terça-feira, 29 de dezembro de 2009

No barroco as freiras a escrever até pontuavam... (3)



É ciúmes a Cidra.
E indo a dizer ciúmes disse Hidra,
Que o ciúme é serpente,
Que espedaça seu louco padecente,
Dá-lhe um cento de amor o apelido,
Que o ciúme é amor, mas mal sofrido,
Vê-se cheia de espinhos e amarela,
Que picos e desvelos vão por ela,
Já do forno no lume,
Sidrach foi zelo, se não foi ciúme,
Troquem, pois, os amantes, e haja poucos,
Pelo zelo de Deus, ciúmes loucos!

Soror Maria do Céu
Enganos do Bosque, Desenganos do Rio em Que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada
Lisboa, 1736
imagem: Robert Mapplethorpe

Depois da letra, o vídeo. Com música e tudo

Maria Rita: Conta Outra

Um Fado



Quem viu barcos
ir ao fundo
tem nos olhos a certeza
aposta firme na boca
rude descrença na reza

Quem viu barcos trazer escravos
munições e artifícios
figueira brava na costa
açoite preso no riso

Quem viu barcos
magoá-lo,
ferros, lavas e palmeiras
descrê santos e novenas
nega laços, destrói cercos,
toma ventos por lareiras.




Fátima Maldonado
A Urna no Deserto
1989- frenesi
imaegem: Nan Goldin

porque a música é um luxo



Sade: "Lovers Live"- Cherish The Day, Smooth Operator e Like Paradise

os vídeos de abnormally attracted to sin

give


strong black vine


that guy

mary jane


police me


starling


fast horse

perante uma música assim, quase se admite a hipótese de deus

"I´ve Got To See You Again" da adorável Norah Jones. E do longínquo "Come Away With Me". Ao genial Jesse Harris devemos a letra e a música, ambas impressionantes.

When Gone Is The Glory



When gone is the glory
When gone is the fame
When gone is the name
And your left with yourself

U look in the mirror
To search your face
To remember who you are
Who you ever were

When gone is the glory
When gone is the shine
Is gone the whole
Of your future and pride?

U look all around
In search for a friend
That no longer stands
Till the bitter end

When gone is the glory
When gone is the sun
When gone is the name
Then what have you won?

Heartache and pain
Of what could have been
Only you know the truth
Of what is within

When gone is the praise
When gone is the fun
Is gone the worth
Of what you´ve become?

When I am alone
At the end of this story
How does it feel
When gone is the glory?

Alicia Keys
letra s/ música, publicada no booklet de
"The Diary Of Alicia Keys" 2003

imagem: Rute Rosas- Faço de Conta Que És Tu

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

3 canções de Maria Rita



1. Santa Chuva


(ele)
Vai chover, de novo
Deu na tv
Que o povo ja se cansou
De tanto o cu desabar
E pede a um santo daqui
Que reza ajuda de Deus
Mas nada pode fazer,
Se a chuva quer trazer
Você pra mim
Vem ca que ta me dando
Uma vontade de chorar
Não faz assim
Não vá pra lá
Meu coracao vai se entregar
À tempestade...


(ela)
Quem você pra me chamar aqui
Se nada aconteceu?
Me diz:
Foi só amor ?
Ou medo de ficar
Sozinho outra vez ?
Cadê aquela outra mulher ?
Você me parecia tão bem
A chuva já passou por aqui
Eu mesma que cuidei de secar
Quem foi que te ensinou a rezar ?
Que santo vai brigar por você ?
Que povo aprova o que você fez ?
Devolve aquela minha tv
Que eu vou de vez
Não há porque chorar
Por um amor que já morreu
Deixa pra lá
Eu vou... adeus
Meu coração ja se cansou de falsidade.


(Marcelo Camelo)







2. Não Vale a Pena



Ficou difícil
Tudo aquilo, nada disso
Sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar pra ver o invisível
E depois enxergar

Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno

Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente, cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixada

Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer
Que é uma pena
Mas você não vale a pena...





(Jean Garfunkel/ Paul Garfunkel)





3. Conta Outra

Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
(E) Corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz


Você jurou prá mim
Que foi doença
Que te impediu de vir
Me encontrar
O mundo é bem menor
Do que cê pensa
E ontem já vieram me falar...
..Que você tava lá
No baile da comunidade
Bebendo e se acabando
De dançar
Mas eu não caio do salto,
Não grito, não falto
Com a minha verdade
Sinceridade!
Sai que a fila tem que andar


Sinceridade!
Sai que a fila tem que andar...
Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
E corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz...


Depois de te deixar
Na geladeira
Eu resolvi te dar
Colher de chá
É dura a tua cara de madeira
Tão dura que bastou
Eu me virar
E você tava lá...
..Jogando todo o teu feitiço
Prá cima da mulherada
Lá do bar
Mas eu não caio do salto,
Não grito, não falto
Com a minha verdade
Sinceridade! Sai que a fila
Tem que andar
Sinceridade! Sai que a fila
Tem que andar...
Conta outra
Nessa eu não caio mais
Já foi-se o tempo
Em que eu pensei
Que você era um bom rapaz
E corta essa
De querer me impressionar
Coisa boa é Deus quem dá
Besteira é a gente que faz

As "Barcas Novas" de Fiama



O livro “Barcas Novas” de Fiama Hasse Pais Brandão (Editora Ulisseia, 1967) é um curioso livro cuja temática incide sobre episódios bem conhecidos da nossa história, não para constituir mais uma perspectiva sobre os mesmos mas para problematizar a história moderna e nessa conjectura é um livro engagé aparecendo como alternativa ao que então faziam os poetas que se reivindicavam do movimento neo-realista (ou cujas opções estéticas se enquadravam no neo-realismo; ou se não era uma alternativa, apontava pelo menos uma saída possível para alguns dos impasses com que se debatia o movimento.
O livro passa em revista o início da nossa arte de navegar a partir de um conhecido poema de Joam Zorro, poema que dá o nome ao livro, mas também à batalha de Aljubarrota, o drama de Alcácer-Quibir, a memória dos nossos mortos, o assassinato de Inês de Castro, o cerco de Lisboa.
São alusões a episódios que marcaram de algum modo o nosso viver colectivo e que servem de contraponto aos desastres que uma política suicida nos havia de conduzir nos anos 60 com o envio de milhares de soldados para a guerra colonial (em termos literários, Fiama usa-os para reflectir o momento presente; de algum modo, poder-se-á dizer que os poemas que constituem este livro funcionam, na sua globalidade, como uma metonímia).
O poema de Joam Zorro é feito, como era comum ao tempo, na base de tercetos com repetição do 3º verso de cada estrofe e era endereçado à mia Senhor velida; o poema de Fiama utiliza um ritmo ainda mais simples na base de dípticos com uso da anáfora e da rima toante e dirige-se ao leitor e não já a uma criatura especial (é um convite à reflexão; tem, portanto, funções didácticas).


[...]


Lisboa, mar e barcas aparecem nos dois poemas como pano de fundo que é comum às duas situações: a partida das primeiras naus (séc. XII-XIII) e a partida dos militares para as colónias (1960-1974).
Mas, ainda a nível de substantivos, aparecem no poema de Fiama outros vocábulos: armas, homens, guerra e terra, necessários para caracterizar uma situação que é completamente diferente daquela a que alude Zorro e até contraditória. Em Zorro fala-se de um início e em Fiama de um final (ou, pelo menos, do início de um final).





Luís Serrano (a crítica completa pode ser lida aqui.)

As 7 Artes de Bruno Aleixo e do Busto

música:

dança:

pintura:

escultura:

teatro:

literatura:

cinema:

Bruno Aleixo FM (5)

nesta edição, Bruno decide comentar em vez de uma notícia um boato. Sobre cadeiras de bebé e multas de trânsito.



Bruno Aleixo FM (4)

O livro de fórmulas para o sucesso de João Garcia e Rui Nabeiro é pretexto para discussões sobre ética de trabalho



Bruno Aleixo FM (3)

sugestões de fim-de-semana que vão da paella ao Dossier Pelicano



Bruno Aleixo FM (2)

Mário Jardel participará ou não numa série rodada em Coimbra? E o filme posterior, em que sessão de cinema será? Todas estas e outras perguntas na segunda edição do Aleixo FM, com Nelson como convidado.



Bruno Aleixo FM (1)

a notícia de que Daniel Radcliffe poderá ter fumado droga numa festa origina discussões que vão do cinema à literatura e terminam na política, na ética e na medicina. O convidado é o Renato.



o caixão

fica explicada a fuga de Bruno Aleixo para o Brasil, após ter forjado a própria morte. O Homem do Bussaco e o dr. Ribeiro ajudam no esquema.

o ébrio

um familiar do Homem do Bussaco é psicanalisado pelo seu problema de alcoolismo. Uma história no mínimo tocante...

Histórias Vindas do Bussaco (4)

enfardar

Histórias Vindas do Bussaco (3)

achinfrinar

Histórias Vindas do Bussaco (2)

endrominar

Histórias Vindas do Bussaco

catrapiscar

Os Novos Conselhos de Bruno Aleixo... desta vez com amigos

carlos

Os Novos Conselhos de Bruno Aleixo... desta vez com amigos

José Policarpo

domingo, 27 de dezembro de 2009

um poema



Afinal desisto da carta, pensei, absorta num lençol de água- círculo quase fechado sem querer saber dos outros, lembrando apenas, respirando a vida possível. O sol?
Escolho os recantos da sombra, os rios.
Se me volto para o exterior perco o fio de mim, das crianças ainda palpitantes de imaginação, olhares claros na densidade das salas.
Vigiam-me, passeiam-se pelo granito arrastando os sapatos e os sonhos em carrinhos de papel fantasiado. Param a olhar os dedos, o redondo das pequenas unhas. Apalpam-se. Fumam cigarros à sua medida e pensam como será quando forem grandes. Reúnem-se nas retretes e choram ao lembrar a infância de que já não têm memória, tal foi o afogueamento, o frenesim, a pressa de crescer, fazerem vida. Então choram e abraçam-se num local escondido, demasiado íntimo talvez.
Que fizeram dos caramelos, das moedas e das outras mãos a que se davam, não sabem. Os caminhos das silvas estão agora obstruídos. Répteis mijam nas amoras, empestam os silvados onde rosas demasiadas crescem violentamente durante a primavera.





Isabel de Sá
O Festim das Serpentes Novas
1982- Brasília editora
imagem: Graça Martins

uma frase

Quase não me apercebo do silêncio por existir tanto ruído em mim, passos para onde e de quem, vozes chamado que pessoa e sobretudo o mecanismo da minha vida que não pára de andar

António Lobo Antunes
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?

Escolho Branca Morte



Faço da infância vocação.
Dores lancinantes, pedidos urgentes
e a impossibilidade de exorcizar-me branca morte.
Exaustão, velhice, desencanto?
Por certo, uma mistura.
Sinto-me uma espécie de refugo, vivendo dos restos,
dos resíduos,
absolutamente só.
Numa primeira proximidade desta solidão,
dir-se-ia que obsessivamente só.
Nem os pensamentos me acompanham. Por enquanto,
ainda a dor impura de lembranças,
fragmentos que esboroam: restos de sol,
uma bóis enfiada em águas de Aljezur, toalhas
de praia, sardinhas, não importa: fragmentos
aflitivamente vivos que me fazem pensar: estou a
morrer, estou morto.
Ninguém acredita nesta morte nem eu mesmo a choro.
Mas é por estes indícios que sou conduzido
ao seu cadáver- uma estrada, algures, a caminho
de Estarreja e às escuras,
antes das louças da Vista Alegre- memórias
minúsculas e incomodatícias.
Não choro. Não conheço esse doce apaziguamento,
enjoo líquido da alma.
Vêm ainda silêncios não inteiramente pacientes
entrecortados destas fugidias e estéreis
recordações, dizer-me que tive vida, fui vivo,
um dia comi queijadas em Sintra.
Nisso se resume uma vida. A minha vida.
Também não escrevo. Algo se quebrou dentro de mim,
não sei se definitivamente, é bem possível,
e esta clausura mortífera e mortal
é também, ironicamente o reconheço, económica.
Não se gastam solas nem saliva,
nem se anda por uma Lisboa intolerável e festiva.
Não és tu quem me faz falta,
tu fazes parte da falta. Sou eu que me falto.
Esforço-me por aproximar-me e não encontro nada.
Nem o vazio que dá acesso ao abismo.
Não é agradável, mas sair e ir ao cinema
também não é agradável para quem está em falta.
Falto-me. Depois vem a dor física e a outra...
e penso: "tenho que deslocar o centro de gravidade
de tudo isto", mas não sei o que é isto.
Desejo o negativo- profanação da ordem que equilibra a
revolta, o vigor do vivo, mas "Uma vida de desejo
só é possível se a falta que é a sua chave
aparecer como pedra angular".
Não tenho apoio. Não tenho onde apoiar-me.
Quando digo estou a morrer e falo de morte, ninguém
entende a morte. Esta morte.
Não é outra morte. É a minha morte.


Eduarda Chiote
Branca Morte
1994, edições &etc
imagem: Jorge Pinheiro

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

santa Maria, mãe desta voz...

"These Boots Are Made For Walking", participação da grande Maria de Medeiros no álbum "Femina" do Legendary Tigerman

sarah mclachlan: wait


You know if I leave you now

it doesn't mean that I love you any less

it's just the state I'm in

I can't be good to anyone else like this

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

um poema que fala de coisas... assim muito íntimas... um poema que eu gostava de ter escrito



Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique
–as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes
Gótica- 2001
imagem: Izima Kaoru

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tatuagem




Ossifico a dor
o dia

Tatuagem
de tatuar o espaço
livre

onde a queda
a neve
ou o meio-dia
multiplica

a multiplicação
do sangue
um sulco claríssimo

um regresso de
células nas veias
qualquer coisa
de vário
ou de estanho

a moleza branca
de um calor
rosado

Tatuagem feita
vezes quatro

actividade espessa
de chuva sem
passagem

olhos animais de cornos
azuis

e perfilados
com lágrimas por dentro
ou neve ossificada

Tatuagem
tatuo no ventre um filho
Mãe depois e nunca
verificada

Mãe de ovários
duros
e peitos de madrugada
com um amante
por noite

um animal

uma harpa

Ou qualquer coisa
de bom
de esquecimento
de sono

o para sempre estar deitada
as pernas
sementes várias

o para sempre estar escolhida
entre mulheres
sem imagem

Tatuagem
violada
que se traz sob um dos
braços

uma agudeza
de água
epiderme rouca e parca

Partida
sem ser viagem

ou despedida
ou embarque

Tatuar
de tatuagem

sede de queda
oxidada


Maria Teresa Horta
Cidadelas Submersas
1961- colecção Pedras Brancas
imagem: Matthew Barney

um soneto



Ai daquele que um dia se abalance
A procurar na vida uma alma pura!
Bem depressa verá quão pouco dura
Essa ilusão, de a sonhar não canse.

Era feliz, mas em funéreo transe
A luz se me desfez em sombra escura,
Ai de mim, era um sonho de loucura,
Um castelo no ar, o meu romance.

Desfeito o sonho que em minh´alma tinha
Dos lábios afastei a armarga esponja
E menti-te em meus versos linha a linha:

Chamei-te anjo com asas, por lisonja!
Ofélia com bom-senso e burguesinha

Contrata um bacharel ou faz-te monja!

João Penha
Novas Rimas
1905- edições França Amado
imagem: João Figueiredo


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

um poema



Distingo que no corpo do teu corpo há a pérola
do século dezassete que contemplo entre os dentes
dos corpos móveis das visões. Aquilo que no serão brilha
entre sombras mantidas.

Eles cintilam por estarem a ser objectos perante o sujeito,
há um vórtice na garganta. Sorves a água, quem beber
sacia-se, dizia-me o emissário, pois apenas sou ouvinte.





Fiama Hasse Pais Brandão
Homenagemàliteratura
1976- edições limiar

imagem: Gustav Klimt

Considerações sobre Crítica de Arte

Quem tiver um conhecimento da História da Arte sabe que as coisas inicialmente se definiam por séculos: o Renascimento, o Barroco… etc. Depois começaram-se a definir por décadas. Os dias têm na mesma 24 horas, mas o tempo é “mais rápido”. Mas depois do modernismo, as pessoas dentro de uma vida, passavam por vários movimentos. Podiam ser dadaístas, depois passar pelo cubismo, pelo abstracto… por aí.
Depois deixou de falar-se destas questões e apareceram expressões como “um artista da instalação”. Ora, o artista já não era “ele”, passou a ter uma especificidade técnica, um trabalho ligado à performance, à body art, ao site specific…
Depois começou a ser os gays, as lésbicas, as feministas… (Só não vieram os machistas, porque esses eram todos os que já existiam…). Depois começa a ser os gays que fazem isto, os gays que fazem aquilo, as lésbicas que são feministas, as que não são… Tudo assim, cada vez mais emaranhado. Os que são separados, os que têm três filhos, os que cozinham…
Ou seja, não se analisa, conta-se a história da pessoa.
O que é que isto faz? Dá muito menos trabalho.
E quando essa fórmula não resulta, arranjam o neo. É tudo neo, neo, neo, neo qualquer coisa.
(…)
Em 1997 ou 98, o Óscar Faria perguntou-me se eu achava que era neo-pop. E eu respondi-lhe que preferia neo-blank.

RUTE ROSAS
Numa entrevista concedida a mim, ao Vasco Barbedo e à Ana Sofia Guimarães a 19 de Março de 2008

Primavera



O homem funerário tirou respeitosamente o boné preto
quando o morto entrou no cemitério
e do boné sairam dois coelhos brancos
um ramo de tulipas
três cravos amarelos
e um cavalo árabe das noites.
É Primavera disse o cavalo árabe das noites
e comeu as tulipas e os cravos
e assustou os dois coelhos brancos
É Primavera
e as pessoas começaram a morrer
porque gostam de flores e de sol
e de música lenta





Y. K. Centeno
O Barco na Cidade
guimarães- col. poesia e verdade, 1965
imagem: Paul Klee

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

No barroco, as freiras a escrever até pontuavam...2



Cobridme de flores
Que muero de amores.

Porque me mi aliento el ayre
No lleve el olor sublime,
Cobridme.

Sea porque tudo es uno,
Alientos de amores e olores,
De flores

De azucenas y jasmines
Aqui la mortaja espero,
Que muero.

Si me perguntais de que
Respondo em dulces rigores:
De amores.



Soror Maria do Céu
Enganos no Bosque, Desenganos no Rio, Em que a Alma Entra Perdida e Sai Desenganada
Lisboa, 1736
imagem: Graça Martins

78.

Essa mistura néscia e branca, a reiteração infantil da íris ocupada de alguém, outra íris, a cegueira solar, glóbulo invicto, ou abraço.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978- moraes

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Mariah Carey- Sweeatheart

Visual dos anos noventa inciais àparte, há coisas aqui que ainda não consigo explicar.

No Guggenheim, cenário a puxar para o foleiro (Como só o Frank Gerry conseguiria produzir.), mas carros algures, no mesmo espaço onde a Mariahzinha está deitada a exibir as pernas que o criador lhe deu. Aqueles movimentos que devem ser a versão dela de dançar também são estranhos e não acompanham o ritmo da canção. Mas o mais inexplicável é aquele gato persa branco. Será ele o sweetheart de que ela fala? A verdade é uma: a cena é estranha. E, se um dia pudesse fazer uma pergunta a miss Carey, seria sinceramente o que faz aquele gato ali.

Nem percebo por que nunca lhe pergutaram...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Rhianna- Russian Roulette

Quando José Saramago disse que a bíblia era um manual de maus costumes e um catálogo de crueldade, este vídeo ainda não tinha saído. Porque a bíblia é inofensiva comparada com este vídeo. E é um ateu/ anti-religioso que está a dizer isto...

Jogar à roleta russa a dois, com o namorado com quem não se anda muito feliz, parece-me o tipo de coisas que nem depois do dobro dos shots de absinto que costumo tomar eu faria.

No meio de tudo isto, as imagens disconexas da menina a revolver-se para longe e para perto do foco de luz parecem ficar explicadas pela tensão de a qualquer momento ser assassinada por uma bala que ela mesma dispare. O que aliás, contraria aquele mito urbano de que quando estamos prestes a morrer vemos a nossa vida inteira,

Claro que se fosse eu, estaria provavelmente a delirar com os cigarros e a coca-cola que nunca mais iria tomar. Mas, de novo, eu não entraria num jogo amoroso destes. Preferiria aquele em que quem perder se despe. Mas estou certo de que o Marquês de Sade gostaria mais da versão da Rhianna.

vídeos que me fazem rir (segunda leva): J.Lo- Love Don´t Cost a Thing

Ao que se percebe da conversa inicial, o namorado da minha querida Jennifer envia-lhe uma pulseira para se desculpar por não poder encontrar-se com ela... outra vez. A mulher comum faria das duas uma: ou, caso fosse mais materialista e vingativa, pegava em toda a tralha com que ele se desculpou ao longo da relação e ia-se embora ou, caso fosse e firme, deixaria a tralha toda e ia embora na mesma.

Indecisa, Jennifer decide-se por um meio-termo. Pega realmente nas tralhas dele, mas, ao sair de carro, vai-a atirando para a estrada. É aqui que bate o ponto: podia ter vendido, ou ter dado para a caridade... para quê, se se pode atirar pela janela do descapotável?

Mais ainda, onde pára a polícia de trânsito? Uma sujeita transtornada a atirar joalharia pela janela do carro pode causar acidentes...

Algo não bate certo. E não o facto de ela dizer "if I wanna floss I got my own", frase que, se imaginarmos exactamente como é dita, estraga um pouco a ideia de femme fatale da menina e que, se imaginarmos que ela diz que não precisa que seja ele a fazer-lho é pura e simplesmente vomitiva...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Nelly Furtado- Maneater

como os senhores do Blitz muito bem viram, foi num ápice que Nelly Furtado passou de boazinha a boazona. Mas, mais que isso, este vídeo, que lançou "Loose", mostra uma boa táctica de engate. Perder a trela do cão e correr atrás dele. Resultado, vai-se ter a uma cave cheia de gente que está a morrer por se roçar em tudo o que mexe. E tudo mexe. Devoradora de homens ou não, ela parece movimentar-se por ali, se bem que chega ao fim já no telhado e sozinha. Pois, pois... provoca provoca e quando é altura de avançar, descarta-se. Típico...

vídeos que me fazem rir (segunda leva): Leona Lewis- Bleeding Love

Já que uma Mariah Carey não chegava para me atormentar os pesadelos mais traumatizantes, aparece uma em segunda mão, que, tal como a primeira, sangra amor por todos os poros. E, como se o tom melodramático da canção não chegasse, o vídeo presenteia-nos com todo o tipo de imagens em que as brigas mortíferas entre enamorados nos levam às lágrimas, de tão colados ao cliché. Sem comentários

41.

Ah como todo o prazer mais vivo, o rutilante na memória, se ostenta do terror da morte, um desvio de olhos, prelúdio da ausência, do ser visto.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978- moraes

No barroco, as freiras a escrever até pontuavam...


Vida que não acaba de acabar-se,
Chegando já de vós a despedir-se,
Ou deixa, por sentida, de sentir-se,
Ou pode de imortal acreditar-se.

Vida que já não chega a terminar-se,
Pois chega já de vós a dividir-se,
Ou procura, vivendo, consumir-se,
Ou pretende, matando, eternizar-se.

O certo é, Senhor, que não fenece,
Antes no que padece se reporta,
Por que não se limite o que padece.

Mas viver entre lágrimas, que importa
Se vida que entre ausência permanece
É só viva ao pesar, ao gosto morta?

Soror Violante do Céu
Rimas Várias
(Rouen, 1646)
imagem: Graça Martins

um poema


Oh amor de todos os amores
ácido como um banho quente
longo como um naufrágio
doce como sumo de floresta.

Não se pode estar na poesia
como numa prisão
pobre contagem de cada dia
pelos dedos duma bela sem senão
e nenhuma parede onde riscar
o par do número par.

Nenhum espelho
nem a vontade de o quebrar.

Regina Guimarães
Algum(ns) Texto(s) Avesso(s) à Ideia de Obra
in Vozes e Olhares no Feminino, Afrontamento, 2001
imagem: Kazimir Malevich

164.

Extrema conveniência do poeta entre as árvores, essa ascensão lentíssima.

Maria Velho da Costa
Da Rosa Fixa
1978, moraes

domingo, 6 de dezembro de 2009

acabadinha de lançar


Brilho no Escuro, número 3, de inverno.
Poemas de Manuel de Freitas, João Borges, José Luís Peixoto, Nuno Brito, Ana Luísa Amaral e Isabel de Sá.
A capa e as ilustrações ficam a cargo de Graça Martins.
O lançamento, ontem, no Maus Hábitos, contou com apresentação de Isabel de Sá e leituras, brutais, de Isaque Ferreira e Ana Luísa Amaral.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

um poema



Quando eu vir vaguear por dentro da casa
o abeto que cresceu no bosque, hei-de
ajoelhar no soalho. Todas as coisas
comunicam entre si a totalidade das suas formas.
A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.

Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias,
as cadeias de ouro dos rins. Deixar
que as unhas longas da árvore passem
entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.

Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer,
vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa
atracção que a insónia desse vulto
há - de exercer sobre mim. Rodo
até à tontura da morte.
Torturo-me
até à alegria. Encontro na casa
o tema da despossuição e a agonia.

A pobreza antiga com que o corpo cai
para uma vala. Preso apenas às pérolas
que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar,
com os cânones clássicos, como se o poema
fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras
da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar
a sua configuração. Querem ser
reais, quando se aproximam.
Vai para diante da minha face, ao fundo.
Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel
enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão
arrasta a forma táctil até à passagem do poema.

Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.



Fiama Hasse Pais Brandão
Área Branca
1970- arcádia


imagem: Odilon Redon

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

indisponível em Portugal, mas acabado de saír

michelle branch- this way

de "everything comes and goes"