quarta-feira, 17 de julho de 2013

Grave Encounters 2 de John Poliquin

REPETIR PARA EXTENUAR

Uma das tendências mais esquisitas do cinema de horror, originada pelas atitudes, provavelmente inconscientes do futuro impacto, de uma série de realizadores, tem sido a de, de certa forma, medir a qualidade ou a eficácia de um filme pela sua capacidade de gerar sequelas. Talvez realizadores que trabalharam em sequelas, como Rick Rosenthal ('Halloween 2'), Victor Miller (Friday the 13th part 2) ou Scott Derrickson ('Hellraiser: Inferno', a única sequela minimamente digna.) não tivessem consciência do vício que originariam, ou talvez tivessem e não se tenham interessado muito com isso. 
Seja como for, nos dias de hoje parece impensável que qualquer filme de horror (E já não só.) que se preze não gere uma quantidade considerável de sequelas que, mais a mais, por norma acabam não só por esgotar um imaginário, como por tornar invisíveis os filmes originais. Foi o caso dos dois filmes mais importantes de James Wan, 'Saw' (2004) que gerou seis sequelas e 'Insidious' (2010) que terá em breve uma; mas também o caso do clássico imediato de Victor Salva 'Jeepers Creepers' (2001) que teve já uma sequela e tem uma outra pronta a estrear, de 'Paranormal Activity' (2007) de Oran Peli, já com três, e a lista poderia continuar eternamente. 
Evitando aqui explicar por que, obviamente, a ausência de sequelas está longe de atestar a incompetência de um filme, falemos daqueles que as têm. Um caso como o de 'Jeepers Creepers' é de certa forma refrescante pela forma como Victor Salva, realizador e argumentista do filme original, administrou a transição do filme para saga: responsabilizou-se pelos três capítulos, manteve a história sob o seu controlo e, ainda que o segundo filme não estivesse minimamente à altura do primeiro, estava longe de o destruir _além disso, a sinopse e o trailer de 'Jeepers Creepers: Cathedral', a terceira parte, são bastante promissores e é possível que recupere a qualidade do original. Já 'Saw' ou 'Paranormal Activity' são casos muito distintos: a verdade é que as sequelas foram de tal forma balofas e descontroladas que acabaram por extenuar completamente o filme original, por mais que este trouxesse algo de muito interessante ao cinema de horror. Para que o primeiro filme mantenha o seu esplendor, é preciso não só que seja muitíssimo forte, como que, nas sequelas, haja por ele ainda algum respeito. Mas a necessidade de uma produção rápida é quem mais ordena e acabam os filmes por obedecer às supostas exigências de um público que está pronto a esquecer um filme pelo qual muito se interessava.
'Grave Encounters' (2011) dos The Vicious Brothers tinha, mais infelizmente que felizmente, tudo para originar uma saga. E é sem surpresa que se constata logo no ano seguinte a primeira sequela. 


'Grave Encounters 2' não parece grande ameaça quando sabemos que os autores do argumento são ainda os Vicious Brothers. A realização fica a cargo de um estreante, John Poliquin. A sua presença, em muitos aspectos, mal se faz notar, uma vez que ele segue o modelo que já encontrávamos no primeiro filme (Bem como numa série de outros, diga-se.). Dir-se-ia que o papel de um realizador não é só o de decidir como se posicionará uma câmara, o que é certo. O seu trabalho passaria também pela marcação dos tempos, pela criação das próprias imagens e dos momentos que poderão induzir o espectador numa espécie de auto-sugestão que conferirá ao filme uma espécie de subtexto. Mas, mesmo nestas questões, Poliquin raramente consegue demarcar-se daquilo que já os Vicious Brothers haviam feito no seu filme.
Comecemos pelo mais óbvio: as aparições dos fantasmas. No primeiro filme, tinha realmente uma estranha força o rosto amedrontado da rapariga de bata branca que num ápice se tornava negro e grotesco. Aqui, as aparições são mais (Parece ser uma regra para sequelas, a de haver mais momentos fortes.), mas todas seguindo aborrecidamente o mesmo esquema: o rosto dos fantasmas começa por ser lívido mas normal, de depressa ganha fundos círculos negros à volta dos olhos e da boca; tudo isto filmado em infravermelho. Por forte que fosse a imagem, dificilmente ela resistiria a tanta repetição. A única cena em que se consegue ainda um mínimo de intensidade é a da perseguição pelo corredor, toda ela bastante tensa e arrepiante. Todas as outras aparições são demasiado deja-vu para serem eficazes. Com o espaço do asilo psiquiátrico, passa-se o mesmo: uma vez mais, os personagens entram nele equipados para filmar mas o espaço desdobra-se e multiplica-se, impossibilitando a saída. Neste filme, contudo, dois dos personagens conseguem fugir e recolher ao hotel onde estavam hospedados, apenas para, ao descerem do elevador, se encontrarem novamente dentro do asilo.
O que parece acontecer, em ambos os exemplos, é que 'Grave Encounters 2' se limita a refazer tudo o que 'Grave Encounters' fizera já, apenas levando tudo a um outro extremo. De propriamente inédito, quase nada encontramos nesta sequela.
A primeira coisa que acontece neste filme é que se reconhece que o primeiro fora, na verdade, um filme. Vemos reacções do público, opiniões de bloggers e vloggers, entrevistas, etc. Entre tudo isto, Alex (Richard Harmon), um estudante de cinema, está convencido de que as filmagens de 'Grave Encounters' são verdadeiras e que haviam sido editadas como filme de ficção, não o sendo. Quando, na internet, fala das suas intenções de investigar a veracidade do filme, recebe uma mensagem assinada DeathAwaits666 (Relembre-se que na porta do asilo havia um graffiti em que se lia 'Death awaits'.) que lhe confirma as suas suspeitas e acaba por encaminhá-lo para a mãe de Sean Rogerson, o protagonista do primeiro filme. Depois de falar com ela, e também com o produtor do filme, Alex acaba por rumar ao Canadá acompanhado de Jennifer (Leanne Lapp), Trevor (Dylan Playfair) e Jared (Howie Lai), para visitar o asilo onde 'Grave Encounters' fora filmado. Uma vez lá dentro, a equipa vem preparada para rodar o seu documentário, e prevenida quanto aos perigos do espaço (Por exemplo, trazem sticks luminosos para marcar o caminho que percorrem, de maneira a não se perderem.) e, inicialmente, encontram pouco mais que indícios circunstanciais de que efectivamente tivesse ocorrido ali algo de estranho. Mas cedo começam as assombrações, a certeza de que, apesar de todos os cuidados, estão perdidos dentro do asilo, os desaparecimentos, etc.  Pelo caminho, há o encontro com DeathAwaits666, que acaba por ser através de jogo de ouija. A entidade exige-lhes que filmem tudo o que se passar. Tudo culmina no encontro com Sean Rogerson que, afinal, vivera naquele asilo durante nove anos e que percebera qual a forma de sair. 
Para já nem falar de como é idiota que fantasmas utilizem serviços de internet, ou de como é excessiva a cena com o ouija, refira-se que Rogerson é uma das coisas que mais prejudica 'Grave Encounters 2'. Não que a sua prestação seja má, mas a forma como o caracterizam é previsível ao ponto do ridículo, chega a parecer em certos momentos uma caricatura dos Flinstones.


A cena da fuga para o hotel de Alex e Jennifer para o hotel, que acaba por fazê-los regressar ao asilo quando saem do elevador, é uma das mais bem conseguidas do filme, bem como a cena em que as portas de um corredor explodem uma por uma, ou ainda o encontro com o psiquiatra e as suas enfermeiras. Estas cenas, de facto, destacam-se, mas a verdade é que todo o misticismo barato que define a saída real do asilo acaba por transformar esse momento em mais uma anedota muito pouco conveniente a um filme de tantas fragilidades. E o desenlace, em si, também não oferece nada de entusiasmante. Pelo contrário, é aquele que antecipamos desde a recta final da estadia no asilo.
Já recentemente aqui tinha falado de 'Grave Encounters' e de como, ainda que se tratasse de um bom filme de horror, ele apresentava algumas difíceis fragilidades. E o facto dos Vicious Brothers terem escrito esta sequela da forma que escreveram, mostra que não só eles não souberam lidar com essas fragilidades, como também não souberam lidar com o que o seu filme tinha de bom. Assim, escreveram uma sequela que não só amplia as falhas do primeiro como extenua completamente as qualidades do original, ao repeti-las. Ainda que o filme não nos enfastie, quase tudo aquilo que nos apresenta roça o esforço inglório que nos deixa com a impressão de que, se este filme não se tivesse feito, não se teria perdido nada de mais.

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