domingo, 10 de julho de 2011

O Livro dos Amantes (fragmentos)


IV
Dá-me a tua mão por cima das horas.

Quero-te conciso.

Adão depois do paraíso

errando mais nítido à distância

onde te exalto porque te demoras.





VI

Aumentámos a vida com palavras

água a correr num fundo tão vazio.

As vidas são histórias aumentadas.

Há que ser rio.



Passámos tanta vez naquela estrada

talvez a curva onde se ilude o mundo.

O amor é ser-se dono e não ter nada.

Mas pede tudo.





VIII

Eis-me sem explicações

crucificada em amor:

a boca do fruto e o sabor.





IX

Pusemos tanto azul nessa distância

ancorada em incerta claridade

e ficámos nas paredes do vento

a escorrer por tudo o que ele invade.



Pusemos tantas flores nas horas breves

que secam nas árvores dos dedos.

E ficámos cingidos nas estátuas

a morder-nos a carne de um segredo.



Natália Correia

Poemas

1955, ed. autora

fotografia de Floria Sigismondi

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