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sábado, 20 de setembro de 2014

''Anything could happen'': Ellie Goulding/ Floria Sigismondi




Um videoclip de Ellie Goulding, realizado por Floria Sigismondi, fotógrafa e artista plástica que admiro bastante. O feliz encontro entre estas duas mulheres dá origem a um vídeo em que convergem a mitologia clássica (Penélope e Ulisses) e o imaginário cristão (a figura de Goulding a lembrar uma santa). 
O que admiro essencialmente no trabalho de Sigismondi, como fotógrafa e como realizadora de videoclips, é a sua capacidade de, atrás do que parecem meras imagens de inspiração surrealista e simbolista, convocar vários momentos da história cultural europeia, e de reintegrá-las no contexto actual, trabalhando igualmente com a ruptura e com a continuidade. Neste caso, Ulisses e Penélope transformam-se num casal urbano destroçado por um acidente de automóvel junto ao mar onde ela o espera. Por outro lado, Goulding aparece convertida numa andrajosa figura mítica, que não assenta sobre uma nuvem (como no imaginário comum católico), mas que é arrastada sobre o mar por essa nuvem.
A produção visual que acompanha o trabalho de Ellie Goulding já várias vezes invocou estéticas semelhantes, por exemplo no vídeo de Figure 8, realizado por W.I.Z., ou então no vídeo, já mais antigo, de Guns and horses, realizado por Petro.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Lei da Bola


Vulgarmente
os amantes desambientam
estes muitos se deram
em troca de bala.

Pequenas bandeiras a meio pau
adejam um rei
no de cabelos chamuscados (Valsa-Se).

Nenhuma construção domina
a paisagem que Há
e não se avista.

Cavalos sim, q.b.,
tão planetariamente cães num flash
que Eu ar
rombo. Pousadas vacas,

com uma só mancha preta
que se pode prolongar,
ninguém está livre de ser apanhado.

Pela sombra.

Regina Guimarães
Anelar, Mínimo
1985, ed. &etc
imagem de Floria Sigismondi


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Outros exemplos da estética surrealista nos vídeos de Marilyn Manson



"The Beautiful People" do álbum "Antichrist Superstar" (1996). Realizado por Floria Sigismondi



"Coma White" do álbum "Mechanical Animals" (1998). Realizado por Samuel Bayer



"Disposable Teens" do álbum "Holy Wood (In The Shadow of the Valley of Death" (2000). Realizado por Samuel Bayer

domingo, 10 de julho de 2011

O Livro dos Amantes (fragmentos)


IV
Dá-me a tua mão por cima das horas.

Quero-te conciso.

Adão depois do paraíso

errando mais nítido à distância

onde te exalto porque te demoras.





VI

Aumentámos a vida com palavras

água a correr num fundo tão vazio.

As vidas são histórias aumentadas.

Há que ser rio.



Passámos tanta vez naquela estrada

talvez a curva onde se ilude o mundo.

O amor é ser-se dono e não ter nada.

Mas pede tudo.





VIII

Eis-me sem explicações

crucificada em amor:

a boca do fruto e o sabor.





IX

Pusemos tanto azul nessa distância

ancorada em incerta claridade

e ficámos nas paredes do vento

a escorrer por tudo o que ele invade.



Pusemos tantas flores nas horas breves

que secam nas árvores dos dedos.

E ficámos cingidos nas estátuas

a morder-nos a carne de um segredo.



Natália Correia

Poemas

1955, ed. autora

fotografia de Floria Sigismondi

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Sátiro


Notei que por ali passava
carnal
uterina
rósea.
e perguntas-me sobre a palidez dos leitos de urze
e beliscas a camisa de algodão
e tremes
e tens o trejeito
dos operários que bufam com escárnio.
nesta cidade
o frio entranha-se nos filamentos corpóreos
galeria de monstros e de clowns.
as cores diluem-se nas fachadas dos cafés
num enorme plasma que transcende o espaço habitado
intensamente percorrido como mais uma arena.

o corpo é-me estrangeiro, às vezes
os resíduos condensam-se
e nauseabundamente
por entre outros gargarejos
apercebem-se do intervalo da nova distância.

o corpo é-me estrangeiro, às vezes.
a pele que o tempo curte
e os incidentes.

apercebo-me de cada pose
de cada um
de cada vários
e reencontro-me.

falavas-me ontem,
e eu senti o teu passo nocturno e cauteloso
como acalentando um lume secreto.
renasces em mim cruel
e remexes no nada.
peço-te que me oiças,
...........o abismo, já o tinha adivinhado!
.............................já o tinha adivinhado!

o teu olhar é argênteo, queres mais?

sempre a partida-regresso a atordoar o ritual da chegada
sempre.
renovo a minha atenção silenciosa sobre as coisas,
como o pouso de uma ave.

sei que vou mais uma vez repelir o pouso
e mitificar o voo
como uma crença toda esvaziada.

as azinheiras erguem os ramos esguios,
como mãos de fada
e debruçam-se sobre os beirais dos muros
acenando ao vento como as mulheres de dantes
e de agora.

os canaviais sugerem-se e isolam-se
numa entoação de cantos metahumanos.
que volatizam os beijos na cara dos astros.

de vibração, o gume e a senda.
da trilogia com quem manuseio mais uma história.
sugerem-se

tudo me parece assim
auto-suficiente
delicado
diluído
cada rio determina a função vegetativa como determina os meandros
e tudo está latente a meus pés.

prometo-me lutar pela clareza
mas não vou compreender a aparência
que se planifica fugaz no irrepreensível no seu trono.

recuso-me e mitifico o voo.

eu sei que as ervas são híbridas
que os trigos irrompem do jóio
e tudo
e não se preocupam.

aqui as casas plantam-se perenes nos laranjais
os homens percorrem-se na orla dos corpos
e partem para viagens esfumadas como eu.

quantas coisas
não se escrevem
nem se escreverão nos taipais brancos.
só a necessidade do branco
e o estilhaço.
...................................................................

procurar abrir uma gaveta
com a chave dentro dela
eis a felicidade intrínseca.

Regina Guimarães
A Repetição
1979, ed. Hélastre
imagem de Floria Sigismondi

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

um poema



É um homem muito jovem, de olhos excessivos, onde a ternura se mistura com o medo. Os seus olhos são, por vezes, interrogadores, olhos bandeirantes a resvalar em terreno novo. A boca é ávida e quente. Audácia. Vício. Claridade. O corpo do homem é frágil. Viajando no interior doutro corpo, derramando-se em grito, quase choro. Recomeçando. Quase sem palavras. Quase sem loucura. Como quem desfaz o sonho. Como quem assiste ao lento nascimento de alguém. Seguro. Sem projectos. Fuga adiada. Rejeitada. Homem que bebe o instante, insensível à gelada inquietação.
À volta do homem, os objectos. A mesa baixa, o sofá onde se acumula a roupa em desordem, a aceitação da loucura. Rápida é a maneira do homem se despir do azul. Sem pudor. Homem que entra vagarosamente na audácia de outro espaço. Homem transgressão. Nu, como sem memória. Desfazendo o êxtase com o olhar escorregando no relógio. A pressa. E as palavras dizendo a eternidade.





Maria Graciete Besse
Mulher Sentada no Silêncio
1985, edições Ulmeiro.


fotografia: FLORIA SIGISMONDI

quarta-feira, 15 de abril de 2009

um poema


Como rebuscar na memória
esse nomear das coisas uma a uma
tão distantes já passado nostalgia
a carne doendo se persisto agonia?



As dores as sofridas solidões os amores
a inefável pertinácia da floresta
rés de angústia meu olhar desassombrado
de animal perdido a coberto do silêncio.



Cerce a chana doente ardendo
tão longe longínqua a cidade dos acasos
das inconsúteis planuras desse país
vergastadas de medo no mapa-mundi da infância.


Deste lado agora definitivamente
como calar os embondeiros rasgados a sangue
nas veias traços minuciosos nas margens
do papel por desfastio? gangrena farpas.



Como o pasmo de sempre correr à frente do tempo
laboriosa busca dos sintagmas perdidos
tão longe tão remota eu em distante país.






Wanda Ramos
Poe-Mas-Com-Sentidos
ulmeiro, 1986
imagem: Floria Sigismondi

domingo, 12 de abril de 2009

2 auto-retratos de Floria Sigismondi

5 vídeos de Floria Sigismondi

Christina Aguilera "Fighter"


A Perfect Circle "Weak and Powerless"


Muse, "Supermassive Black Hole"


Sarah McLachlan, "Sweet Surrender"


The White Stripes, "Blue Orchid"

vestígios




noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras


hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se


onde se pode - num vocabulário reduzido e
obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos e repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial



Al Berto, "Horto de Incêndio"
imagem: Floria Sigismondi