domingo, 27 de dezembro de 2009

um poema



Afinal desisto da carta, pensei, absorta num lençol de água- círculo quase fechado sem querer saber dos outros, lembrando apenas, respirando a vida possível. O sol?
Escolho os recantos da sombra, os rios.
Se me volto para o exterior perco o fio de mim, das crianças ainda palpitantes de imaginação, olhares claros na densidade das salas.
Vigiam-me, passeiam-se pelo granito arrastando os sapatos e os sonhos em carrinhos de papel fantasiado. Param a olhar os dedos, o redondo das pequenas unhas. Apalpam-se. Fumam cigarros à sua medida e pensam como será quando forem grandes. Reúnem-se nas retretes e choram ao lembrar a infância de que já não têm memória, tal foi o afogueamento, o frenesim, a pressa de crescer, fazerem vida. Então choram e abraçam-se num local escondido, demasiado íntimo talvez.
Que fizeram dos caramelos, das moedas e das outras mãos a que se davam, não sabem. Os caminhos das silvas estão agora obstruídos. Répteis mijam nas amoras, empestam os silvados onde rosas demasiadas crescem violentamente durante a primavera.





Isabel de Sá
O Festim das Serpentes Novas
1982- Brasília editora
imagem: Graça Martins

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