Foi em 1973, num país atrasado chamado Portugal, que apareceu um livro chamado "Novas Cartas Portuguesas". Na capa, assinavam Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.
Maria Isabel Barreno, após várias participações em volumes colectivos de estudos, que não raro já incluiam análises à condição da mulher portuguesa, estreara-se no romance apenas em 1968, com "De Noite as Árvores São Negras", a que se seguira, em 1970 "Os Outros Legítimos Superiores".
Maria Teresa Horta estreara-se bastante mais cedo, em 1960, com o livro de poesia "Espelho Inicial". Passara já pela Poesia 61, pela colecção Pedras Brancas e fôra uma das autoras "efectivas" na Guimarães editores, no tempo da Colecção Poesia e Verdade. O seu primeiro romance, "Ambas as Mãos Sobre o Corpo", viera a lume em 1970, e em 1971, "Minha Senhora de Mim", um livro de poemas, levanta graves problemas à pide, por abordar de forma muito directa a sexualidade feminina.
Maria Velho da Costa, entre traduções, artigos e estudos, publica o primeiro romance em 1966, "O Lugar Comum". Mas seria "Maina Mendes", de 1969, que projectaria Maria de Fátima Bivar Velho da Costa para o reconhecimento, merecido, de uma das obras de prosa mais importantes do século.
Na consequência dos problemas de Maria Teresa Horta com o regime, surge a ideia de um livro escrito pelas três. Assim nasceriam as "Novas Cartas Portuguesas".
Para a edição, uma outra grande mulher se lhes junta. Natália Correia, poeta, romancista, ensaísta e directora do conselho de leitura da Estúdios Côr é a única que se arrisca a dar o nome pelas escritoras que passariam a ser conhecidas como As Três Marias.
O livro, cedo detectado e apreendido pela pide, daria origem a um longo processo judicial, que incluia acusações de pornografia e ofensa à moral pública. Com a sentença pronta a ser dada em Abril de 1974, as Marias acabaram por ver o assunto resolvido pela Revolução.
Mas há que referir que, ao longo do processo, as Novas Cartas juntaram os mais variados movimentos feministas internacionais, a apoiar as escritoras, com vigílias, marchas e manifestações, em que estiveram incluidas verdadeiras figuras históricas como Marguerite Duras e Simone de Bouvoir.
"Novas Cartas Portuguesas- Ou de como Maina Mendes pôs Ambas as Mãos Sobre o Corpo e deu um pontapé no cu dos Outros Legítimos Superiores" é uma obra escrita em prosa e poesia, que vai buscar a sua génese às "Cartas Portuguesas" atribuidas a Soror Marianna Alcoforado, freira que, após escrever cinco cartas ao seu amado Marquês de Chamilly, terá morrido de amor. Rainer Maria Rilke, que descobriu as cartas, descreve-as como testemunhos de um amor "grande demais para caber numa pessoa só". Ao longo do livro das três Marias, perde relevância Marianna e ganha-a Maria, enquanto nome que poderia representar o comum da mulher portuguesa, essa sim, verdadeiro objecto de análise deste livro. É hoje sabido que cada carta terá sido escrita por uma das autoras, ainda que nunca elas tenham dito quais cartas pertencem a qual Maria. Dado o mistério, ao longo dos anos, têm surgido vários estudos literários que tentam atribuir as cartas, com base em comparações com a obra individual de cada uma das escritoras mas, já por várias vezes, as próprias comentaram que ainda ninguém acertou realmente.
Em 2010, temos nova edição, da Dom Quixote, a quinta, e que vem preencher uma lacuna gravíssima, dado que a quarta edição há muitos anos se encontrava indisponível. O prefácio está a cargo da escritora e ensaísta Ana Luísa Amaral.
Li o livro no ano passado (Consegui a segunda edição num alfarrabista.), e parece-me um texto obrigatório, para uma compreensão da situação da mulher no tempo em que o livro foi escrito mas, mais dramático ainda, é que este livro pode muito bem servir para entender a posição da mulher actual na sociedade de agora. A modernidade do livro é assustadora. Obra a um tempo sensível e inteligente, "Novas Cartas Portuguesas" regressa hoje às livrarias, para de novo se declarar contra a moral pública de 2010.
Acrescento que o "grupo" das Marias sofreu posteriormente uma cisão, com a "demarcação" de Maria Velho da Costa. Ainda que as três tenham seguido por obras individuais muito específicas, as "Novas Cartas Portuguesas" continuam a ser uma referência obrigatória para analisar a obra e o pensamento de Maria Isabel Barreno, de Maria Teresa Horta e de Maria Velho da Costa.
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