Documentário sobre a produção de «Medúlla», o álbum de 2004 de Björk. Mal recebido na altura, talvez agora possamos retomá-lo. Quase inteiramente vocal, «Medúlla» é um exercício magnífico de diálogo entre a identidade individual e a natureza, entre a civilização e as sobrevivências arcaicas.
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domingo, 12 de julho de 2015
terça-feira, 3 de março de 2015
Cinco novas bandas (parte 4)
Um
pensador desiludido e sem esperança como E.M. Cioran pôde
reconhecer com bastante acuidade que [n]ous devons la
quasi-totalité de nos découvertes à nos violences, à
l'exacerbation de notre déséquilibre*.
Ao reconhecer a violência como
móbil da actividade humana (e consequentemente, da actividade
criativa), Cioran atribui-lhe um valor edificante que, em muito, não
pode ser negado. Sem discórdia, não há evolução nem revolução.
O rock reconhece esta
violência. O que ele pressupõe é uma experiência profunda do
mundo, que é depois transformada em música. Por isso as grandes
canções rock se
fazem a partir da agressividade, da raiva, da violência, da
angústia, da luxúria: trata-se de reconhecer que vamos à
descoberta do mundo através de uma experiência aprofundada da nossa
violência.
As
páginas do ensaio Penser contre soi
podem constituir uma explicação bizarramente verosímil da
estrutura básica do rock
enquanto género. A expressão extrema pressupõe uma experiência
extrema do mundo, uma pesquisa por aquilo que de mais elementar e
incontrolável existe na natureza e na consciência humana. Ao ler
certas páginas mais angustiantemente realistas de Cioran, não é
difícil imaginá-lo a ouvir uma banda como as referidas acima.
Aliás, estando em causa essa experiência violenta e derradeira da
consciência, não seria estranho dizer que Cioran, bem como
Nietzsche, Sade, Kafka, Artaud, Lovecraft, Edvard Munch, Hans
Bellmer, Michelangelo ou Caravaggio, se vivessem nos dias de hoje e
fossem músicos, estariam provavelmente numa banda de rock.
Os seus inquéritos aos estados últimos da consciência deixam-nos
estranhamente próximos do trabalho dos melhores músicos rock.
Porque esse inquérito é o que o rock
tem de mais elementar, e é esse também o seu maior perigo.
Encontramos em Cioran: La formule de l'enfer? C'est dans
cette forme de révolte et de haine qu'il faut la chercher, dans le
supplice de l'orgueil renversé, dans cette sensation d'être une
térrible quantité
négligeable, dans les affres du «je», de ce «je» par quoi
commence notre fin**.
De
acordo com isto, o que fica claro é que não outra saída para a
experiência realista e profunda do mundo senão a própria
violência. Mas, nessa violência, esconde-se igualmente a nossa
aniquilação, a possibilidade de encontrar o inferno. O rock
reconhece sempre o risco da anulação do próprio «eu», que é o
perigo de ir longe demais no conhecimento do mundo e de si mesmo, e
de ser incapaz quer de regressar a um estado de inocência ignorante,
quer de sobreviver àquilo que encontrou.
Mas
nesse sentido, nenhum género tem uma valência tão filosófica e
antropológica quanto o monosprezado rock. Só ouvido «de fora»,
ou então pela estirpe exclusivíssima e mui cultivada dos nossos intelectuais da alta cultura (altíssima até!) o rock parecer um
género de 'gente a gritar com guitarras eléctricas estridentes
atrás'.
Perante
qualquer canção de uma das cinco bandas de que falei, corremos o risco
de ver ruir a barreira que nos separa da realidade e de perdermos a
ilusão de um mundo que é ainda capaz de se equilibrar. Há algo de
sagrado na ilusão que nos mantém sãos. Sãos, mesmo que iludidos:
este podia ser o lema da nossa hipermodernidade (como lhe chama Lipovetsky) .
Mas,
utilizando um verso de Coraline dos
Ash is a Robot, we are crashing waves on sacred ground. E
essa coragem não será necessariamente extensível a todos. Por
outro lado, assume Cioran, [s]euls nos séduisent les
espirits qui se sont détruits pour avoir voulu donner un sens à
leur vie***.
Porque só com esses aprendemos
a procurar (mesmo que não encontremos) uma saída, ou a tentar
diminuir a distância entre essa sagrada ilusão e a temível
realidade.
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*Cioran,
E.M. (1956). La tentation d'exister. Ed.
Gallimard, Paris, 2011. p.9
**Cioran,
E.M. (1956). op.cit. p.22
***Cioran,
E.M. (1956). op.cit. p.24
______________________________
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Cinco novas bandas (parte 3)
Um
dos subgéneros do rock, que sofre influências directas do
punk, do grunge e de algum metal, tem sido
particularmente prolífero nos últimos anos. O que este subgénero
parece compreender melhor é uma energia frenética associada à
revolta e à tristeza. É uma espécie de avesso da
realidade, uma versão interiorizada das situações mais penosas do
dia-a-dia, o lado da vontade, em oposição ao lado do comportamento
correcto. The greatest rock creations have come out of lust and
agression, diz-nos Camille Paglia*. Esta variante específica do rock
parece estar de acordo. Daí que seja ruidosa e alta, que assuma uma certa guturalidade e uma
visceralidade muito contrárias àquilo que seria socialmente
tolerável e aceitável. Esta é a música pré-civilizada, a expressão sorridente e trocista do que subsiste da natureza do ser humano, o pièce-de-resistence das ideias de Hobbes, Nietzsche, Freud e da própria Paglia sobre natureza e cultura. Nessa regressão, o que nos é
devolvido é mais real e mais palpável do que todas as concepções
sociais que nos possam ser incutidas. Aqui não há espaço para a
restrição e a imposição civilizacional. As bandas que fazem este
tipo de música dão-nos a besta humana libertada finalmente. A
energia fortíssima que atingem é, por isso, uma energia adversária,
combativa e revolucionária, sem a qual nenhuma sociedade deveria
existir.
É
esse o caso da banda belga The Black Box Revelation (BBR), originária
da cidade flamenga de Dilbeek. Desde 2007, a dupla formada por Jan
Paternoster (voz e guitarra) e Dries Van Dijk (bateria) lançou dois
EP, 'Introducing The Black Box Revelation' (2007) e 'Shiver of Joy'
(2011) e três álbuns, 'Set your head on fire' (2007), 'Silver
threats' (2010) e 'My perception' (2011).
Num
registo mais agressivo e descomplexado, com referências ao rock
psicadélico e ao blues, os BBR trazem qualquer coisa que por
vezes relembra vagamente a fase inicial dos Pearl Jam, mas absorve
também Jimi Hendrix, os White Stripes (também eles constituídos por
um vocalista/guitarrista e uma baterista), os Black Lab ou mesmo os
Pink Floyd ou ainda a rouquidão pesada de uma Janis Joplin. Este
tipo de mistura não é estranha àquilo que fazem, neste momento,
outras bandas, começando pelos Black Keys ou os We are the ocean.
Mas o que os BBR têm que parece não ser tão claro noutras bandas
(e particularmente nos sobrevalorizados Black Keys) é a capacidade
de recriar toda uma atmosfera em que a restrição e a rejeição
veemente dessa restrição soam de uma forma bastante intensa. Os BBR
têm pouco dos Nirvana, mas partilham com a banda de Kurt Cobain um
certo ambiente ao qual o ouvinte é remetido. Ouvindo as canções
ora enérgicas e explosivas (como I think I like you,
o magistral High on a wire, Cold cold hands, Set your head
on fire, Run wild ou Madhouse)
ora tensas e contemplativas (2 young boys, Sleep while
moving ou Never alone
always together) não é difícil
colocarmo-nos a nós mesmos numa pequena cidade-dormitório flamenga
à saída de Bruxelas, um lugar pequeno cuja potencial calma é
contrabalançada por um peso excessivo sobre a liberdade dos
indivíduos.
A música dos BBR parece emergir da necessidade de
expressão, da necessidade de movimento. Os solos de guitarra
eléctrica que pontuam grande parte das canções são como derivas,
agitações interiores que funcionam como um terramoto na quietude de
onde surgem, um teste aos limites da consciência. A alternância, em todos os álbuns, entre canções de
rock puro e duro e
outras mais melódicas e pausadas mantém presente uma dicotomia que
cria bissectrizes ou mesmo oposições: eu vs. o mundo;
explosividade vs. contenção; acção vs. meditação.
Há,
por isso, uma certa espessura, uma certa tridimensionalidade na
música dos BBR, que parece ser uma forma de sinceridade mais do que
uma premeditação. Nas letras, essa ideia confirma-se. Muitas delas
são marcadas por uma vontade de evasão sem destino (High
on a wire, Sleep while moving)
justificada por um ressentimento quanto ao lugar onde se existe
(Sealed with thorns, Shadowman, Our town has changed for
years) ou
por um romantismo que, sendo desencantado, não é inteiramente
derrotista (Love Kicks, I think I like you, Bitter).
Jan Paternoster, como autor de letras, várias vezes fica a dever
pouco a poetas contemporâneos: pelo contrário, as suas letras são
imaginosas sem esquecerem a escrita de canções clássicas para o
género.
Há
ainda que assinalar que, de álbum para álbum, os BBR têem-se
mostrado capazes de amadurecer e de equilibrar de uma forma mais
subtil e densa as duas linhas de força que se encontravam mais
polarizadas em 'Set your head on fire'. Por outro lado, o LP mais
recente, 'My perception' aposta também numa vertente um pouco mais
experimental, liga ao rock progressivo, o que é bastante claro no
som estranho de 2 young boys ou
na energia estranhamente sensual e sinistra de Skin.
A
banda portuguesa Ash is a Robot (AIAR) recebe algumas influências
que podemos também ligar ao punk
e ao metal. Reviver
estas tendências, como aprendemos com os Green Day, é
uma ideia que fica gasta rapidamente. No caso dos AIAR, no entanto, a
fusão entre o punk
(ou pós-punk) de
bandas como os Mars Volta, os Led Zeppelin, os Sonich Youth ou os Big
Black, e o rock
musculado dos Nine Inch Nails (sem a electrónica), dos Mastodon, de
Marilyn Manson ou dos Tool, é tão extrema que se torna
fantasmática. Há qualquer coisa muito reconhecível, muito
familiar, na música dos AIAR, ao mesmo tempo que se torna
extremamente difícil explicitamente saber de onde vem essa
familiaridade, porque o som desta banda soa verdadeiramente puro e,
paradoxalmente, novo.
Originária
de Setúbal, a banda formada por Cláudio Aníbal (voz), Francisco
Caetano (voz e guitarra), Renato Sousa (voz e guitarra), Bernardo
Pereira (baixo) e Gonçalo Santos (bateria) editou nos últimos dois
anos vários singles
que por fim convergiram no álbum 'Ash is a robot' (2013).
Aquilo
que ouvimos nos AIAR é menos atmosférico e mais intimista. O
recurso ao metal
traz consigo os resíduos de uma espécie de força natural demoníaca (que encontra na voz de Cláudio Aníbal uma expressão
bastante perfeita) que é contraposta não pela complexidade barroca
do gothic ou mesmo do
black metal, mas antes
por uma sonoridade mais suja que parece mais improvisada e mais
linear. Sendo uma banda em que encontramos uma certa maturidade
(relembre-se que quase todos os elementos da banda passaram por
outros projectos previamente), o formato que por vezes nos remete
para o rock de garagem
não deixa de soar como uma auto-interpretação bastante irónica.
Se
Coraline ou Karma
never sleeps se fazem valer de
um esquema aparentemente arbitrário entre a raiva e a meditação em
voz alta, Philophobia (nas
suas duas partes) ou Ariadne são
exemplos de canções que alternam entre uma explosividade sólida e
uma guturalidade torturada, como se Cthulhu tivesse conhecido a linguagem.
Disse
acima que a música dos AIAR é menos atmosférica do que intimista,
mas ela pressupõe, como não poderia deixar de ser, um determinado
ambiente, que é, na música, mais sugerido do que declarado (apesar
de ser confirmado pelas letras, particularmente a de Karma
never sleeps). Numa expressão
tão descontrolada, é impossível não imaginarmos uma espécie de
raiva a partir da qual floresce a raiva que caracteriza a
música. Essa atmosfera é possivelmente muito própria das cidades
próximas de grandes centros urbanos ou mesmo de capitais. Em
Portugal, Lisboa nunca foi capaz de criar uma banda rock
verdadeiramente densa. O facto dos AIAR virem de Setúbal, cidade de
uma personalidade muito marcada, associada a todo um contexto
político, laboral e social de resistência muito stand
your ground, talvez explique um
pouco aquilo que ouvimos na música da banda. As próprias letras não
passam ao lado de uma consciência politizada (mais do que
declaradamente política), que é notória em Something
something dark side ou em Karma
never sleeps, e de uma
insubmissão que é a única saída lógica para a própria estrutura
das canções e do esquema instrumental, todo ele desmedido e
fugidio.
(Parte 4: ler aqui)
(Parte 4: ler aqui)
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segunda-feira, 2 de março de 2015
Cinco novas bandas (Parte 2)
(Parte 1: ler aqui)
O
percurso dos Anathema tem sido de alguma forma discreto no contexto do
rock dos últimos anos, mas o seu estatuto de banda de
culto dever-se-à, entre outros aspectos, ao facto de terem
atravessado de forma exemplar uma espécie de progresso que outras
bandas não tiveram a capacidade de fazer. Dificilmente com
'Serenades', o primeiro EP da banda, lançado em 1993, se poderia
prever que os Anathema estariam, dez anos depois, a gravar um álbum
como 'A Natural Disaster'. O início da banda dos irmãos Cavanagh
está no doom-metal, ainda com Darren White como vocalista. Quando
este abandona o projecto, os Anathema desviam-se cada vez mais no
sentido de um rock progressivo que se vai tornando mais polido e
complexo, definido por mutações constantes que, conquanto sejam por
vezes arriscadas (e o mais recente 'Distant Satellites' é prova
disso), também têm afirmado a banda como um projecto
verdadeiramente amplo e variado. Os Anathema parecem ter-se deparado
com a adversidade de começar a trabalhar a partir de um extremo. A
transfiguração parece ter sido a saída mais inteligente para a
banda.
Os
Anathema podem não ser a banda mais comum de referir para músicos
que fazem percursos de alguma forma semelhantes (os Opeth seriam uma
referência mais usual), mas, perante precisamente alguns projectos
mais recentes, percebemos que os Anathema permitiram a uma série de
músicos uma aprendizagem sobre como resolver criativamente o
problema de se ficar preso num extremo do espectro musical e
emocional.
É
de certa forma o caso dos finlandeses The Chant. O colectivo formado
por Ilpo Paasela (voz), Jussi Hämäläinen (voz, guitarra), Mari
Jämbäck (piano e teclados), Kimmo Tukiainen (guitarra), Markus
Forsström (baixo), Roope Siven (bateria) e Pekka Loponen (voz,
guitarra) lançou em 2008 o primeiro EP, 'Ghostlines' e, desde então,
três álbuns: 'This is the world we know' (2010), 'A Healing place'
(2012) e 'New Haven' (2014).
É
verdade que no EP ouvimos pouco mais que uma banda a
experimentar(-se), mas nos dois anos que passaram até ao primeiro álbum, os The Chant parecem ter encontrado um terreno
sólido para se expressarem. A capa de 'This is the world we know'
talvez explique exactamente aquilo que esse álbum parece
representar: um rapaz pendurado numa vedação olha fixamente para um
ponto que está fora do campo de visão. Esse encontrar de alguma
coisa definida é o que marca a diferença entre 'Ghostlines' e 'This
is the world we know'. A música dos The Chant, e particularmente nos
seus melhores momentos (Armoured man, November 1983, Will you
follow, Safe world, Reflected) tinha
uma solidez definitiva, havia nela algo de muito negro e muito
pesado, contraposto por uma espécie de aproximação de uma redenção
(dizia-se na letra de Will you follow: treasure is the
light bearer/ speaking without words to me,/ now is the moment for
courage) . Essa solidez não
passava ao lado de algumas lições tiradas de bandas como os A
Perfect Circle, os Katatonia e da fase 'Alternative 4' –
'Judgement' dos Anathema.
O
problema com 'This is the world we know' era no entanto o extremo a
que parecia ir, dentro daquilo que era o seu universo. O que era
angustiado e sem esperança no primeiro álbum teve então
necessidade de efectivamente dar esse passo em direcção à redenção
prometida. E é isso que marca o segundo álbum, 'A healing place'. O
título é, aliás, auto-explicativo. As canções eram, até certo
ponto, mais directas e mais intensas ao encarar uma espécie de mundo
doente (Outlines, Riverbed, The black corner),
mas que passava também por uma espécie de compreensão profunda
desse mesmo mundo. Adoecer e convalescer: eis o que acontecia do primeiro para o segundo álbum dos The Chant. A esperança vinha desse estado em que a doença ainda está presente mas prestes a desaparecer. As composições melódicas e meditativas, que
desenvolviam aquilo que no primeiro álbum era mais prototípico,
reforçavam precisamente essa ideia. 'A healing place' tinha mesmo
alguma coisa de terapêutico e de fascinante, mesmo quando soava mais
desesperante (o caso de Outlines
sendo o mais extremo de todos).
Com
o terceiro álbum, os The Chant parecem ter chegado à possibilidade
de sintetizar as duas vertentes que experimentara primeiro em
separado. 'New haven', lançado há pouco mais de um mês, é uma
espécie de fusão entre o rock pesado e cabisbaixo de 'This is the
world we know' e o lado mais experimental e intimista de 'A healing
place'. Mas 'New haven' é realmente qualquer coisa nova para os The
Chant. É uma conquista talvez daquilo que nos álbuns anteriores era
mais embrionário. A concentração num esquema instrumental mais
complexo e pausado, com canções longas e imprevisíveis, leva-os
num sentido mais sinfónico sem recurso a orquestra que as letras de
Ilpo Paasela e Maari Jämback integram de uma forma quase orgânica.
Mas mais do que nunca, 'New haven' situa os The Chant no campo do
atmospheric rock, com
bastante segurança (uma vez que facilmente neste subgénero
encontramos propostas que resvalam para o lamechas). O imaginário
que sugerem em canções como Drifter, Come to pass,
Cloud Symmetry ou
Earthen são
dificilmente imediatos, pelo contrário, apresentam uma estranheza
que nos exige tempo e um certo investimento emotivo para
verdadeiramente sermos capazes de os compreender. É também um conjunto de canções (particularmente Earthen, Playwright e Come to pass) um tanto cinematográficas. Há um ambiente muito nórdico e glacial que se cria nos longos solos sem voz. Quando a voz intervém, parece em diálogo consigo mesma. Pergunta-se, responde-se, engana-se e desengana-se. Discretamente, os The Chant criaram uma espécie de pequena tragédia íntima, um progresso pessoal num mundo desviado daquilo que dele se esperava.
Também
influenciados pelo metal
e por uma tendência para o atmospheric rock
são os belgas Steak Number Eight (SN8), banda originária de
Wevelgem, formada por Brent Vanneste (voz, guitarra), Joris Casier
(bateria), Jesse Surmont (baixo) e Cis Deman (guitarra), que lançou
já os álbuns 'When the candle dies out...' (2008), 'All is chaos'
(2011) e o mais recente 'The hutch' (2013).
Desde
o primeiro álbum, é notória a intenção de canalizar a
brutalidade e a atmosfera apocalíptica do black metal para
um registo que ficasse a meio caminho para o rock
industrial. As influências dos Mastodon, dos Cult of Luna, dos Dimmu
Borgir ou das primeiras experiências de Trent Reznor são assim
contrabalançadas por uma melancolia tensa que é herdada da fase de
transição dos Anathema ('The Silent Enigma' de 1995,
particularmente) ou ainda da influência mais estrutural dos Slayer
ou dos Iron Maiden.
No
essencial, no entanto, aquilo que os SN8 fazem está distanciado do
metal tanto quanto do
rock. Esse
meio-caminho é o que lhes permite a flexibilidade que caracteriza a
sua música: conquanto uniforme, ela oscila frequentemente entre a
atmosfera mais pesada e psicadélica e a deriva quase improvisada
mais sentimental e comovente. O trabalho dos SN8, e particularmente o
seu álbum inicial, dá ênfase efectiva à forma, por assim dizer:
as composições são de tal forma exacerbadas que têm qualquer
coisa de wagneriano, de profundamente trágico, que poderá passar
despercebido devido à tendência para o descontrolo e para a
brutalidade. Em canções como The holy truth, Falling out
of a dream ou no imponente The
sea is dying, esta dimensão
trágica e violenta é bastante notória, e ela representa, de resto,
aquilo que de melhor existe na música dos SN8.
No
entanto, a edição de 'All is chaos' parece ter sido um exercício
de radicalização por parte dos SN8. Aquilo que se encontrava
diluído e sintetizado em 'When the candle dies out...' surge aqui
nitidamente separado. As canções assumem praticamente todas um
cariz mais directo e contundente, baseado numa estrutura de
repetições e pausas que, apesar de representar uma regressão em
comparação ao álbum anterior, não deixa de proporcionar os seus
momentos intensos, como acontece com The calling, Blackfall
ou Man vs. Man. Ao
longo do álbum, no entanto, vão surgindo alguns momentos que,
dir-se-ia que intencionalmente, funcionam como interrupções,
canções como Trapped, Stargazing ou
Track into the sky,
que se distinguem claramente das outras por uma aproximação ao lado
mais directamente melódico e poético. O que parece acontecer entre
os dois álbuns é que, onde o primeiro era extremamente bem sucedido
ao diluir duas vertentes quase diametralmente opostas na mesma
canção, o segundo se esforça por separar essas vertentes,
assumindo-as com morfologias diferentes e com um desequilíbrio
propositado: os momentos mais contemplativos acabam sempre por, a
dado momento, resvalar para o lado mais violento e apocalíptico.
Ainda que 'All is chaos' esteja longe de soar como um projecto
falhado (contém, é preciso dizê-lo, algumas das melhores canções
que a banda já produziu), é também verdade que ele causa uma certa
estranheza ao recuar na síntese perfeita e estranha que 'When the
candle dies out...' representava.
Até
certo ponto, talvez a própria banda tenha tido consciência disso.
'The Hutch' é o seu trabalho mais complexo e mais conseguido até à
data. Há neste terceiro trabalho dos SN8 um lado experimental muito
acentuado, que passa também pela inclusão de uma electrónica
discreta, e ainda por uma completa liberdade a um nível estrutural.
As canções parecem, logo desde a primeira, Cryogenius, não
ser propriamente canções, mas peças, com variantes, pormenores e
afluentes, que transformam cada faixa num pequeno conjunto de
elementos que, somados, resultam numa estranheza muitíssimo
conseguida. É um regresso à síntese entre o lado mais barroco e
emocional e a componente metal mais
do que assumida. A matriz parece, paradoxalmente, vir dos Mastodon e
dos Katatonia, ou particularmente dos álbuns mais recentes dos
primeiros e dos mais antigos dos segundos. Mas o resultado é denso e
pessoal. Mais do que nunca, os SN8 parecem ter ganho uma identidade,
um caminho definido. A expressão da raiva e do descontrolo conhece com esta banda uma densidade convincente, que soa muitíssimo madura. Quem esperar uma raivinha adolescente, não vai encontrá-la aqui. Quem grita nestas canções parece ter acumulado durante anos a vontade de o fazer.
Uma
proposta também concentrada no potencial emotivo e melódico do rock
pesado surge-nos com os suíços Last Leaf Down (LLD). O colectivo
formado por Benjamin Schenk (voz e
guitarra), Danny Bruno Dorn (baixo), Sascha Jeger (guitarra) e Patrick Hof (bateria)
lançou, desde 2012 vários singles: 'Disengage' (2012), 'In dreams'
(2012), 'Truth is a liar' (2012), 'Fake lights in the sky' (2013) e
'The thought that I saw you' (2013). O álbum de estreia, 'Fake lights', lançado recentemente, reúne estas e outras canções.
De
todas as bandas que este texto refere, os LLD são a que menos
trabalho tem apresentado. No entanto, há uma solidez no trabalho que mostram até agora que faz prever um pouco mais do que uma
mera promessa. Dizer que, na sua fusão entre rock, metal e a
''escola'' britânica do shoegaze, os LLD são influenciados pelos My
Bloody Valentine, por algum do trabalho dos Cocteau Twins e por,
principalmente, os Anathema e os Katatonia, será dizer parte da
verdade. Conquanto estas influências sejam assumidas e
reconhecíveis, há na forma como os LLD interpretam estas
influências qualquer coisa que é diferente. Das suas influências,
os LLD aprenderam o poder da beleza, a forma de criar atmosferas, a
articulação entre o agressivo e o comovente. Mas há neles qualquer
coisa de glacial e de etéreo, de quase fantasioso. Mas é uma
fantasia até certo ponto distópica. Em todas as canções lançadas
desde 2012, há uma angústia densa, uma incursão quase
fenomenológica por reinos desencantados. Talvez essa ambiência
tenha que ver com o clima de um país do norte da Europa, como a
Suíça. Na música dos LLD parece haver neve, tudo nela recria um
ambiente solitário, isolado, parado mas profundamente vivo, no
sentido em que há uma tristeza vibrante que é sugerida por essas
sensações de distância em relação ao mundo.
Esta
energia contemplativa e depressiva faz-se sentir com especial
intensidade no mais recente The thought that I saw you, uma
invulgar canção de amor, cuja letra procura, nos elementos mortos e
frios da natureza, uma espécie de transcendência do fiasco amoroso.
Esta canção retoma aquilo que acontecia já no inicial Disengage,
uma canção um pouco mais
áspera, mas que era já eficaz, particularmente pela capacidade de
estruturar uma série de momentos díspares (solos de guitarra
eléctrica, por exemplo) numa mesma canção que, de uma forma um
tanto barroca, parecia ser a assimilação de várias canções.
Em
Born dead há
até uma certa influência da música medieval (não é difícil
recordar Hildegard Von Bingen, outra compositora vinda do frio), que
se coaduna de uma forma surpreendentemente perfeita com a atmosfera
da música dos LLD.
Outra
canção que importa referir é In dreams, eventualmente
aquela onde as referências da banda são mais audíveis, mas onde
surgem, igualmente, sintetizadas de uma forma mais conseguida. Aqui,
parece haver a presença fantasmática de uma sonoridade mais urbana,
mas mesmo essa não soa a mais do que uma reminiscência longínqua.
E
é isso que faz dos LLD, mesmo antes da publicação do álbum de
estreia, um projecto interessante. A sua música parece operar no
campo da imagem (e os videoclips simples e quase abstractos
remetem-nos para isso mesmo), como se o som tivesse um qualquer
poder cinestésico. É nesse sentido que toda a sua música chega a
parecer scy-fy, no
sentido em que nos coloca na própria aniquilação do mundo
construído, e nos conduz a uma espécie de tempo pós-futuro, em que
sobra apenas o vazio deixado pela civilização. A memória do mundo
construído assombra as composições, mas é sobre o vazio que ficou
que elas se debruçam de forma mais concreta. Assim, ficamos perante
uma emotividade desfeita, comovida e saudosa mas parca em esperança.
A sua beleza resulta de um olhar sobre a morte, o abandono e o
fiasco, mitificados e embelezados porque são tudo aquilo que sobrou. A música dos LLD é profundamente imaginativa. O que nela soa familiar parece uma reminiscência do futuro, mais do que uma memória nostálgica.
(Parte 3: ler aqui)
domingo, 1 de março de 2015
Cinco bandas novas (Parte 1)
Quem
olhar profundamente para dentro de si mesmo, trará de volta uma
canção que vai soar a qualquer coisa como rock.
Apesar
de votado a uma espécie de ignorância propositada por parte da ilustre elite dos auto-proclamados intelectuais, a um nível geral o rock
não é senão um dos herdeiros mais directos da música barroca. Na
sua estética repetitiva, exacerbada e do explosiva, a música
barroca tomava as emoções humanas e trabalhava sobre elas de uma
forma sufocante e carnal, erótica e violenta. Ao contrário da música romântica, exaltadora da beleza, a música barroca nem sempre é
bela, pode ser tortuosa e inusitada, chega nalguns casos a ser
aborrecida (por efeito de repetições e recomeços contínuos): mas
em tudo isto mantém uma extrema verosimilhança para com a
verdadeira natureza dos sentimentos e da vida. Como o rock, a música barroca é feita de vísceras e agonia.
A
influência da música barroca no metal está apesar de tudo
acertada: passa ao lado de muitos dos que ouvem, por efeito da forma
mais do que do conteúdo, mas está lá. Em muitos aspectos, se
resumirmos as características essenciais bandas de rock,
encontraremos muito da música barroca:
uma tensão pressentida entre o indivíduo e o mundo (que era
subreptícia na música barroca e é clara no rock), uma
sinceridade desarmante perante os sentimentos (que passava pela
música no século XVIII e que se estende muitas vezes à letra no
rock) e a busca declarada por aquilo que é dissonante,
estranho, perturbante. A sensibilidade barroca, como a do rock, é uma procura do extremo e do excesso, é uma expiação. A ideia de harmonia e regularidade que
caracterizava não só a música mas toda a Arte do primeiro
neoclássico foi abandonada pela emotividade efusiva dos compositores
barrocos. A estética do deslumbramento e da sedução que a
Contra-Reforma transmitiu às artes visuais e particularmente à
Arquitectura tiveram também reflexo na música. Tendo em conta os
valores antropocêntricos e racionais do Renascimento, a atitude barroca é paradoxal: conquanto articulada com o poder religioso,
representa uma ruptura cronológica, uma reacção às
características estruturantes do Renascimento.
Essa
insubmissão, essa busca do diferente e da individualidade, seria
retomada em força pelo Romântico em moldes diferentes, mais
preocupados com o que era belo e comovente (e deixando de lado a
agressividade e a aspereza que se faziam sentir nalgumas composições
barrocas). O rock sintentiza estas duas tendências de uma
mesma atitude. É romântico pela rebeldia, mas frenético como o Barroco.
Só
uma profunda incompreensão (ou, para dizer de uma forma mais clara:
uma atitude reacionária e um nadinha ignorante) mantém os ouvintes ''sérios'' e
''cultos'' longe do rock e das suas propostas.
Há,
para sermos breves, dois problemas essenciais quando falamos de como o
rock é apreciado. Um prende-se com a falta de um trabalho
crítico sério*:
conquanto isto garanta uma posição de certa forma marginal aos
músicos, também resulta numa profunda ignorância quanto ao género
ou à cultura. O outro é o da apreciação dos ouvintes, onde
convergem uma série de ideologias quanto à sociedade, aos sistemas
políticos e económicos e mesmo em relação à própria música e
ao cenário desconexo que parece ser o actual.
Ambos
os factores não deixam de parecer compreensíveis. A sinceridade e a
crueza que caracterizam o rock podem ser, até certo ponto,
incompatíveis com um estudo como o que
encontramos nas Ciências Humanas (e que contaminam de certa forma o
trabalho dos críticos culturais) pois não deixa de ser uma cultura
que só pode ser conhecida de dentro e que não pode ser
sujeita a determinadas metodologias, sob risco de se perder a ligação
com a realidade. Por outro lado, o rock traça a nossa ligação
com aquilo que de menos ''civilizado'' temos em nós. O rock,
com as suas guitarras eléctricas, com as suas vozes gritadas e a sua
sonoridade agressiva (mesmo que melancólica), com a sua
expressão descarnada e a sua paixão pelo ruidoso apresenta
algo que é diametralmente oposto ao que entendemos como pop.
Onde o pop é um glamour e um imaginário sedutor e
leve (mesmo nos seus momentos tristes), o rock apresenta-se
como uma espécie de glamour decadente, de energia invertida.
Onde o pop valoriza a celebração, o rock apresenta a
depressão e a violência. Onde o pop marca a luta do
indivíduo pela sua afirmação, o rock lamenta a
impossibilidade dessa afirmação. Onde o pop é cântico de
vitória, o rock é uma elegia da derrota**.
Ora, se sabemos que o pop é, por definição, aquele que move
milhões de ouvintes, será porque, à partida, esse modelo soa mais
aceitável à maioria. Posto isto, não é de todo incompreensível
que, quando uma banda vende mais, se torna ''comercial'', os ouvintes
originais se sintam defraudados: os músicos que admiravam parecem
defender posteriormente valores incompatíveis com os iniciais.
É
frequente que os ouvintes de rock se prendam aos grandes
clássicos. Esta é uma postura que devemos, no entanto, evitar. O
olhar profundo para o interior das coisas não deixa de pressupor uma
relação com tempo. Muitas das angústias pessoais que sentimos
nascem de uma cisão com aquilo que nos rodeia e que vai mudando de
acordo com o tempo em que estamos. Pode ser verdade que nunca mais se
fará um álbum como 'Ten' dos Pearl Jam. Mas também já não
estamos em 1991. E ainda que muitas das pesquisas estruturais
permaneçam as mesmas, é preciso saber continuar.
Aqui ficam alguns (breves) comentários sobre algumas bandas recentes, as seguintes:
Parte 2 (aqui)
The Chant (Finlândia)
Steak Number Eight (Bélgica)
Last Leaf Down (Suíça)
Parte 3 (aqui)
The Black Box Revelation (Bélgica)
Ash is a Robot (Portugal)
Parte 4 (aqui)
Aqui ficam alguns (breves) comentários sobre algumas bandas recentes, as seguintes:
Parte 2 (aqui)
The Chant (Finlândia)
Steak Number Eight (Bélgica)
Last Leaf Down (Suíça)
Parte 3 (aqui)
The Black Box Revelation (Bélgica)
Ash is a Robot (Portugal)
Parte 4 (aqui)
___________________________________
*Refiro-me a trabalho crítico
académico, ou mesmo a uma crítica mais ampla levada a cabo em
trâmites diferentes dos das revistas especializadas. Basta pensar
que nenhum crítico cultural de peso se debruçou com seriedade e
profundidade sobre o rock. O exemplo de Susan Sontag é
ilustrativo disto mesmo: a crítica que tornou possível falar de
cultura popular a par com cultura erudita podia ir a um concerto dos
Pearl Jam, mas não sentiria necessidade de escrever sobre eles (vd. https://www.youtube.com/watch?v=7GRx3KgKauY). Camille Paglia incluiu no seu ''Sex, art
and american culture'' (1991) um artigo sobre o rock como
arte, sério e interessante, mas que peca por ser breve.
** Assinale-se, para ambos os casos, que
existem excepções. O pop de Lana Del Rey é dificilmente uma
celebração e o rock de algumas bandas mais adolescentes
(rock ainda assim) como os Guano Apes ou os Korn
não passa necessariamente por um aprofundamento do que é triste ou
depressivo.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Anathema: Distant satellites
Do álbum 'Distant Satellites' (2014)
Letra de Daniel Cavanagh
(...)
And it makes me wanna cry
Caught you as I floated by
And it makes me wanna cry
We're just distant satellites
(...)
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sábado, 17 de janeiro de 2015
Sobre o vídeo de "Elastic heart"
Sia Furler, cujo percurso começa no final dos anos 90, e esteve ligada Zero7, só conheceu sucesso a sério depois de participar um tanto inesperadamente nalgumas canções de David Guetta. O álbum mais recente, "1000 forms of fear", longe de ser a sua melhor produção, é sem dúvida o mais badalado, com o primeiro single, Chandelier a tocar irritantemente em tudo o que é bar, café, loja, discoteca, etc.
Elastic Heart, o single mais recente, não é muito melhor, mas apresenta algo decurioso: o videoclip, à volta do qual se criou uma enorme polémica, com direito a acusações de incitamento à pedofilia, o que levou Sia a justificar-se e desculpar-se, o que me parece despropositado, pelo menos na segunda parte.
Não há nada de pedófilo no vídeo de Elastic Heart, realizado pela própria Sia e por Daniel Askill. Pelo contrário. Um acto de pedofilia pressupõe um mínimo de duas pessoas. E, na verdade, este vídeo tem factualmente dois corpos, mas apenas uma pessoa. Trata-se de uma das melhores peças recentes no campo do videoclip e a sua observação deve orientar-se, penso, pelo valor artístico e videográfico, e não pela paranóia excessiva dos nossos tempos tão pós-modernos, em que limpamos com lixívia pura qualquer indício de sexualidade, enquanto nos indignamos porque, durante séculos, a religião reprimiu o sexo. As contradições!
O vídeo de Elastic Heart só é erótico se o olharmos de forma muito desantenta. Pelo contrário, o impulso que anima este vídeo prende-se mais com a violência do que com o erotismo.
Maddie Ziegler e Shia LaBeouf interpretam, no fundo, a mesma personagem, vista apenas de pontos-de-vista diferentes, que não são apenas dois mas, quanto a mim, quatro.
A interpretação mais imediata do vídeo (excluindo a da pedofilia, que não tem sentido algum) é a de que LaBeouf nos apresenta o indivíduo adulto e civilizado, enquanto Ziegler é a criança, ainda livre, em estado quase selvagem. O espaço da gaiola, que se torna uma arena para o confronto entre estes dois lados de um mesmo ser humano, representaria, desse ponto de vista, a consciência do indivíduo ou, indo mais longe, o super-ego freudiano, a voz da punição que força o ego a obedecer a convenções, socializações e comportamentos normativos e que, principalmente, pune a fuga a estes. Vários momentos do vídeo sustentam esta ideia, inclusivamente a capacidade que Maddie Ziegler tem, mas Shia LaBeouf não, de passar entre as grades da gaiola e sair: só uma criança consegue atravessar as barreiras da estruturação imposta a um adulto, porque, nela, o super-ego não está formado, mas em formação. Assim, não é de admirar o contraste nas coreografias de Ryan Heffington. Enquanto a de Ziegler é animalesca e atacante, a dele é uma defesa contida e impotente apesar de pujante.
Mas o confronto pode ser outro. Representar apenas a luta entre a idade adulta e a infância de uma mesma pessoa seria até mais evidente se se procurasse uma semelhança entre os dois intérpretes, mas é exactamente isso que não acontece. O que abre espaço para uma tensão paralela: a do masculino e do feminino. A violência do confronto entre a infância e a idade adulta não é menor do que a violência que ocorre quando nos apercebemos de que a nossa energia sexual e mesmo a nossa os limites do nosso sexo/ género não são necessariamente unilaterais. O que este vídeo nos pode oferecer é um retrato da dificuldade de um homem em assumir o seu lado feminino. Isto torna-se mais pungente quando percebemos que, principalmente na figura de Shia LaBeouf, não há nenhum apontamento de androginia. O seu corpo definido, os pelos corporais, a barba, são emblemas de uma masculinidade que não é ameaçada pela existência de um lado feminino. Portanto, este não devia constituir um problema: mas constitui. Ao ponto de despertar nele a necessidade de reafirmação. Para isto, podemos atentar na sequência em que LaBeouf trepa pelas grades da gaiola e, pendurado no centro, ergue o seu próprio corpo como se fizesse musculação. A câmara muda de ponto de vista e mostra-nos que, abaixo dele, Ziegler dança como se fizesse ballet. Usando dois actos tradicionalmente conotados com o masculino e o feminino, o que Elastic Heart nos propõe é que qualquer insistência sobre um não anulará o outro: intensificá-lo-á. O espaço da gaiola recupera assim a ideia de um super-ego que não esquece as convenções: neste caso, as convenções que pesam sobre ser-se homem na sociedade, por exemplo. No entanto, o final do vídeo apresenta um certo sinal de esperança, quando ele a toma aos ombros e começa a caminhar com ela, mesmo que incapaz de sair dos limites da jaula: dos seus próprios limites, afinal.
Seja na oposição criança/adulto, seja na oposição masculino/feminino, o vídeo de Elastic Heart é uma peça de extrema sensibilidade e de uma beleza simples. Quando se desculpou pelo videoclip, Sia explicou que Shia LaBeouf e Maddie Ziegler lhe haviam parecido os dois actores apropriados para fazer este vídeo. Está correcta. De Ziegler, só conheço os vídeos de Sia, mas Shia LaBeouf, um actor estranhamente monosprezado, tem um particular à-vontade para lidar com a problematização do sexo: isso viu-se no vídeo de Fjögur Píanó dos Sigur Rós, mas mais ainda no prodigioso "Nymphomaniac" de Lars Von Trier. Porque LaBeouf já foi capaz de incorporar a androginia no primeiro e o pior drama sexual masculino (a incapacidade de satisfazer aquela/e que desejamos) no segundo, o actor parece ter uma compreensão fluida e plural da sexualidade, e só alguém assim poderia ter feito este vídeo. No resultado final, a tensão entre os dois corpos (e não duas personagens) é credível e intensa e, o que será mais interessante, consegue multiplicar os seus próprios significados e tornar Elastic Heart uma proposta complexa mas imediatamente cativante, como convém a um videoclip.
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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
A Perfect Circle: The hollow
Letra de Maynard James Keenan e Billy Howerdel
Do álbum "Mer de noms" (2000)
(...)
'Cause it's time to bring the fire down
Bridle all this indiscretion
Long enough to edify
And permanently fill this hollow
(...)
sábado, 10 de janeiro de 2015
Katatonia: Hypnone
Do álbum "Dead end kings" (2012)
Letra de Jonas Renkse
(...)
No need to take the test
Before the dark must shine
Reflect my eyes
And strip this creation of mine
Tomorrow is so long
The dead end king is here
Black wings upon his back
(...)
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Calvin Harris feat. Ellie Goulding: Outside
Do álbum "Motion" (2014)
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terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Klangkarussel feat. Tom Cane: Netzwerk (Falls like rain)
(...)
I look up to the sky above
Full of sweet release
From the dreams that I chase
Trying to find some space
In a world that I don't believe
I won't run when the storm clouds come
I won't turn away
'Cause if your eye's on the ground
When the night comes down
You only see the stars when they fall like rain
(...)
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sábado, 20 de setembro de 2014
''Anything could happen'': Ellie Goulding/ Floria Sigismondi
Um videoclip de Ellie Goulding, realizado por Floria Sigismondi, fotógrafa e artista plástica que admiro bastante. O feliz encontro entre estas duas mulheres dá origem a um vídeo em que convergem a mitologia clássica (Penélope e Ulisses) e o imaginário cristão (a figura de Goulding a lembrar uma santa).
O que admiro essencialmente no trabalho de Sigismondi, como fotógrafa e como realizadora de videoclips, é a sua capacidade de, atrás do que parecem meras imagens de inspiração surrealista e simbolista, convocar vários momentos da história cultural europeia, e de reintegrá-las no contexto actual, trabalhando igualmente com a ruptura e com a continuidade. Neste caso, Ulisses e Penélope transformam-se num casal urbano destroçado por um acidente de automóvel junto ao mar onde ela o espera. Por outro lado, Goulding aparece convertida numa andrajosa figura mítica, que não assenta sobre uma nuvem (como no imaginário comum católico), mas que é arrastada sobre o mar por essa nuvem.
A produção visual que acompanha o trabalho de Ellie Goulding já várias vezes invocou estéticas semelhantes, por exemplo no vídeo de Figure 8, realizado por W.I.Z., ou então no vídeo, já mais antigo, de Guns and horses, realizado por Petro.
O que admiro essencialmente no trabalho de Sigismondi, como fotógrafa e como realizadora de videoclips, é a sua capacidade de, atrás do que parecem meras imagens de inspiração surrealista e simbolista, convocar vários momentos da história cultural europeia, e de reintegrá-las no contexto actual, trabalhando igualmente com a ruptura e com a continuidade. Neste caso, Ulisses e Penélope transformam-se num casal urbano destroçado por um acidente de automóvel junto ao mar onde ela o espera. Por outro lado, Goulding aparece convertida numa andrajosa figura mítica, que não assenta sobre uma nuvem (como no imaginário comum católico), mas que é arrastada sobre o mar por essa nuvem.
A produção visual que acompanha o trabalho de Ellie Goulding já várias vezes invocou estéticas semelhantes, por exemplo no vídeo de Figure 8, realizado por W.I.Z., ou então no vídeo, já mais antigo, de Guns and horses, realizado por Petro.
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quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Ellie Goulding: Ritual
Da edição especial do álbum 'Halcyon' (2012)
Letra de Ellie Goulding / Stannard/ Howes
(...)
We move into the devil’s shoes
It’s far too late to be rescued
From highway seas and thunder skies
We see our fate, you hear our cries
They go, oh oh oh oh
And it won't stop here, echo in my ear
There's a raging fire, and it burns so near
But I'm ready now, but I’m ready now
It’s a ritual, and I know you feel it
It’s a ritual, and I know you see it
(...)
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sábado, 19 de julho de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
Ellie Goulding: Don't say a word
Do álbum 'Halcyon' (2012)
Escrito por Ellie Goulding e Jim Elliot
(...)
I'm more alive I've ever been
So now I give you all my sins
I've chosen you, I've chosen you
But don't say a word
(...)
segunda-feira, 24 de março de 2014
Lana del Rey: Cola
Do álbum ''Born to Die (The Paradise edition)'', 2013
Letra de Lana del Rey e Rick Nowels
My pussy tastes like Pepsi Cola
My eyes are wide like cherry pies
I got a taste for men who're older
It's always been, so it's no surprise
Harvey's in the sky with diamonds
And he's makin me crazy
(I come alive)
(...)
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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014
Mumford & sons: The Cave
Do álbum 'Sigh no More' (2008)
Letra de Marcus Mumford
(...)
So tie me to a post and block my ears
I can see widows and orphans through my tears
I know my call despite my faults
And despite my growing fears
But I will hold on hope
And I won't let you choke
On the noose around your neck
And I'll find strenght in pain
And I will change my ways
I'll know my name as it's called again
(...)
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terça-feira, 24 de dezembro de 2013
Fuck Christmas I Got the Blues
Letra de Paulo Furtado
Do álbum 'Fuck Christmas, I Got the Blues' (2003)
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The Legendary Tigerman
domingo, 22 de dezembro de 2013
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Lana del Rey feat. Cedric Gervais: Summertime Sadness
Letra de Lana del Rey e Rick Nowels
Do álbum 'Born to Die' (a versão original)
(...)
Oh, my God, I feel it in the air
Telephone wires above are sizzling like a snare
Honey, I'm on fire, I feel it everywhere
Nothing scares me anymore
Kiss me hard before you go
Summertime sadness
I just wanted you to know
That, baby, you're the best
(...)
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cedric gervais,
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