MOMMY ISSUES
O título deste filme é sugestivo. Desde o matricídio propriamente dito a sugestões de complexo de Édipo, parece não haver nenhum tipo de mommy issues de que não possamos suspeitar. "J'Ai Tué Ma Mère" é o primeiro filme de Xavier Dolan quer como realizador quer como argumentista, sendo que créditos como actor já tinha antes de 2009. O filme chamou a atenção no Festival de Cannes e agora, que finalmente o vejo, parece-me que nem tudo foi fogo de vista.
Este filme tem uma narrativa, mas não tem propriamente uma história, no sentido em que cria uma trama cuja resolução será também a resolução do filme. Nada contra, porque o cinema é uma arte em si, e não um filho da literatura, e não tem que ser julgado apenas pela qualidade da sinopse.
Acima de tudo, "J'Ai Tué Ma Mère" é, portanto, um filme psicológico, até porque a verdadeira acção entre os personagens acontece a um nível psicológico. Por isso mesmo, aqui há vários infanticídios e vários matricídios, sem que qualquer um dos protagonistas morra fisicamente durante o filme. A relação instável e quase doentia entre Chantal (Anne Dorval) e o seu filho Hubert (Xavier Dolan) é o assunto que acompanhamos quase ininterruptamente.
Desde Freud que percebemos que as relações entre os filhos (Rapazes.) e as mães são não raro complexas, ao ponto do próprio Freud não ter acertado na maioria das teorias que sobre isto formulou. Que Dolan aos vinte anos certos se tenha aventurado a ensaiar sobre o assunto não deixa de nos parecer uma ideia arriscada. Porque esta premissa poderia ser uma boa receita para o desastre. No entanto, o realizador acaba por, ao dar à história um cunho pessoal e intimista, nada interessado em traçar uma sentença geral sobre o assunto, conseguir resguardar-se desse desastre em que facilmente poderia ter caído.
Não encontramos em "J'Ai Tué Ma Mère" uma tentativa de generalização e, daí, de categorização. Pelo contrário, tanto Chantal como Hubert se nos apresentam como duas figuras perto do sui generis, e há que realçar que, enquanto personagens, estão perfeitamente construídas. Por isso mesmo, o filme nunca nos parece inusitado. O que aqui encontramos não chega a ser uma história de crueldade. É, isso sim, uma história de impossibilidade. Da impossibilidade do amor entre estas duas pessoas que, indubitavelmente, se amam, mas que não conseguem coexistir; só conseguindo amar-se ou à distância ou no meio da destruição.
É um mérito que cabe a Xavier Dolan, enquanto argumentista, ter conseguido criar dois personagens tão sólidos e, entre eles, uma relação lógica e contundente para quem a observa.
Se ao argumento não há, a meu ver, defeitos de maior a apontar, as falhas de "J'Ai Tué Ma Mère" começam na realização.
Nota-se que Dolan não é néscio, e que tem inteligência visual, ou sensibilidade, fazendo uso dos pormenores do cenário e do guarda-roupa e da própria paisagem. No entanto, há alguns erros um tanto evitáveis. Exemplo disso é que, com excepção de uma cena de jantar, nunca quando dois personagens estão sentados a uma mesa se sentam um de frente para o outro: estão sempre de lado, o que dá aos planos um ar um tanto teatral que, neste contexto, não tem muito sentido. E num filme onde se notam cuidados pessoais na imagem, não deixam de parecer perfeitamente evitáveis alguns planos escandalosamente pop, como é o caso do início da única cena de sexo do filme, com as tintas e a pintura.
E a direcção de actores, não sendo nada má -dado que tanto Dorval como Dolan se mostram bastante competentes- é um tanto discutível. Há muitos momentos de histeria neste filme, por parte de ambos os protagonistas, e há cenas em que, pura e simplesmente, a histeria é tão histérica que não parece real. E é perfeitamente dispensável que haja excesso naquilo que é já por si só excesso.
Por fim, a cena em que Hubert persegue a sua mãe vestida de noiva, filmada entre o videoclip e o vídeo caseiro, pura e simplesmente não está bem filmada, ainda que fizesse, para a construção da ideia, todo o sentido.
O que é certo é que "J'Ai Tué Ma Mère" consegue demarcar-se da ideia batida do complexo de Édipo, ainda que tenha uma ou outra cena em que isso nos ocorra. Mas Dolan desvia-se e leva-nos por caminhos que são, a um tempo, mais interessantes e mais credíveis. A questão da sexualidade, no entanto, é aqui atirada para segundo plano. Nada contra, porque o facto do protagonista ser homossexual não é a origem dos seus problemas de relacionamento com a mãe. No entanto, há uma pequena regra que devia ter sido seguida: é que se é um assunto secundário, deveria ser abordado da forma mais simples possível. Mas o que acontece é que, no plano da sexualidade de Hubert, encontramos um pequeno episódio com um outro rapaz, enquanto mantém um outro namorado. Esse episódio não tem utilidade nenhuma. Há apenas um beijo, cujo impacto é nulo. Mas gera uma certa distracção desnecessária. A sexualidade é um tema por demais complexo -talvez o mais complexo de todos- e o que parece é que, nessa área, Xavier Dolan ainda não se movimenta particularmente bem, pois parece, de alguma forma, ligado ainda às quimeras líricas e adolescentes. Por isso ainda bem que este assunto fica, neste caso, em segundo plano. Porque se assim não fosse, é certo que esta questão acabaria por desequilibrar o filme.
Feitas as contas, "J'Ai Tué Ma Mère", com todas as falhas que vai tendo, é um muitíssimo bom filme. E mesmo que se possa pensar de outra forma, acho que, no mínimo dos mínimos, este filme deixa uma séria promessa.
2 comentários:
estudas cinema?
nop...
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