Mostrar mensagens com a etiqueta Nan Goldin. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Nan Goldin. Mostrar todas as mensagens

sábado, 23 de abril de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um poema


“Deita-te comigo nesta cama de pedra.”
Canta de novo esse convite, tantos anos passados,
de novo nas ruínas da rua do emprego
onde fiquei de te esperar.

Está deitado aqui o corpo que recorda, está deitado.
Os ornamentos de metal, a música portátil,
o tambor de uma criança na rua,
o risco amarelo da coberta.

O braço que descai debaixo do pescoço
o coração cujo ritmo decresce
os olhos em que dói a luz do candeeiro
os pés à procura da lã do cobertor
o esperma que seca sobre o peito
o sono entrecortado da respiração.

Trocas de luz errante, ervas sem nome
que me dizias serem feno grego, junça, melodia.

Joaquim Manuel Magalhães
Uma Luz com um Toldo Vermelho
1990, ed. Presença
fotografia de Nan Goldin

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Um Fado



Quem viu barcos
ir ao fundo
tem nos olhos a certeza
aposta firme na boca
rude descrença na reza

Quem viu barcos trazer escravos
munições e artifícios
figueira brava na costa
açoite preso no riso

Quem viu barcos
magoá-lo,
ferros, lavas e palmeiras
descrê santos e novenas
nega laços, destrói cercos,
toma ventos por lareiras.




Fátima Maldonado
A Urna no Deserto
1989- frenesi
imaegem: Nan Goldin

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

quando os nossos corpos se separaram





quando os nossos corpos se separaram olhámo-nos quase a desejar ser felizes.
vesti-me devagar, o corpo a ser ridículo. disse espero que encontres um homem
que te ame, e ambos baixámos o olhar por sabermos que esse homem não existe.
despedimo-nos. tu ficaste para sempre deitada na cama e nua, eu saí para sempre
na noite. olhamo-nos pela última vez e despedimo-nos sem sequer nos conhecermos.



José Luís Peixoto
A Criança em Ruínas
2000, quasi edições


imagem: Nan Goldin

quinta-feira, 11 de junho de 2009

hécuba


A viúva bebe do cipreste
e é na orla da espuma,
na maré negra celeste
a estrela que se arruma

Fosco abat-jour de enfados,
falhas de luz desafinada,
um relógio de estragados
ponteiros em debandada.

Um saco de mercearia
nervosa de asa sem par:
um só prato para o jantar,

Água de Agosto cortada,
cimo de escada ofegante
e um livro fora da estante


RUI LAGE
Antigo e Primeiro
2000- quasi edições

imagem: NAN GOLDIN