecturas, culturas e funcionamentos tão diversificados entre si como a Bélgica. Os contrastes entre as regiões (Flandres, Valónia e Bruxelas-Capital) são evidentes, mas o observador atento reparará que as províncias também fazem alguma diferença e que mesmo as próprias cidades conservam um pouco da autonomia e da diversidade que existem desde há séculos, quando a Bélgica não existia e aquele território era composto por uma série de condados, ducados, bispados e principados. A visão de Tamburelli e de Zanderigo do território flamengo, que dá de si em mais do que um momento do ensaio, é então redutora e superficial, e afecta directamente as opiniões dos ensaístas sobre a postura dos Office KGDVS enquanto intervenientes no Urbanismo do seu país. O que é de lamentar, pois este é também o ensaio que mais se preocupa em estabelecer precisamente essa relação entre os arquitectos e o seu país de origem.
Ainda que admitam no início do ensaio que While the rooms leave out the urban debris accumulated in this landscape, they would not make sense without it (p.19), na grande maioria do resto do texto, os ensaístas parecem defender uma espécie de frieza urbanística por parte dos Office KGDVS, a quem atribuem um fenómeno de 'King Midas urbanism' ou seja, every single corner touched by the architects suddenly turns into gold (p.19). Este 'fenómeno' é interpretado, em vários momentos do ensaio, como uma forma de indiferença perante a cidade ou perante o território quando, na verdade, a optimização de determinados pontos da cidade levada a cabo pelos arquitectos pode ser vista, por outro lado, como uma atitude tudo menos indiferente: esses 'King Midas urbanism' seria, assim, uma forma de precisamente valorizar a cidade, de tornar a paisagem menos 'medíocre' (nas palavras dos ensaístas). Isso é visível até em trabalhos menos importantes da firma, como é o caso da ponte em Ghent (Fotografia acima deste fragmento.).
O que parece existir da parte dos Office KGDVS é precisamente a criação de microcosmos arquitectónicos ou urbanísticos. Mas a já referida frieza fará sentido, quando muito, para o edifício em si, não no seu comportamento perante o território. Esta parece não ser a opinião dos ensaístas, quando escrevem que Even if the architecture of OFFICE Kersten Geers David van Severen shows an explicit monumental ambition, this monumentality is completely non-didactic. Their buildings never try to do anything for the environment arount them; they do not suggest possible transformations. Like black holes, they suck energy from the context they erasem producing small regions in wich the field is provisionally suspended. (p.20, bold meu). Aliás, na parte destacada, os ensaístas contrariam absolutamente aquilo que Joan Ockman havia afirmado no seu ensaio. A leitura da questão urbanística no trabalho destes arquitectos é a maior fragilidade deste ensaio, resultando contraditória ou, no mínimo, muito mais subjectiva do que seria desejável.
Por outro lado, este ensaio reconhece alguns aspectos essenciais para a arquitectura propriamente dita dos Office KGDVS: a geometria pura enquanto instrumento de trabalho; a gramática fixa de elementos que origina aquilo que Tamburelli e Zanderigo definem muito adequadamente como dialetic of repetition and exception (p.22); a importância matricial do fragmento e das relações entre fragmentos.
Dois aspectos ainda convém salientar neste ensaio: por um lado, as descrições que vão surgindo ao longo dos texto, são bastante eficazes em mostrar que um trabalho tão cerebral como o dos Office KGDVS não abdica de uma dimensão sensível e poética. Por outro lado, tal como Ockman, Tamburelli e Zanderigo esforçam-se por posicionar estes arquitectos num determinado contexto e, para isso, deixam-nos, em particular no último texto do ensaio, um importante apontamento acerca dos excessos do Moderniso e dos seus efeitos nefastos sobre a cultura arquitectónica posterior: Ignorance, the specific, architectural ignorance of contemporary architecture, was created when, for a variety of reasons (and there were actually reasons for this), the Modern Movement decided to burn all the books and start again without anu knowledge of what had previously been known as architecture. This attitude, in the long term, lost its polemical charge and became a standard of practical men (the ones ''who believe themselves to be quite exempt from any intellectual influence and are usually the slaves of some defunct economist.'' as John M. Keyes once noted). (p24-25). E se, como se conclui no ensaio, esta ignorância começa agora a ser reconhecida e combatida, certamente um trabalho da dimensão intelectual que tem o dos Office KGDVS é importante para a reformulação da cultura arquitectónica.
5.
A selecção de obras que a revista compreende comprova a grande maioria dos aspectos apontados pelos três ensaios introdutórios. Como se disse, esta selecção inclui não só os projectos construídos, como uma série de participações em concursos e ainda alguns trabalhos de índole puramente conceptual; o que nos permite formar uma visão, muito mais do que da obra, do pensamento de Kersten Geers e David van Severen, complementada ainda pelos textos dos próprios que se apresentam no final. E num momento em que, como se apontava no último ensaio, a ignorância ou a frigidez cultural entraram em vigor na Arquitectura como se fossem, mais que um direito, um requisito, torna-se duplamente importante compreender o pensamento daqueles que a combatem. E que a combatem na totalidade da sua obra, seja em que vertente for, como aqui é o caso.
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