sábado, 11 de dezembro de 2010

Novas Cartas Portuguesas


Foi em 1973, num país atrasado chamado Portugal, que apareceu um livro chamado "Novas Cartas Portuguesas". Na capa, assinavam Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.
Maria Isabel Barreno, após várias participações em volumes colectivos de estudos, que não raro já incluiam análises à condição da mulher portuguesa, estreara-se no romance apenas em 1968, com "De Noite as Árvores São Negras", a que se seguira, em 1970 "Os Outros Legítimos Superiores".
Maria Teresa Horta estreara-se bastante mais cedo, em 1960, com o livro de poesia "Espelho Inicial". Passara já pela Poesia 61, pela colecção Pedras Brancas e fôra uma das autoras "efectivas" na Guimarães editores, no tempo da Colecção Poesia e Verdade. O seu primeiro romance, "Ambas as Mãos Sobre o Corpo", viera a lume em 1970, e em 1971, "Minha Senhora de Mim", um livro de poemas, levanta graves problemas à pide, por abordar de forma muito directa a sexualidade feminina.
Maria Velho da Costa, entre traduções, artigos e estudos, publica o primeiro romance em 1966, "O Lugar Comum". Mas seria "Maina Mendes", de 1969, que projectaria Maria de Fátima Bivar Velho da Costa para o reconhecimento, merecido, de uma das obras de prosa mais importantes do século.
Na consequência dos problemas de Maria Teresa Horta com o regime, surge a ideia de um livro escrito pelas três. Assim nasceriam as "Novas Cartas Portuguesas".
Para a edição, uma outra grande mulher se lhes junta. Natália Correia, poeta, romancista, ensaísta e directora do conselho de leitura da Estúdios Côr é a única que se arrisca a dar o nome pelas escritoras que passariam a ser conhecidas como As Três Marias.
O livro, cedo detectado e apreendido pela pide, daria origem a um longo processo judicial, que incluia acusações de pornografia e ofensa à moral pública. Com a sentença pronta a ser dada em Abril de 1974, as Marias acabaram por ver o assunto resolvido pela Revolução.
Mas há que referir que, ao longo do processo, as Novas Cartas juntaram os mais variados movimentos feministas internacionais, a apoiar as escritoras, com vigílias, marchas e manifestações, em que estiveram incluidas verdadeiras figuras históricas como Marguerite Duras e Simone de Bouvoir.
"Novas Cartas Portuguesas- Ou de como Maina Mendes pôs Ambas as Mãos Sobre o Corpo e deu um pontapé no cu dos Outros Legítimos Superiores" é uma obra escrita em prosa e poesia, que vai buscar a sua génese às "Cartas Portuguesas" atribuidas a Soror Marianna Alcoforado, freira que, após escrever cinco cartas ao seu amado Marquês de Chamilly, terá morrido de amor. Rainer Maria Rilke, que descobriu as cartas, descreve-as como testemunhos de um amor "grande demais para caber numa pessoa só". Ao longo do livro das três Marias, perde relevância Marianna e ganha-a Maria, enquanto nome que poderia representar o comum da mulher portuguesa, essa sim, verdadeiro objecto de análise deste livro. É hoje sabido que cada carta terá sido escrita por uma das autoras, ainda que nunca elas tenham dito quais cartas pertencem a qual Maria. Dado o mistério, ao longo dos anos, têm surgido vários estudos literários que tentam atribuir as cartas, com base em comparações com a obra individual de cada uma das escritoras mas, já por várias vezes, as próprias comentaram que ainda ninguém acertou realmente.
Em 2010, temos nova edição, da Dom Quixote, a quinta, e que vem preencher uma lacuna gravíssima, dado que a quarta edição há muitos anos se encontrava indisponível. O prefácio está a cargo da escritora e ensaísta Ana Luísa Amaral.
Li o livro no ano passado (Consegui a segunda edição num alfarrabista.), e parece-me um texto obrigatório, para uma compreensão da situação da mulher no tempo em que o livro foi escrito mas, mais dramático ainda, é que este livro pode muito bem servir para entender a posição da mulher actual na sociedade de agora. A modernidade do livro é assustadora. Obra a um tempo sensível e inteligente, "Novas Cartas Portuguesas" regressa hoje às livrarias, para de novo se declarar contra a moral pública de 2010.
Acrescento que o "grupo" das Marias sofreu posteriormente uma cisão, com a "demarcação" de Maria Velho da Costa. Ainda que as três tenham seguido por obras individuais muito específicas, as "Novas Cartas Portuguesas" continuam a ser uma referência obrigatória para analisar a obra e o pensamento de Maria Isabel Barreno, de Maria Teresa Horta e de Maria Velho da Costa.

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