TRASH-TV EM VERSÃO MORTAL
Recentemente, falei de 'The Tunnel', um filme de horror australiano que, a meu ver, é de uma invulgar qualidade para aquilo que, nos últimos anos, se tem feito dentro do género.
Recentemente, falei de 'The Tunnel', um filme de horror australiano que, a meu ver, é de uma invulgar qualidade para aquilo que, nos últimos anos, se tem feito dentro do género.
E se 'The Tunnel' chegava aos cinemas em Maio de 2011, após uma insólita campanha de angariação de fundos, menos de um mês antes, tinha estreado este 'Grave Encounters', filme que, em muitos aspectos, tem paralelismos impressionantes com o filme de Carlo Ledesma. Por um lado, o facto destes dois filmes se estarem a produzir ao mesmo tempo pode indicar-nos a aparente falta de ideias que o género, e o cinema em geral, atravessam. No entanto, é raro que se encontre um filme que conte algo de verdadeiramente novo: nova, por norma, quando o filme é original, é a forma como se trata um determinado assunto que é já conhecido. O caso de 'The Tunnel' era esse: ele aludia a filmes como 'The Blair Witch Project' (1999), mas na sua execução e na sua sensibilidade, era verdadeiramente criativo e refrescante.
Tal como os dois filmes já referidos, também 'Grave Encounters' resulta da suposta montagem de um suposto documentário. Neste caso, trata-se do reality-show de Lance Preston (Sean Rogerson), 'Grave Encounters', que consiste na visita a locais assombrados, com uma série de máquinas que permitem captar fenómenos paranormais. O episódio 6 decorreria num asilo psiquiátrico abandonado e é lá que Lance e a sua equipa se confrontam, pela primeira vez, com uma verdadeira assombração, na sequência da qual, ao que percebemos no início, teriam desaparecido.
As filmagens mostram-nos, numa primeira fase, a farsa que permite realizar o programa. Todos os elementos da equipa parecem acreditar realmente em fenómenos paranormais, admitindo apenas que nunca se depararam com nenhum, problema que resolvem com uma série de efeitos e de sugestões que se destinam ao espectador.
Mas à medida que a noite de produção vai avançando e nos dias seguintes (O encarregado no asilo nunca chega a aparecer para lhes abrir a porta.), os membros da equipa vão desaparecendo e uma série de fenómenos começa a registar-se, culminando na aparição de dois fantasmas, a partir da qual o próprio espaço começa a alterar-se, impossibilitando de todo a saída dos sobreviventes.
Uma das coisas que surpreende neste filme é como, na verdade, um filme perfeitamente discreto pode exercer uma influência insuspeitada sobre todo um género. 'Session 9' (2001) de Brad Anderson, aquele que me parece ser o melhor filme de horror entre 2000 e 2010 (Disso falei aqui.) era um filme independente, de produção simples e despretensiosa, sem efeitos especiais, sem aparatos, e passou, em muitos aspectos despercebido. Talvez agora comecemos a constatar que não terá passado tão despercebido assim: se mesmo em 'The Tunnel' a sensação de que o espaço se tornava um labirinto angustioso e irrespirável, quando em 'Grave Encounters' T.C. (Merwin Mondesir) se depara com uma cadeira de rodas parada no meio de um corredor vazio, a referência ao filme de Brad Anderson não podia ser mais óbvia. E de facto, todo este filme parece partir do de Anderson. A 'Grave Encounters' não faltam o asilo psiquiátrico com corredores tortuosamente iguais e escuros, a história macabra que contribuíra para o seu encerramento, a suspeita de que algum do horror dessa história paira ainda no lugar e a equipa que entra no local e embate inesperadamente nessa história.
Não diremos, no entanto, que 'Grave Encounters' seja uma cópia de 'Session 9', e nem sequer que seja propriamente uma variação. Mais se diria que os Vicious Brothers tentaram criar uma nova premissa, começando a partir da mesma base. E se por um lado conseguem em vários momentos desviar-se muito eficazmente do lugar-comum dentro daquilo que por norma acontece em filmes deste género, por outro, falta aos Vicious Brothers um ingrediente que colocava Brad Anderson do lado da excelência: a subtileza.
Essencialmente, o que falta a 'Grave Encounters' é subtileza. A subtileza que tornava 'Session 9' e 'The Tunnel' peças cinematográficas impressionantes.
Por um lado, a ideia de apresentar um reality-show sobre presenças paranormais parece conter uma certa ironia em relação aos excessos da trash-tv, bem como à absoluta vulgarização de um tema que, à partida, mereceria algum respeito. A própria falta de seriedade da equipa precisamente reforça esta espectacularização do macabro e do sobrenatural. Portanto, é também de certa forma muito irónico que estas pessoas acabem por deparar-se com o horror que pensavam estar a inventar _como se se dissesse que, realmente, quem brinca com o fogo se queima. Mas as subtilezas, morrem no argumento.
A nível de realização, 'Grave Encounters' varia entre momentos de verdadeira intensidade e momentos que não podem deixar de desiludir ou de, no mínimo, saber a pouco. A aparição do primeiro fantasma, a mulher, é um exemplo do primeiro caso: a sua breve aparição é um dos momentos mais fortes do filme, a sua presença parece real, mas a alteração súbita no seu rosto causa um verdadeiro susto, ainda que os efeitos sejam previsíveis e até um tanto cómicos. De lamentar é que não haja mais momentos assim. A aparição do segundo fantasma já não tem a mesma força, pois em muitos aspectos repete a primeira. O desaparecimento de alguns dos membros da equipa de facto prepara-se e concretiza-se da forma mais esperada para este género de filme, com excepção de Sasha (Ashleigh Gryzko), cujo desaparecimento parece ter sido feito à pressa, à última da hora. Principalmente tendo em conta a magnífica cena de desaparecimento, regresso e novo desaparecimento de Matt (Juan Riedinger), uma das sequências mais poderosas e perturbantes de todo o filme.
Há, apesar disso, um momento em que os Vicious Brothers conseguem fazer reverter a seu favor a inépcia que destrói alguns outros momentos: o tratamento espacial. Ao contrário de 'Session 9', em 'Grave Encounters' temos a sensação de estar num espaço grande, mas não tão fora de escala quanto isso. No entanto, quando percebemos que o próprio espaço se multiplicou, impedindo fisicamente que os sobreviventes abandonassem o asilo, a sensação de angústia aumenta. Tem-se a impressão de que os Vicious Brothers quiseram inventar uma maneira do asilo se tornar numa prisão incompreensível e que o fizeram da maneira mais básica. No entanto, ela resulta. O espaço do asilo torna-se de repente imprevisível, ele mesmo uma ameaça e uma personagem.
O final do filme não chega sem alguma surpresa e, de facto, tem essa capacidade de nos surpreender e nos causar, no mínimo, um calafrio. Toda a sequência final é de uma estranheza que impressiona e emociona, ao mesmo tempo que nos faz perguntar por que não foi assim todo o filme.
Sendo, afinal, um filme um tanto desajeitado mas que várias vezes sabe potenciar os seus pontos fortes, 'Grave Encounters' vai de um imperdoável aborrecimento a uma perturbante estranheza e, se perde, perde pela sua instabilidade enquanto filme de horror. Isto porque, para que um filme de horror seja eficaz, ele precisa, acima de tudo, de conseguir emocionar, de criar emoções das mais extremas e até indesejadas (Medo, desconforto, confusão, náusea...) e é muito esquisito quando um realizador, que neste caso são dois, no mesmo filme o consegue por vezes e noutras não. Valha aos Vicious Brothers que, quando conseguem, conseguem mesmo.
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