terça-feira, 26 de julho de 2011

The Ward de John Carpenter

CHOQUE

Não havíamos longa metragem desde "Ghosts of Mars", de 2001. Em exactamente dez anos, aquele que será um dos maiores mestres do cinema de horror, John Carpenter, realizou duas médias-metragens para a série de televisão "Masters of Horror", "Cigarette Burns" (2005) e "Pro-Life" (2006), além de ter visto dois dos seus mais marcantes filmes serem brutalmente violados, "The Fog" e "Halloween" em remakes de Rupert Wainwright e Rob Zombie, respectivamente.








Tendo em conta que "Ghosts of Mars" era um filme que nos apresentava Carpenter no seu melhor e mais complexo, quando a isto se acrescenta uma quase-ausência de dez anos, um filme como "The Ward" só pode ser muitíssimo aguardado, o que significa também que, sobre ele, recaem grandes expectativas.

O argumento de "The Ward", escrito por Michael e Shawn Rasmussen, leva-nos a 1966, ao Hospital Psiquiátrico de North Bend, onde Kristen (Amber Heard) acaba de ser internada, depois de ter incendiado uma casa isolada junto à floresta. Kristen passa a habitar o quarto da falecida Tammy que, na sequência inicial do filme, é assassinada em circunstâncias estranhas, dentro do quarto.

No hospital, além da terapia com o dr. Stringer (Jared Harris), Kristen trava conhecimento com mais quatro pacientes ali internadas, Emily (Mamie Gummer), Iris (Lyndsy Fonseca), Zoey (Laura Leigh) e Sarah (Danielle Panabaker). O convívio com estas mulheres, que ostentam sinais de psicose mais ou menos evidentes, é complicado para Kristen, na medida em que, como seria de esperar, esta se considera lúcida, ainda que não consiga perceber concretamente o que fez com que fosse internada no Hospital Psiquiátrico.

Acontece também que, a certa altura, as pacientes começam a desaparecer, enquanto Kristen tem alucinações com um fantasma de uma rapariga chamada Alice, e que teria sido também paciente daquele hospital. E não só as circunstâncias da morte de Alice se afiguram misteriosas, como o desaparecimento das outras parece apontar para o mesmo mistério, onde se prevê uma história de vingança.

O filme evoluiu num sério crescendo de tensão, até ao desenlace que, não sendo brutalmente insólito, é pelo menos inesperado.

Há aqui duas questões que têm que ser separadas: o argumento e a realização.

O que acontece é que o argumento de "The Ward" carece de um certo sentido de ritmo. A primeira metade do filme vai alternando entre o convívio das pacientes e as consultas com o psiquiatra e, ainda que se sinta um certo clima de mistério, falta tensão e também uma exploração mais profunda dos elementos que vão sendo dados para que se entenda esse mistério, parecendo que tudo fica em suspenso, para ser explorado depois, a partir mais ou menos dos sessenta minutos quando, aí sim, a tensão começa realmente a fazer-se sentir. O que acontece é que o argumento deveria estar escrito de maneira a distribuir tudo isto de uma forma mais equilibrada, criando no espectador a vontade de ir descobrindo o segredo que "The Ward" encerra. Mas, estando escrito da maneira que está, o argumento parece, primeiro, demasiado lento e, depois, preocupado em compensar.

O que vem salvar tudo é, como seria de esperar, a realização meticulosa e inteligente de John Carpenter. À primeira vista, poderia parecer que "The Ward" quase homenageia "The Shining" de Stanley Kubrik, mas, se repararmos realmente no cinema de Carpenter, percebemos que, nele, há sempre um sentido arquitectónico, que acontece, de novo, neste filme. O espaço é, de facto, filmado de maneira a mostrar-nos mais ou menos o que sentir em relação àquele espaço. E Carpenter sabe sempre como utilizar esse espaço, e os seus pormenores, para legitimar as situações que filma. E se, de facto, na sua primeira hora, "The Ward" vai tendo algo de interessante, é às minúcias de realização que o deve; e também à direcção de actores, que volta a estar perfeita. Não só Carpenter consegue planos inesperados e contundentes, principalmente no que toca às aparições do fantasma de Alice e na morte das primeiras pacientes; como as actrizes se demonstram perfeitamente competentes no que toca a entretecer um clima entre si, que oscila entre a loucura e a convivência infantil. E, claro, há que referir também o genérico inicial, inteligente e sensível, na utilização de ilustrações relacionadas com as técnicas psiquiátricas em voga nos anos sessenta e a simbologia do vidro que parte, como símbolo da mente que se divide ou que se estilhaça.






Não se pode dizer, em verdade, que "The Ward" seja um filme mau. Àparte questões de ritmo que não estão bem resolvidas no argumento e que a realização só pode contornar até certo ponto, a verdade é que este filme é bem-sucedido no que toca às ideias de desconfiança da mente própria, de clausura e claustrofobia, e até de conspiração. E se este fosse um filme de um qualquer outro realizador, seria de aplaudir. O problema é que este é não só um filme de John Carpenter, como a primeira longa-metragem que este realiza num espaço de dez anos. E de Carpenter seria de esperar muito melhor. As suas marcas mais garridas estão todas presentes, mas falta-lhe movimento, falta-lhe alguma invulgaridade.

O que não se compreende é como é possível que Carpenter, numa média-metragem para televisão, tenha realizado um filme que é um clássico imediato e um dos melhores filmes de horror de sempre e que, com todos os meios próprios de uma longa-metragem para cinema tenha feito um filme que, pura e simplesmente, não pode competir com grande parte dos filmes que Carpenter tem na sua filmografia.

Esperemos que haja outro filme, em menos de dez anos, que venha repor a fascinação que John Carpenter nos merece, sem dúvida.



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