terça-feira, 3 de março de 2015

Cinco novas bandas (parte 4)

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Um pensador desiludido e sem esperança como E.M. Cioran pôde reconhecer com bastante acuidade que [n]ous devons la quasi-totalité de nos découvertes à nos violences, à l'exacerbation de notre déséquilibre*. Ao reconhecer a violência como móbil da actividade humana (e consequentemente, da actividade criativa), Cioran atribui-lhe um valor edificante que, em muito, não pode ser negado. Sem discórdia, não há evolução nem revolução. O rock reconhece esta violência. O que ele pressupõe é uma experiência profunda do mundo, que é depois transformada em música. Por isso as grandes canções rock se fazem a partir da agressividade, da raiva, da violência, da angústia, da luxúria: trata-se de reconhecer que vamos à descoberta do mundo através de uma experiência aprofundada da nossa violência.
As páginas do ensaio Penser contre soi podem constituir uma explicação bizarramente verosímil da estrutura básica do rock enquanto género. A expressão extrema pressupõe uma experiência extrema do mundo, uma pesquisa por aquilo que de mais elementar e incontrolável existe na natureza e na consciência humana. Ao ler certas páginas mais angustiantemente realistas de Cioran, não é difícil imaginá-lo a ouvir uma banda como as referidas acima. Aliás, estando em causa essa experiência violenta e derradeira da consciência, não seria estranho dizer que Cioran, bem como Nietzsche, Sade, Kafka, Artaud, Lovecraft, Edvard Munch, Hans Bellmer, Michelangelo ou Caravaggio, se vivessem nos dias de hoje e fossem músicos, estariam provavelmente numa banda de rock. Os seus inquéritos aos estados últimos da consciência deixam-nos estranhamente próximos do trabalho dos melhores músicos rock. Porque esse inquérito é o que o rock tem de mais elementar, e é esse também o seu maior perigo. Encontramos em Cioran: La formule de l'enfer? C'est dans cette forme de révolte et de haine qu'il faut la chercher, dans le supplice de l'orgueil renversé, dans cette sensation d'être une térrible quantité négligeable, dans les affres du «je», de ce «je» par quoi commence notre fin**.
De acordo com isto, o que fica claro é que não outra saída para a experiência realista e profunda do mundo senão a própria violência. Mas, nessa violência, esconde-se igualmente a nossa aniquilação, a possibilidade de encontrar o inferno. O rock reconhece sempre o risco da anulação do próprio «eu», que é o perigo de ir longe demais no conhecimento do mundo e de si mesmo, e de ser incapaz quer de regressar a um estado de inocência ignorante, quer de sobreviver àquilo que encontrou.
Mas nesse sentido, nenhum género tem uma valência tão filosófica e antropológica quanto o monosprezado rock. Só ouvido «de fora», ou então pela estirpe exclusivíssima e mui cultivada dos nossos intelectuais da alta cultura (altíssima até!) o rock parecer um género de 'gente a gritar com guitarras eléctricas estridentes atrás'. 
Perante qualquer canção de uma das cinco bandas de que falei, corremos o risco de ver ruir a barreira que nos separa da realidade e de perdermos a ilusão de um mundo que é ainda capaz de se equilibrar. Há algo de sagrado na ilusão que nos mantém sãos. Sãos, mesmo que iludidos: este podia ser o lema da nossa hipermodernidade (como lhe chama Lipovetsky) .
Mas, utilizando um verso de Coraline dos Ash is a Robot, we are crashing waves on sacred ground. E essa coragem não será necessariamente extensível a todos. Por outro lado, assume Cioran, [s]euls nos séduisent les espirits qui se sont détruits pour avoir voulu donner un sens à leur vie***. Porque só com esses aprendemos a procurar (mesmo que não encontremos) uma saída, ou a tentar diminuir a distância entre essa sagrada ilusão e a temível realidade.

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*Cioran, E.M. (1956). La tentation d'exister. Ed. Gallimard, Paris, 2011. p.9
**Cioran, E.M. (1956). op.cit. p.22
***Cioran, E.M. (1956). op.cit. p.24
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