sexta-feira, 8 de julho de 2011

necrópole


ateada e vivente alguém me enterra
nestas vilas sem flor entre os cadáveres
que ninguém reconhece apodrecidos
na dissimulação.

de entre as parreiras, indistinto é o sangue.
rumores nos cercam: vivos? perfilados
de encontro às amarelas mãos da giesta
-da gesta- expiram; pulmão branco, o vento
carrega os vapores ásperos da cal.

também os animais não surgem.
fêmeas mastigam na poeira o lento
minguar dos corredores, velozes membros,
e, endurecido o leite, as crias velam,
que estrebuçam formais e transparentes.

é verão acaso?
esta secura, os fósseis sobre a lama,
o cio inexistente, os mutilados
buscando os seus pedaços nas encostas,
-é do tempo que faz, ou de uma história
de onde as estações fogem, repugnadas?

matilhas passam: alcateias lúcidas
pelo pescoço trazem indefesos
ao centro das ruínas- resto e fama
de uma caçada medieva e imensa.

nem dos céus descaiu esta catástrofe,
nem dos elementos térreos, mas dos príncipes
que roubaram da morte os negros ritos
da tradição.
aqui fogueiras roxas carbonizam,
lascivamente, os últimos vassalos.
«lugar de todos é a pátria.» eis pois
este lugar comum: a vala.
término.

esquecem-se, porém, senhores, dos filhos
que agora deambulam nas coutadas
alimentados pelo mel e as seivas
e abrigados nas tocas dos arbustos,
crescendo a sós, com arranhões e luta,
tempo por tempo -e as vossas vestes de oiro
em seus pequenos pensamentos pálidos
na memória da infância: permanente.

é de prazo a questão -vossa a vitória

(esquecem-se, porém, dos nossos filhos)

NÃO VOS ESPANTEM, POIS, RESSURREIÇÕES.



Hélia Correia

in "&etc", nº 10

1974

fotografia de Slava Mogutin

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