quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Guevara I


Levaremos ainda as nossas roupas
vossos idílios sobre os sulcos
vossos pães vossas sujas refeições
pelas clareiras vossas tatuagens.

Levaremos as vossas agonias.
Coisas. Vestígios ácidos da dor.
Estilhaços. Matéria.
Vossas fontes sugadas e musgosas.
Vossas hostes elementares.
O encolher dos dedos sob as mantas
nas ciladas. Vigílias. Levaremos
vosso cheiro a folhagens e a verão.

Levaremos na pele vossas cidades
em sua inexistência.
Vosso rijo manobrar dos fusis.
Recondução da história. O novo, o limpo
acumular dos corpos para o cio.

Levaremos os climas. Mais cerrados,
no lugar da memória, avançaremos
com vossos restos de calcinação.
Avançaremos todos com os ombros
quase amorosamente protegidos
por ombros paralelos.
Seguiremos e de ecos indignados
seguiremos por onde nos chamastes.

E ainda traremos certas águas
tranquilamente sobre as tardes vilas
onde o ciclo dos sangues se fundia
das raparigas nunca virgens, e outro,
o fértil, sobretudo, em vossas chagas.

Hélia Correia
da antologia "10 Poemas Para Che Guevara",
org. Egito Gonçalves, 2a ed. Campo das Letras, 1997

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