segunda-feira, 18 de julho de 2011

1962, Agosto, A-Ver-o-Mar



Que longo dia para a minha tristeza! Longe é onde há vozes, chamamentos, passos, acenos de adeus. Aqui o silêncio é um túmulo aberto que me força a olhar a inutilidade da luz.

A paisagem movente, ensolarada, azul, luminosa e marinha é aquele que eu tinha decidido seria para sempre como entrar na infância e no sonho. Mas não tenho nenhum sonho para habitar a paisagem que se fere de insídias, de abandono, se lacera de ausência. Como foi possível? Não há só destinos. Há maus fados. Só nas histórias antigas é que tudo era de sempre e para sempre, porque o tempo não existe, é auroral, eterno, sem desgaste.

Vela que passaste entre as ramagens, a memória traz-me afagos, instantes, uma voz... Tudo breve, breve sombra de asas sobre as dunas.



Inocentes, as crianças dormem. A noite entra pela janela e pousa uma túnica, inconsútil de luar, na minha cama vazia. Fecho a vidraça. Pelo menos o choro soluçante da maré quedar-se-à fora. Mas não posso evitar o que em mim morre. Não sei bem o que é. Morre lenta, dolorosamente, morre, como um difícil afogar de pétalas.



Luísa Dacosta

Na Água do Tempo, diário

1992, ed. Quimera

fotografia de David Penprase

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