José Saramago, como escritor e como Nobel da Literatura tem sido objecto de observação em vários documentários, como pudemos confirmar aquando da sua morte que, ao contrário da grande maioria dos escritores desaparecidos recentemente, não escapou despercebida aos media (Não se pode dizer o mesmo em relação a Egito Gonçalves, Sophia de Mello Breyner, Fiama Hasse Pais Brandão ou Maria Gabriela Llansol.). Esta questão faz-nos pensar se Saramago recebeu tanta atenção por ser o grande escritor que é ou por ser Nobel da Literatura.
De qualquer forma, para este filme de Miguel Gonçalves Mendes, essa questão é perfeitamente indiferente e, se há qualidade que tem que se atribuir ao realizador desde logo, é a forma original que tem de se debruçar sobre a vida de Saramago. "José e Pilar", como aliás o título indica, não é um filme sobre José Saramago, mas sim um filme sobre a relação do escritor com a sua terceira e última mulher, Pilar del Rio.
O facto de Saramago ser Nobel é, no entanto, um assunto inevitavelmente central neste filme, uma vez que as grande parte dos a-fazeres com que nos deparamos neste filme, muito disso dependem.
"José e Pilar", cujas primeiras cenas remontam a 2006, acompanha também a escrita de "A Viagem do Elefante", e termina com Saramago a ter uma ideia sobre Caim, para um livro seguinte. Pelo meio, há ainda a promoção de "As Pequenas Memorias", e Miguel Gonçalves Mendes demonstra-se particularmente sensível e, ao mesmo tempo, inteligente, ao aproveitar as dedicatorias de Saramago a Pilar, momentos de inquestionável beleza, para abordar a relação entre os dois.
Tudo o resto é alucinante: este pode muito bem ser um inesperado insight sobre a vida do autor, completamente preenchida de entrevistas, intervençoes, apoios e encontros. Parecendo que Pilar ficaria para segundo plano, desenganemo-nos: é ela o cérebro gestor por trás de tudo isto, e fica bem claro que é ela quem, para todos os efeitos mantém a situação de Saramago de alguma forma praticável. De facto, este filme vem corroborar completamente a conhecida máxima que diz que "atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Não podia ser mais verdade.
E se, a propósito de outros filmes, eu já me tenho referido à autonomia de um objecto artístico, em "José e Pilar" essa questão volta a fazer sentido. É que este filme conta com dois protagonistas que são verdadeiras forças da natureza. Portanto existe o perigo de facilmente o filme se transformar em mero suporte para aforismos. Não parece ser o caso. É verdade que o filme incontornavelmente depende e aproveita a inteligência e ironia de Saramago e Pilar, mas é também verdade que na maneira de aproveitar essas características tem um ritmo particular, o que afecta, evidentemente, a maneira como tudo é percepcionado.
Não sei se seria possível, na verdade, fazer um filme que se tornasse completamente independente da força de Saramago e Pilar. É difícil a câmara não se apaixonar por eles. E nós também.
Sem comentários:
Enviar um comentário