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terça-feira, 25 de março de 2014

Face uma da outra





















De uma para a outra
em cada tapeçaria
o rosto da Dama difere

Numa lenta
mutação
de belezas corrompidas

Conforme o olhar
do Unicórnio

e dos pequenos animais
em torno delas

Tal como o Pintor as criara
diversas uma e outra
tecidas, entretecidas

Lianas de mãe e filha

Maria Teresa Horta
A Dama e o Unicórnio
2013, ed. Dom Quixote

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Ponto de Honra




















Desassossego a paixão
espaço aberto nos meus braços
Insubordino o amor
desobedeço e desfaço

Desacerto o meu limite
incendeio o tempo todo
Vou traçando o feminino
tomo rasgo e desatino

Contrario o meu destino
digo oposto do que ouço

Evito o que me ensinaram
invento    troco    disponho
Recuso ser meu avesso
matando aquilo que sonho

Solto ao eixo da quimera
saio voando no gosto

Sou bruxa
Sou feiticeira
Sou poetisa e desato

Escrevo
e cuspo na fogueira

Maria Teresa Horta
Inquietude
2006, ed. Quasi
fotografia de Graça Martins

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma boa notícia


'As Palavras do Corpo' é o novo livro de Maria Teresa Horta, lançado há apenas alguns dias, que se sucede ao romance 'As Luzes de Leonor', de que já aqui falei, e que recebeu, merecidamente, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus.
A 'Poesia Reunida' de Maria Teresa Horta foi editada em 2009. No entanto, a antologia que ora se publica cobre uma parte muito importante da poesia da autora, que se prende com o erotismo. A verdade é que poucos e poucas poetas tiveram a ousadia de falar como fala Maria Teresa Horta do corpo, do erotismo, da sensualidade, do sexo e do prazer. Alguns dos seus poemas, presentes nesta antologia, ficarão para a História, certamente, como alguns dos melhores poemas eróticos alguma vez escritos entre nós. Assim, uma antologia como esta não deixa de ser uma boa oportunidade de reler e até de reavaliar esta parte tão crucial da obra da autora.
Não está representada nesta antologia a totalidade dos livros de Maria Teresa Horta, ficando de fora 'Espelho Inicial' (1960), 'Tatuagem' (1961), 'Cronista Não é Recado' (1967), 'Mulheres de Abril' (1976), 'Minha Mãe Meu Amor' (1984), 'Rosa Sangrenta' (1987) e 'As Feiticeiras' (2006). Incluem-se, no entanto, poemas do livro 'Poemas do Brasil' (2009) que permanece ainda inédito em Portugal, além de nove poemas inéditos.

Recordo aqui um dos melhores e mais conhecidos poemas, erótico claro, de Maria Teresa Horta, o Segredo, do livro 'Minha Senhora de Mim' (1971):

Não contes do meu 
vestido 
que tiro pela cabeça 

nem que corro os 
cortinados 
para uma sombra mais espessa 

Deixa que feche o 
anel 
em redor do teu pescoço 
com as minhas longas 
pernas 
e a sombra do meu poço 

Não contes do meu 
novelo 
nem da roca de fiar 

nem o que faço 
com eles 
a fim de te ouvir gritar 

sábado, 7 de janeiro de 2012

Maria Teresa Horta

Isto de prémios é assunto que, regra geral, me interessa pouco, provavelmente porque, regra geral uma vez mais, os considero entre mal entregues e muito mal entregues. Por exemplo, a entrega do Prémio Fernando Namora, em 2011, a Gonçalo M. Tavares, quando, de entre todos os finalistas, se contava apenas um verdadeiro escritor e um verdadeiro grande livro, que era o 'Adoecer' de Hélia Correia. Nunca sei muito bem se estas minhas opiniões terão algum fundamento mais que o pessoal, mas o facto é que raramente um prémio literário me parece bem entregue.

Não é caso, devo admiti-lo, do Prémio D. Dinis da Casa de Mateus, entregue esta semana a Maria Teresa Horta, pelo romance 'As Luzes de Leonor'. O que tinha a dizer sobre o romance, já o disse aqui, mas não podia deixar de assinalar o momento em que Maria Teresa Horta que, a meu ver, muito injustamente tem sido deixada de lado no que a prémios e reconhecimentos diz respeito, é finalmente galardoada com um prémio importantíssimo como é este e que mais não faz do que dar o seu a seu dono, neste caso, a sua dona.
'As Luzes de Leonor' é certamente um dos momentos mais importantes de 2011, um romance que convém não deixar escapar e que vem muito adequadamente juntar Maria Teresa Horta a uma lista de laureados que, desde 1980, inclui Agustina Bessa-Luís, Maria Velho da Costa, José Saramago, Fernando Guimarães, Maria Gabriela Llansol, Luísa Costa Gomes, Sophia de Mello Breyner, Joaquim Manuel Magalhães, Eduardo Lourenço, Fiama Hasse Pais Brandão, Lídia Jorge, António Lobo Antunes, Gastão Cruz, Hélia Correia, António Franco Alexandre e João Barrento, entre muitos outros.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Júbilo


Há um presságio de júbilo
à sua beira, um tecido
na trama do contrário


Uma rosa de mar
na sua esteira, uma espécie
de ardil em seu afago


Um modo
Um todo
Uma maneira


De misturar 
o doce
e o amargo.

Maria Teresa Horta
in Jornal de Letras,  nº 1061
Junho de 2011
imagem: Retrato de D. Leonor de Almeida Portugal, Condessa de Oyenhausen e quarta Marquesa de Alorna

Maria Teresa Horta: As Luzes de Leonor

POESIA, PAIXÃO E LUZ(ES)

Maria Teresa Horta é uma poetisa. Esta afirmação é, por si só, bastante básica, dadas as mais de oitocentas páginas de poesia que em 2009 foram reunidas na Dom Quixote. Além dos vinte e um livros de poesia que Maria Teresa Horta publicou desde 1960 (Três dos quais no Brasil e um outro em França.) é autora ainda de cinco obras de ficção, 'Ambas as Mãos Sobre o Corpo' (1970), 'Ana' (1975), 'Ema' (1983), 'Cristina' (1987) e 'A Paixão Segundo Constança H' (1999), além das 'Novas Cartas Portuguesas' (1974) escritas com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, e de vários contos dispersamente publicados (Ocorre-me O Grito que fecha 'Espelho Inicial' e que, tanto quanto sei, nunca foi reeditado, ou um conto publicado no volume colectivo 'Amor, Luxúria e Morte' de 1987.). 
Serve este breve levantamento para continuar a frase com que comecei esta nota de leitura. É que mesmo nas novelas e romances que Maria Teresa Horta tem vindo a publicar, aquilo que lemos são ficções escritas por uma poetisa. Há uma linguagem em tudo poética que nunca desaparece da escrita de Teresa Horta, por isso, ela é uma poetisa, mesmo quando não está a escrever poesia. E talvez seja essa presença poética que faz da sua prosa tão apaixonante e intensa (Leia-se, como exemplo, 'Ema', um texto verdadeiramente contundente.).
Já foi dito, inclusivamente pela própria escritora, que onde a sua poesia é luminosa, a prosa é obscura. Concordo. É verdade que onde essa linguagem poética serve para revelar no texto poético, serve para ocultar no texto em prosa.
No entanto, uma leitura da 'Poesia Reunida' mais recente vem mostrar-nos algo de curioso: é que nos primeiros três livros, pelo menos, os poemas de Maria Teresa Horta surgem-nos de alguma forma obscuros, enigmáticos, cheios de imagens explosivas cujo encadeamento nos exige um certo trabalho de desocultação. É mais ou menos isto que vai acontecendo com o seu trabalho em ficção.



Após treze anos de trabalho intensivo de pesquisa e de escrita e reescrita, em 2011 surge-nos 'As Luzes de Leonor', romance de peso (E não me refiro apenas às mais de 1000 páginas que tem.), e, de uma forma muito geral, é possível que este romance marque na prosa de Maria Teresa Horta aquilo que 'Verão Coincidente'  (1962) marcou na sua poesia. A figura central neste romance é Leonor de Almeida Portugal, Condessa de Oyenhausen e, mais tarde, quarta Marquesa de Alorna. 
Neta dos Marqueses de Távora, protagonistas do famoso processo judicial que terminou com a execução em praça pública da família e do encarceramento dos seus descendentes, Leonor foi presa no Convento de Chelas em 1758, quando tinha apenas 8 anos, juntamente com a mãe, Leonor de Lorena, e a irmã Maria Rita. Só foi libertada aquando da morte de D. José I, e da perda do poder de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. Durante os dezanove anos em que está enclausurada, Leonor conquista a reprovação da maioria das freiras que ali viviam, ao mesmo tempo que se dedicava ao estudo das Luzes, que fariam dela não só mais culta do que a grande maioria das mulheres do seu tempo, mas também mais culta do que a maioria dos homens. Paralelamente, a sua poesia é notada na grade do convento e, quando sai, é uma invulgar e fascinante mulher de 27 anos, que levará uma vida onde a independência e a determinação existirão ao lado de dissabores, desgostos e da frustração de estar muito à frente do seu tempo.
É este percurso que Maria Teresa Horta escreve no seu romance, até ao encontro com Henri Forestier, general de Vendeia, quando Leonor conta cinquenta anos.
Mas o que mais me interessa aqui notar é a forma como este romance está escrito. Muitos já se referiram a este livro como uma biografia. Nada mais errado. E dois indícios nos bastam para nos comprovar que não só 'As Luzes de Leonor' não é uma biografia, como não tem sequer a pretensão de o ter: primeiro, porque termina aos cinquenta anos de Leonor, que viveu até aos noventa e quatro; segundo, porque muito do que aqui lemos não está documentado, não pode ser comprovado, sendo disso exemplo maior o capítulo respeitante à Revolução Francesa, por onde Leonor passou, mas de que não há documentos que nos digam como. Este é, no entanto, um romance histórico, e fruto de muita investigação. Ainda assim, histórico não seria uma das primeiras palavras que me ocorreriam para falar deste livro depois de o ter lido. Isto porque, ainda que realmente este romance decorra nos séculos XVIII e XIX, está escrito de uma forma que não denuncia directamente a pesquisa que para ele existiu: tudo está escrito com tal naturalidade, com tal verosimilhança, que, enquanto o lemos, não lemos sobre um passado, estamos nesse passado, que assim se torna presente. Página após página temos apaixonadas descrições de cenários, de roupas, de comida, com um verdadeiro deleite nos sentidos, com tacto, com paladar, com som. E é muito aí que está a voz da poetisa: na preferência dada às sensações e ao psicológico, em detrimento de um levantamento histórico, que muito nos diria das referências de Leonor, mas pouco nos dariam dela enquanto pessoa. Porque é essa a verdadeira meta de Maria Teresa Horta: encontrar a mulher que foi Leonor de Almeida, o que é muito mais ambicioso do que querer traçar-lhe um perfil intelectual. O perfil intelectual está lá. No entanto, estão também os sentimentos, está o erotismo, estão as angústias e os desejos, estão as confusões, as contradições, enfim: está uma dimensão totalmente humana, e é difícil conseguir-se uma humanidade tão grande em literatura, o que também nos leva a pensar que este é um romance de maturidade, que não podia ter sido escrito por um autor inexperiente. 
Falo de uma dimensão humana, mas, mais específica do que essa, há a dimensão feminina. É importante referi-la, não só pelo feminismo que Maria Teresa Horta tem sempre defendido, mas também porque a questão da mulher é orgânica ao caso de Leonor de Almeida. O facto de ter sido mulher foi decisivo para o curso que a sua vida tomou, pois não só lhe marca, evidentemente, a sensibilidade, como lhe condicionou todas as escolhas e lhe vedou muita coisa que estava disponível para os homens. Ainda hoje a sociedade é, no geral, machista. Mas, naquele tempo, nem de machismo se pode falar, mas sim de misoginia. Foi desta que Leonor foi vítima, ainda que com pontuais excepções, todas elas conseguidas dentro de um meio cultural de elite que muitas vezes era insuficiente para a proteger de dissabores como o facto de não poder ter sido Ministra Plenipotenciária na Áustria ou o exílio ordenado por Pina Manique. Sempre movida por um exemplar espírito crítico, de justiça e de insubmissão, Leonor marca uma espécie de pré-feminismo em muitas destas páginas.

Tenho falado até agora da (re)criação de Leonor feita por Maria Teresa Horta, no entanto, interessa não esquecer que este romance, ainda que recuse terminantemente ser uma sistematização de informações e documentos, não está escrito sem apoios. Não só sabemos que Teresa Horta investigou a fundo a vida da Marquesa de Alorna, que, aliás, é sua avó; como muitos desses documentos nos surgem integrados no texto: cartas e páginas de cadernos e diários.
Retomo então a ideia que acima apontava, de que talvez 'As Luzes de Leonor' marque na prosa de Teresa Horta aquilo que 'Verão Coincidente' marcava na poesia. Isto porque, é certo, este romance parte de uma certa obscuridade. No entanto, a forma facetada como Leonor é olhada, que passa por ela e pela maioria daqueles que estão à sua volta, acaba por iluminá-la, torná-la clara e nítida. E por isso, este é um romance verdadeiramente luminoso.
Interessa ainda apontar a questão estrutural, muito importante em 'As Luzes de Leonor'. O romance está dividido em capítulos, que, por sua vez, se dividem entre um poema da Marquesa de Alorna, uma secção Raízes onde lemos a história de família de Leonor, textos de Memória onde Leonor, já mais velha, analisa os acontecimentos passados, fragmentos narrativos sem título, e ainda apontamentos de Caderno e Diário, Cartas, a secção Angelus, onde nos fala um anjo que segue Leonor numa paixão obsessiva e platónica, e ainda, por vezes, monólogos. Assim a história é contada com pequenos espaços de reflexão e de meditação, como que dando-nos o outro lado dos acontecimentos, que é o da sua percepção psicológica, que tem um papel preponderante neste livro. É uma arquitectura complexa mas perfeitamente lógica e que organiza a leitura.
Por fim, interessa sempre pensar na questão do romance que parte de uma personagem real. A verdade é que é difícil escrever um romance desses, porque a procura de alguém, neste caso de Leonor de Almeida, terminaria na Leonor de Maria Teresa Horta (E na nossa, quando lemos o livro.). Porém, isto não impede que a Leonor aqui encontrada se afaste da Leonor que realmente existiu. O epílogo do livro retoma a epígrafe inicial, de Virginia Woolf.

Vivi em ti durante todo este tempo -agora, que eu parto, com quem te pareces tu, verdadeiramente? Será que existes, ou inventei-te dos pés à cabeça?
(p. 13)

diz-nos Woolf,

E ao pretender conhecer-te, em tudo te descubro e te reinvento.
Tão depressa mulher como poetisa ou política ou sábia e sonhadora, mas sempre personagem, porque eu não faço a tua biografia: tento recriar-te minha avó, inventando-te do grão de luz ao bago de romã.
(p. 1054)

diz-nos Maria Teresa Horta. É facto que de outra forma não poderia ser. No entanto, ao terminar o livro, é impossível que não fiquemos com a sensação de que esta Leonor está realmente muito próxima daquela que efectivamente existiu, e de que lemos as cartas e os poemas. Uma mulher em tudo apaixonante e apaixonada e que não só está à frente do seu tempo, como nalgumas coisas, parece estar à frente do nosso. 
Parece-me interessante notar que este livro surge depois da edição da 'Poesia Reunida', pois, no fundo, todas as preocupações e temas que lemos na poesia de Maria Teresa Horta, estão de alguma forma presentes neste romance: a questão da mulher, a sexualidade, a análise histórica (Que encontramos em 'Cronista não é Recado' (1967).), a intelectualidade, a luta pela justiça, a sensibilidade, o sonho, o exercício da paixão e o exercício da poesia como um só.
Podendo parecer que o livro é longo, asseguro que a sua leitura é tudo menos enfastiante. Bem pelo contrário, de tal forma 'As Luzes de Leonor' nos atrai para a Marquesa de Alorna, que ficamos a imaginar como seriam os restantes quarenta e quatro anos de vida de Leonor escritos por Maria Teresa Horta.
Mais ainda, a autora anunciou para breve a edição de um poemário que acompanhou a escrita do romance. Eu, pelo menos, espero ansioso.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Existem Pedras


Existem pedras nos olhos
mas não as tragas
contigo

Meu amor
e meu amigo

Existem pedras nas mãos
mas não as uses
comigo

Meu amor
e meu amigo

Existem pedras sedentas
de amor e muito perigo
Não queiras que elas inventem
motivo do meu castigo

MARIA TERESA HORTA
Minha Senhora de Mim
1971, ed. Dom Quixote

fotografia de SOPHIE CALLE

sábado, 30 de julho de 2011

Um poema a quem de direito


REFERÊNCIA


Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

O que chega primeiro
e só parte por vezes
antes de eu perceber
que já tinhas voltado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Aquele que me beija
e me possui
me toma e me deixa
ficando a meu lado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Que sempre me enlouquece
e só aí percebo
como estava perdida
sem te ter encontrado

MARIA TERESA HORTA
Só de Amor
1999, ed. Quetzal

fotografia de SLAVA MOGUTIN

terça-feira, 7 de junho de 2011

Hoje



às 18:30 no Palácio do Marquês de Fronteira (Monsanto), acontece o lançamento de "As Luzes de Leonor", o novo romance de Maria Teresa Horta. Partindo da personagem de Leonor de Almeida Portugal, quarta Marquesa de Alorna, Maria Teresa Horta escreve um longo romance a que não escapam uma formação poética por inteiro, e também feminista.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Poema Sobre o Ciúme


Que dizer do ciúme
se não faca

se não fome ou fogo
ou ferro aceso

Que dizer do ciúme
que eu não faça
ou afunde no corpo em que me enterro

Que dizer do ciúme
se não lava

se não fenda ou febre
do teu ventre

Que dizer do ciúme
que eu não abra
ou procure em ti raivosamente

Maria Teresa Horta
Minha Senhora de Mim
1971, ed. Dom Quixote
fotografia de Slava Mogutin

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Os Silêncios


Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
Maria Teresa Horta
Só de Amor
1999, ed. Quetzal
fotografia de Henri Cartier-Bresson

sábado, 11 de dezembro de 2010

Novas Cartas Portuguesas


Foi em 1973, num país atrasado chamado Portugal, que apareceu um livro chamado "Novas Cartas Portuguesas". Na capa, assinavam Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.
Maria Isabel Barreno, após várias participações em volumes colectivos de estudos, que não raro já incluiam análises à condição da mulher portuguesa, estreara-se no romance apenas em 1968, com "De Noite as Árvores São Negras", a que se seguira, em 1970 "Os Outros Legítimos Superiores".
Maria Teresa Horta estreara-se bastante mais cedo, em 1960, com o livro de poesia "Espelho Inicial". Passara já pela Poesia 61, pela colecção Pedras Brancas e fôra uma das autoras "efectivas" na Guimarães editores, no tempo da Colecção Poesia e Verdade. O seu primeiro romance, "Ambas as Mãos Sobre o Corpo", viera a lume em 1970, e em 1971, "Minha Senhora de Mim", um livro de poemas, levanta graves problemas à pide, por abordar de forma muito directa a sexualidade feminina.
Maria Velho da Costa, entre traduções, artigos e estudos, publica o primeiro romance em 1966, "O Lugar Comum". Mas seria "Maina Mendes", de 1969, que projectaria Maria de Fátima Bivar Velho da Costa para o reconhecimento, merecido, de uma das obras de prosa mais importantes do século.
Na consequência dos problemas de Maria Teresa Horta com o regime, surge a ideia de um livro escrito pelas três. Assim nasceriam as "Novas Cartas Portuguesas".
Para a edição, uma outra grande mulher se lhes junta. Natália Correia, poeta, romancista, ensaísta e directora do conselho de leitura da Estúdios Côr é a única que se arrisca a dar o nome pelas escritoras que passariam a ser conhecidas como As Três Marias.
O livro, cedo detectado e apreendido pela pide, daria origem a um longo processo judicial, que incluia acusações de pornografia e ofensa à moral pública. Com a sentença pronta a ser dada em Abril de 1974, as Marias acabaram por ver o assunto resolvido pela Revolução.
Mas há que referir que, ao longo do processo, as Novas Cartas juntaram os mais variados movimentos feministas internacionais, a apoiar as escritoras, com vigílias, marchas e manifestações, em que estiveram incluidas verdadeiras figuras históricas como Marguerite Duras e Simone de Bouvoir.
"Novas Cartas Portuguesas- Ou de como Maina Mendes pôs Ambas as Mãos Sobre o Corpo e deu um pontapé no cu dos Outros Legítimos Superiores" é uma obra escrita em prosa e poesia, que vai buscar a sua génese às "Cartas Portuguesas" atribuidas a Soror Marianna Alcoforado, freira que, após escrever cinco cartas ao seu amado Marquês de Chamilly, terá morrido de amor. Rainer Maria Rilke, que descobriu as cartas, descreve-as como testemunhos de um amor "grande demais para caber numa pessoa só". Ao longo do livro das três Marias, perde relevância Marianna e ganha-a Maria, enquanto nome que poderia representar o comum da mulher portuguesa, essa sim, verdadeiro objecto de análise deste livro. É hoje sabido que cada carta terá sido escrita por uma das autoras, ainda que nunca elas tenham dito quais cartas pertencem a qual Maria. Dado o mistério, ao longo dos anos, têm surgido vários estudos literários que tentam atribuir as cartas, com base em comparações com a obra individual de cada uma das escritoras mas, já por várias vezes, as próprias comentaram que ainda ninguém acertou realmente.
Em 2010, temos nova edição, da Dom Quixote, a quinta, e que vem preencher uma lacuna gravíssima, dado que a quarta edição há muitos anos se encontrava indisponível. O prefácio está a cargo da escritora e ensaísta Ana Luísa Amaral.
Li o livro no ano passado (Consegui a segunda edição num alfarrabista.), e parece-me um texto obrigatório, para uma compreensão da situação da mulher no tempo em que o livro foi escrito mas, mais dramático ainda, é que este livro pode muito bem servir para entender a posição da mulher actual na sociedade de agora. A modernidade do livro é assustadora. Obra a um tempo sensível e inteligente, "Novas Cartas Portuguesas" regressa hoje às livrarias, para de novo se declarar contra a moral pública de 2010.
Acrescento que o "grupo" das Marias sofreu posteriormente uma cisão, com a "demarcação" de Maria Velho da Costa. Ainda que as três tenham seguido por obras individuais muito específicas, as "Novas Cartas Portuguesas" continuam a ser uma referência obrigatória para analisar a obra e o pensamento de Maria Isabel Barreno, de Maria Teresa Horta e de Maria Velho da Costa.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Morrer de Amor



Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso.


Maria Teresa Horta
Destino
1997, ed. Quetzal
pintura de Dante Gabriel Rossetti

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tatuagem




Ossifico a dor
o dia

Tatuagem
de tatuar o espaço
livre

onde a queda
a neve
ou o meio-dia
multiplica

a multiplicação
do sangue
um sulco claríssimo

um regresso de
células nas veias
qualquer coisa
de vário
ou de estanho

a moleza branca
de um calor
rosado

Tatuagem feita
vezes quatro

actividade espessa
de chuva sem
passagem

olhos animais de cornos
azuis

e perfilados
com lágrimas por dentro
ou neve ossificada

Tatuagem
tatuo no ventre um filho
Mãe depois e nunca
verificada

Mãe de ovários
duros
e peitos de madrugada
com um amante
por noite

um animal

uma harpa

Ou qualquer coisa
de bom
de esquecimento
de sono

o para sempre estar deitada
as pernas
sementes várias

o para sempre estar escolhida
entre mulheres
sem imagem

Tatuagem
violada
que se traz sob um dos
braços

uma agudeza
de água
epiderme rouca e parca

Partida
sem ser viagem

ou despedida
ou embarque

Tatuar
de tatuagem

sede de queda
oxidada


Maria Teresa Horta
Cidadelas Submersas
1961- colecção Pedras Brancas
imagem: Matthew Barney

domingo, 2 de agosto de 2009

Maria Teresa Horta


Estas noites de mar
incrustadas
de luz

ou estes olhos
de polos
distanciados no nada

Este ódio de chuva
este dia montanha

Esta arma de boca
ou tempo encontrado
com relógios
na montra

Este ardor de palavras
no perfil
da boca

este grito
que tenho
nas mãos misturadas

Ou mãos misturadas
que tenho
de outubro
no sabor picante
sentido nas casas.


de Tatuagem

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Maria Teresa Horta: Educação Sentimental

ANATOMIA DE TERESA



As polémicas entre o estado novo e Maria Teresa Horta começaram em 1971, quando esta publicou, na colecção Cadernos da Poesia da Dom Quixote “Minha Senhora de Mim”. O livro de poesia anterior, “Cronista Não é Recado” (Guimarães-Poesia e Verdade, 1967) já demonstrava uma certa vontade de alteração no percurso que a autora iniciara em 1960 com “Espelho Inicial” (Sylex), vontade que seria confirmada pelo romance “Ambas as Mãos Sobre o Corpo” (Europa-América, 1970).
No entanto, esta mudança só se tornou plena com “Minha Senhora de Mim”. A apreensão do livro pela pide, a que se sucederam as ainda mais polémicas “Novas Cartas Portuguesas” com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, a que se seguiu o processo das Três Marias, acabaram por “abafar” um pouco esta profunda ruptura com a obra poética da autora, que contava já mais oito títulos, entre os quais constava “Tatuagem”, participação nos folhetos de Poesia 61.


Em 1975, no entanto, “Educação Sentimental” veio reforçar esta mudança, e de uma forma ainda mais profunda, aspecto ao qual não é alheia a liberdade de expressão conquistada pelo 25 de Abril. Mais profunda, no sentido em que aborda mais directamente quer a linguagem do erotismo e da sexualidade, quer as manifestações de feminismo, e de um ponto de vista feminino sobre as coisas e, acima de tudo neste caso, sobre a sexualidade. Não é ao acaso que a poetisa considera este livro “um acto de pura insubordinação”, e “um dos [s]eus livros mais subversivos” em entrevista ao JL (nº1004).
É necessário ter em conta também que o título deriva assumidamente da “Educação Sentimental” de Gustav Flaubert. Nestas “lições” de Teresa Horta, há como que a intenção de educar não os homens, mas o geral dos leitores, incluindo as mulheres, acerca do corpo e da sexualidade feminina. Nisto, são importantes as citações que abrem e encerram o livro, entre as quais uma de Shulamith Firestone que afirma que “As mulheres conhecem e aceitam tradicionalmente a invalidez emotiva dos homens, ao mesmo tempo que a acham intolerável numa mulher)”.
No poema introdutório, Maria Teresa Horta escreve “Não tenhas medo/ daquilo que te ensino…” (pág.11). E efectivamente, os poemas que constituem “Educação Sentimental” fazem justiça ao título.
A divisão da obra é em três partes. A primeira parece ser uma auto-análise (Apesar da psicanálise se revelar elemento essencial na obra de Teresa Horta principalmente nos anos 80, a sua poesia sempre teve uma forte componente analítica.) como se pode ver em versos como “Não deixo que as coisas/ me dominem/ nem que a vasta secura/ me adormeça” (pág.19) (Possível referência à tentativa de a silenciarem na época de “Minha Senhora de Mim”?). A segunda parte incide mais numa espécie de análise do amor sentido, dirigindo-se ao seu receptor, “Que te interessam/ a ti/ meus meigos sustos// se nos seios/ os adormeço/…” (pag.46).
A terceira debruça-se sobre o corpo, o já dito corpo sentido e experienciado de e por (Simultaneamente.) uma mulher, “Digo do corpo,/ o corpo:/ e do meu corpo,// digo no corpo/ os sítios e os lugares// de feltro os seios/ de lâminas os dentes/ de seda as coxas/ o dorso, em seus vagares.//(…)” (pág.93).
Em todas as secções, os assuntos são abordados de uma forma “erotizante” e “sexualizante”, contrariando as tendências de frieza e ignorância que as citações iniciais e finais denunciam.
O estilo da autora mantém-se sempre ancorado na extrema economia de palavras, na criação de ritmos definidos, e uma forte âncora no cancioneiro português, e é este estilo, apoiado em momentos de grande originalidade como esta “Educação Sentimental” que fazem de Maria Teresa Horta um dos nomes maiores da nossa poesia.