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segunda-feira, 26 de maio de 2014

3 apontamentos sobre as Eleições Europeias

1. A abstenção
66,09% dos cidadãos portugueses com idade para votar escolheram não o fazer nestas Eleições Europeias. Há sempre quem diga (por norma o ou os derrotados) que, em casos assim, quem venceu foi a abstenção. Infelizmente, é até certo ponto verdade. A maior parte das vezes, quem se abstém fá-lo (ou assim o diz) por duas razões: como forma de protesto, ou então por não achar importante votar, neste caso nas Europeias. Em ambos os casos, parecem-me razões pobres. Como forma de protesto, torna-se ineficaz, pois abdica-se de um direito com o objectivo de, em princípio, nos manifestarmos contra o que sentimos como um ataque precisamente aos nossos direitos ou à nossa dignidade enquanto cidadãos; e, no fim de contas, houve quem votasse, houve resultados e esses resultados são válidos e aqueles que quisemos punir tiveram resultados, mais satisfatórios ou menos, sem precisar do nosso contributo. Achar que determinadas eleições não são importantes ou não nos dizem respeito deveria ser razão para procurarmos saber por que, se esse é o caso, nos pedem que votemos; em última análise, esta é uma desculpa que, através de uma ideia pré-concebida (a de que a Europa não nos diz respeito) justifica o prolongar de uma ignorância relativamente ao assunto. Na Europa, o Luxemburgo, a Bélgica e a Grécia têm voto obrigatório. Talvez essa fosse uma boa opção para Portugal. Num país que celebra, este ano, 40 anos de democracia e, portanto, 40 anos de direito ao voto, conquistado pelo sofrimento e pelo sacrifício daqueles que se opuseram ao Estado Novo é simplesmente inaceitável uma abstenção que roça os 70%.

2. O problema europeu
No seu ensaio 'A Identidade cultural Europeia', o poeta Vasco Graça Moura, que foi também Deputado Europeu, explica como há, em Portugal e não só, o grave problema de não nos sentirmos europeus, senão quando a Europa nos soa a estratégia de saída para os problemas nacionais. É um facto que a Europa nos diz pouco e, em bom rigor, mesmo entre os poucos que foram votar hoje, é discutível quantos têm verdadeira consciência do que está em causa. Não faltou quem votasse nas Europeias para agoirar as futuras Legislativas, não faltou quem votasse em Partidos portugueses que, bem vistas as coisas, integrarão grupos outros em Bruxelas. É difícil, ainda, compreender ao certo para que elegemos os nossos deputados europeus. Até certo ponto, os grandes responsáveis são os nossos dirigentes políticos. É a eles que cabe o esclarecimento dos objectivos de uma eleição. No meu ponto de vista, é sempre função de qualquer cidadão informar-se, mas há questões das quais os dirigentes políticos não podem fugir. Mas os dois principais partidos são também parte interessada em perceber quem querem os portugueses castigar e recompensar pela política interna. Um esclarecimento do verdadeiro sentido das Eleições Europeias correria o risco de acabar com um precioso barómetro que, conquanto dê (mais) algumas luzes aos partidos quanto às intenções de voto dos portugueses, não tem na prática o valor que deveria ter.

3. Leituras, elações, distorções
Um dos aspectos mais interessantes nos discursos dos dirigentes e candidatos de hoje foi a pouca atenção que recaiu sobre o papel que os eleitos terão na Europa. A maioria dos discursos prendeu-se quase exclusivamente com as próximas Legislativas. Não seria inusitado pensar que, particularmente PS, PSD e CDS-PP investiram nas Europeias como quem investe numa sondagem. Se os próprios portugueses que votaram nestas eleições o fizeram para anunciar o que planeiam fazer nas próximas Legislativas, isso não deve ser ignorado pelos partidos, evidentemente. Por outro lado, apenas o PCP teve um resultado que garantisse, nesse sentido, segurança suficiente para lançar uma proposta (a de uma moção de censura). Tanto Francisco Assis como António José Seguro, do lado do PS, reiteraram reiteradamente a vitória do partido, no entanto, parece, com consciência de que a ''grande'' vitória do PS não foi nem por sombras a vitória que o PS esperava. 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O ministo, o empreendedor, a palestra dele e os perigos dela

Perante problemas financeiros graves num país, a maioria das pessoas reage com pessimismo e derrotismo. Há manifestações, greves, trocas mais pacíficas ou menos de opiniões, a procura de culpados que invariavelmente saem impunes (Isto, pelo menos, em Portugal.), uma camada numerosa abandona o país, havendo os que planeiam regressar e aqueles que não.
No meio de tudo isto, há sempre aqueles que se afirmam com um discurso que contraria o da maioria, argumentando contra o derrotismo, numa atitude infinitamente positiva que, bem vistas as coisas, é por demais conveniente tanto aos Governos pouco interessados em melhorar a vida das pessoas, como aos responsáveis verdadeiros dos dramas monetários que fizeram abater-se sobre a população, mas pelos quais não são assim tão prejudicados.
Hoje, no P3, Sofia Rodrigues escreve um texto intitulado Miguel Gonçalves, o ''embaixador'' que Relvas conheceu no YouTube. Como o esclarecedor título mostra, Miguel Relvas, Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, encontrou um ''embaixador'' para a iniciativa Impulso Jovem.
Miguel Gonçalves, é, segundo o artigo, ''fundador de uma empresa de criatividade especializada na criação de soluções de comunicação interna'' (Seja isso o que for.), que Relvas conheceu através de um vídeo no YouTube (Este.) filmado no TEDxYouth em Braga.
Aparentemente o discurso empreendedor e positivo de Gonçalves seduziu o ministro, que o achou adequado a ser, gratuitamente, o rosto da iniciativa que pretende combater o desemprego entre os jovens.
Que sedutor discurso é este? É um discurso proferido por uma figura um tanto caricata, com um sotaque acentuadíssimo do norte, que consiste em meia hora de power positive thinking pejado de estrangeirismos, insistindo com os jovens para que tenham uma atitude empreendedora, histriónica, destemida e que, acima de tudo, se deixem de lamúrias e de reclamações (Imitando ambas num tom bastante jocoso.). O que tem este discurso para o tornar adequado a dar a cara pelo Impulso Jovem? 
Tem tudo, evidentemente. Quando Miguel Gonçalves afirma que no admirável mundo do negócio, o que interessa é dar tudo pela empresa, chegando mais cedo e saindo mais tarde, está a negligenciar o facto de que, as mais das vezes, tratando-se ainda por cima de jovens trabalhadores, as empresas procuram essencialmente alguém a quem explorar. Assim, o discurso de Gonçalves parece, até certo ponto, incentivar os jovens trabalhadores a sentirem a alegria de serem explorados. 
Há também um certo pendor de vitimização das empresas no discurso deste ''empreendedor''. Interessa aquilo que as empresas querem, o que precisam? Concerteza que interessa, visto que são elas, aqui, que vão empregar os candidatos. No entanto, neste discurso, Miguel Gonçalves aprova o facto das empresas preferirem aqueles que, mesmo menos capacitados, têm uma atitude positiva e servil face ao empregador, o que é não só desvalorizar por inteiro a competência real de um candidato para determinado trabalho; como, por outro lado, um incentivo à falta de consciência ética e social de uma empresa. Isto, porque o facto das empresas serem detentoras de uma grande quantidade de dinheiro e, consequentemente, do poder de dar empregos, deveria significar para essas empresas uma responsabilidade dessas ordens _ética e social_, em vez de, como acontece na verdade, aumentar apenas a ganância e a prática da exploração daqueles que dependerão delas e que é uma forma de enriquecer as empresas e sugar os trabalhadores.

Actuação de negócio, se pegarem na palavra, só significa ''a tua acção'', a tua, não é do Governo, não é da troika nem do FMI, nem das Universidades, nem das empresas grandes ou pequenas, é tua, está em ti o locus de causalidade. Isto é o que nós estamos a perceber, cada um de nós tem o poder para actuar e agir e controlar o seu posicionamento no mercado. Há muita gente a fazer as perguntas erradas.
diz Gonçalves, a cerca de oito minutos do seu discurso. Uma ideia interessantíssima que deposita no próprio trabalhador recém-licenciado a responsabilidade e a capacidade de entrarem no mercado de trabalho e serem bem sucedidos. Mas o ponto essencial aqui, que talvez passe despercebido, é o facto de se retirar do Governo e das empresas a responsabilidade de viabilizar sequer essa entrada. Dizer que depende apenas do trabalhador assegurar um trabalho é isentar de culpa o Governo, ou os vários Governos que, de várias formas, permitiram o afundamento das finanças numa dívida cujo pagamento afecta muito mais o cidadão comum do que aqueles que causaram essa dúvida; e isentar de responsabilidades as empresas. O problema de Portugal nunca foi faltar trabalho foi, isso sim, a falta de dinheiro para pagar esse trabalho, ou a falta de vontade de gastar esse dinheiro. É um facto que, neste momento, as empresas têm sabido aproveitar as dificuldades dos jovens em encontrar emprego para os contratarem em condições miseráveis e, pior ainda, sem qualquer perspectiva de alguma vez conseguirem trabalhar noutras condições.
Isto tudo, para nem referir o facto de, para Miguel Gonçalves, serem de longe muito menos importantes a competência e a preparação do que a capacidade de um indivíduo para se vender a si mesmo.
Um sujeito como Miguel Gonçalves é a água perfeita para o Governo e as empresas lavarem as mãos da sua responsabilidade de criar emprego, de criar condições de emprego e de, de uma vez por todas, entenderem que o dinheiro deveria trazer consigo uma série de obrigações. Incentivar os jovens a terem uma atitude positiva face à exploração não diminui a exploração nem melhora a vida de ninguém.
Devíamos parar de nos queixar? Talvez. Mas de certeza que a melhor atitude para substituir a queixa não é a subserviência disfarçada de empreendedorismo. A atitude de Miguel Gonçalves pode ser a melhor para a situação em que vivemos, mas só conduz ao perpetuar dessa situação. Criticar essa situação, incitar os jovens a revoltar-se contra ela, a procurar mudá-la a todo o custo seria muito mais interessante, mas também muito mais polémico. E é provável que Relvas não o tivesse convidado a dar a cara pelo Impulso Jovem, gratuitamente, claro: para quê pagar quando se pode ter de graça?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eunomia (fragmento)

O seguinte texto foi-me enviado, generosamente, pela Hélia Correia, a quem agradeço a partilha. Trata-se de um poema de Sólon (sécs. VII-VI a.C.), autor da primeira Constituição de Atenas, escrita em verso. Se fosse preciso mais algum motivo, além da qualidade poética, para reproduzir aqui este fragmento, atente-se na sua impressionante actualidade, tão coincidente com os tempos de indigência que a Europa (E não só.) atravessa agora.
À Hélia, ainda, devo um apontamento que é importante para uma boa compreensão do poema: que Desordem e Boa Ordem correspondem na verdade a dois conceitos diferentes dos que lhes atribuimos hoje _ Desordem é a lei disfuncional, Boa Ordem é a lei harmoniosa.
 
 
A nossa cidade jamais perecerá, por vontade de Zeus
                e querer dos deuses imortais; bem-aventurados.
Sobre ela estende os braços, magnânima e vigilante,
               Palas Atena, filha de um pai ilustre.
Mas querem destruir a grande urbe, com os seus desvarios,
               cedendo às riquezas, os próprios cidadãos,
e dos chefes do povo o espírito injusto, a quem está destinado
              sofrer muitas dores pela sua grande insolência.
Pois não sabem refrear os seus excessos, nem pôr ordem
              nos bens presentes na paz do banquete.
..........................................................................
Enriquecem arrastados por acções injustas.
..........................................................................
              Sem poupar as posses dos santuários ou do povo,
roubaram a saque, cada um para seu lado;
              não guardam os alicerces veneráveis da justiça,
que, em silêncio, conhece o presente e o passado,
              e, com o tempo, vem a exercer vingança.
É esta a ferida inevitável que já surge em toda a cidade,
             que se precipita, veloz, na desgraça da escravatura,
que desperta a revolta civil e a guerra adormecida,
            que perdeu a amável vida de tantos.
Em breve uma cidade muito estimada é arruinada pelos inimigos
           nas conspirações caras aos malvados.
São estes os males que agitam o povo.
            E muitos dos indigentes demandam a terra alheia,
vendidos e atados com cadeias ignominiosas. 
............................................................................
E, assim, a desgraça pública entra em casa a cada um.
           E as portas do pátio não podem detê-la.
Mas salta a elevada fortaleza, e acha quanto quer,
           ainda que se fuja para o recesso do tálamo.
Manda-me o meu coração que ensine aos Atenienses estas coisas:
          como a Desordem causa muitas desgraças ao Estado,
e a Boa Ordem apresenta tudo bem arranjado e disposto,
            e muitas vezes põe grilhetas aos injustos.
Aplaca as asperezas, faz cessar a saciedade, enfraquece a insolência,
           faz murchar as flores nascidas da desgraça,
endireita a justiça tortuosa e abranda os actos
           insolentes, termina com os dissídios,
cessa a cólera da terrível discórdia, e, sob o seu influxo,
          todos os actos humanos são sensatos e prudentes.
 
 
tradução de Maria Helena da Rocha Pereira
imagem: A Fome de Júlio Pomar
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Indignação


 
O horror calou tudo, declararam.
Depois de Auschwitz
Continuámos a falar, porém – sem ambição.
Reconhecendo o inalcançável,
Baixando o olhar.
Pois o que pode a fala? Por que dizem
Que, cantada, faz de arma?
Se com ela não nos municiamos.
Se, com a morte de uma Grécia antiga,
Perdemos o condão de nomear
Deuses e sentimentos e até
As pequenas moléculas, enfim, nomear o real
Que, naquele caso, incluía o tremendo e a maravilha?

 
Esses, os que levavam para a praça  
Quezílias, sim, projectos e também,
E, sobretudo, uma noção de polis
E de uma paridade vigiada,
Severamente vigiada.
Os Gregos, esses
Que narravam o medo para que o medo
Se tornasse visível, prisioneiro
Na teia do poema,
Se não compreensível, pelo menos
Transformado em espectáculo – essa Grécia,
Essa Atenas perfeita, mais perfeita
Que qualquer utopia, a rapariga
Inesperadamente transformada
Numa ruína,
Esses – que não existem

 
E nos deixaram assustados, sós,
Sob o sem-rosto, sós,
Sem as ferramentas adequadas,
Sem pensamento,
Sem esses deuses temperamentais
Que tomavam partido nos combates,
Nós, os abandonados, os que não
Sabem sequer como aplacar
E a quem,
Nós, os emudecidos,
Irmanados com os sem-terra, nós,
Os futuramente esfomeados,
Bárbaros com os pés no alcatrão,
Bebedores de petróleo, como pode

 
De novo a praça,
A Ágora, juntar-nos?
 
Transformados em porcos, por feitiço,
Pela malevolência,
Exactamente
Como na Odisseia,
Não sabemos
- e os Gregos esqueceram –
Como é que tal feitiço
Se desfaz?

Hélia Correia
poema editado no 'Público' aquando da Manifestação de 22 de Janeiro de 2012, que me parece importante relembrar hoje, dia de reunião de Conselho de Estado; juntamente com este desenho do pintor flamengo James Ensor, que, para nós, terá muito sentido

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Crises, Casamentos e outras coisas começadas por C

Costumo jantar num sitiozinho pequinino perto de casa, onde aproveito para ver os noticiários, já que, em casa, não vejo televisão.
Aqui há uns dias, encontrei algo de interessante: com as medidas impostas pela troika do FMI & Cia, estavam a fazer um especial sobre o ponto de vista dos portugueses residentes em Londres acerca do casamento real. Eu tenho pouco talento para este tipo de matérias e, até ter visto uma notícia no jornal, na véspera do casamento, pensava que o princípe que ia casar era o Harry. Evidentemente, nem segui o casamento pela TV, nem andei à procura de nada sobre o assunto, por várias razões, das quais a mais decisiva é o facto de não me importar.


Entretanto, como começava este texto, há uns dias, estou a tentar seguir o noticiário, quando, após algumas notícias sobre as peripécias do Governo e dos seus comparsas, começam a falar de novo sobre o casamento de Kate Middleton com o príncipe William.


Àparte o facto de eu achar interessante que haja quem se preocupe com isto ao mesmo tempo que se diz que as medidas do FMI serão piores do que o PEC4; pensei que era um verdadeiro achado quando um comentador qualquer dizia que, no fundo, o casamento de Kate e William era uma mensagem de esperança para toda a gente, porque afinal, o príncipe casou com uma plebeia. Esse foi o momento em que tive que me rir. Se é o caso, deviam condecorar Kate Middleton com uma medalha de mérito por fazer serviço público, uma medalha dourada que tivesse a seguinte inscrição: KEEPING THE DREAM ALIVE. Seria cómico, no mínimo.


Não sei ao certo, mas penso que li algures que, actualmente, há no mundo inteiro 31 monarquias. Como não tenho paciência para uma investigação mais detalhada, vamos partir do princípio que cada uma delas conta com dois príncipes solteiros: isso resulta em 62 potenciais casamentos com meninas plebeias. E, assim sendo, a mensagem de esperança de Kate aplica-se hipoteticamente a 62 pessoas espalhadas por 31 países do mundo. Meritório, não haja dúvidas. Se tudo correr bem, as tais meninas plebeias percebem isso, e o que acontece? Temo-las espalhadas pelo mundo a cantar "I´m beggin of you, please don´t take my man!".


Também não entendo a originalidade da ideia do príncipe casar com uma menina do povo, depois do caso de Letizia Ortiz. Um casamento com uma sem-abrigo seria mais criativo.


Acho ainda curioso o facto de Portugal ser uma República, portanto, não tendo monarquia, para onde vai essa "mensagem de esperança"? Mais ainda, mesmo que esse fosse o caso, em que é que sonhar ajuda quando estamos a lidar com a questão da crise, que, aparentemente, bem que pode passar para segundo plano ao lado do casamento real britânico?


Uma vez mais, temos a televisão a desprezar aquilo que realmente importa: consciencializar as pessoas acerca daquilo que se está a passar.


Tudo bem... temos uma crise a decorrer e preparamo-nos para viver mais espartilhados do que o habitual, mas felizmente há, não luar, mas casamento real. No Reino Unido.



domingo, 30 de janeiro de 2011

Berlusconi com telhados de vidro

Silvio Berlusconi, que já devo ter referido aqui, está no primeiro lugar dos meus assuntos risíveis da semana, ainda que essa lista nunca seja particularmente extensa.
O homem recto, sério, católico, defensor dos bons-costumes e das belas tradições está agora no centro de mais um escândalo sexual.
Sinceramente, desde o caso Bill Clinton-Monica Lewinsky- Hillary Clinton, nunca mais encontrei um escândalo sexual que me parecesse particularmente interessante. Esse, sim, esteve na vanguarda, com mentiras, reconciliações e o envio da letra de "Do What You Have to Do" de Sarah McLachlan de Lewinsky ao presidente Clinton.
A partir daí, cada escândalo sexual é apenas mais um.
No entanto, o caso de Berlusconi, acusado de ter sexo com prostitutas menores, veio lançar dentro de mim uma felicidade extrema.
Berlusconi, o homem sério que proibiu a publicação de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" de José Saramago, para proteger a moral, é afinal agora acusado de crimes sexuais. Claro que eu duvido que haja repercursões fortes na carreira de Berlusconi. Mas a imagem é outra coisa. E, em muitos dos casos, é mesmo a imagem que interessa.
Bem-vindo aos pecadores, Silvio!!!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Guevara I


Levaremos ainda as nossas roupas
vossos idílios sobre os sulcos
vossos pães vossas sujas refeições
pelas clareiras vossas tatuagens.

Levaremos as vossas agonias.
Coisas. Vestígios ácidos da dor.
Estilhaços. Matéria.
Vossas fontes sugadas e musgosas.
Vossas hostes elementares.
O encolher dos dedos sob as mantas
nas ciladas. Vigílias. Levaremos
vosso cheiro a folhagens e a verão.

Levaremos na pele vossas cidades
em sua inexistência.
Vosso rijo manobrar dos fusis.
Recondução da história. O novo, o limpo
acumular dos corpos para o cio.

Levaremos os climas. Mais cerrados,
no lugar da memória, avançaremos
com vossos restos de calcinação.
Avançaremos todos com os ombros
quase amorosamente protegidos
por ombros paralelos.
Seguiremos e de ecos indignados
seguiremos por onde nos chamastes.

E ainda traremos certas águas
tranquilamente sobre as tardes vilas
onde o ciclo dos sangues se fundia
das raparigas nunca virgens, e outro,
o fértil, sobretudo, em vossas chagas.

Hélia Correia
da antologia "10 Poemas Para Che Guevara",
org. Egito Gonçalves, 2a ed. Campo das Letras, 1997

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Freddy vs. Jason

Como qualquer pessoa que aprecia um bom espectáculo com caras conhecidas e falado em português, reservei os últimos quarenta e cinco minutos para ver o debate entre José Sócrates e Paulo Portas.
Adianto já que, para mim, o vencedor é Constança Cunha e Sá, que saúdo solenemente. Foi a minha preferida porque conseguiu passar os quartenta e cinco minutos sem acusar os senhores de nada, sem usar a palavra "demagogia" e, o mais surpreendente, sem atirar com objectos contundentes à testa dos líderes em questão.
Relativamente aos dois senhores propriamente ditos, não estiveram tão bem como a moderadora. Mesmo assim, recebem crédito por uma coisa: nunca imaginei que um debate entre a direira portuguesa desse tanta discussão. É que mesmo sendo ambos de direita, não pareciam estar de acordo em nada.
De qualquer maneira, devo dizer que, no que toca a discussões, já as ouvi mais sugestivas em mesas de café. De facto, este debate define-se assim: Sócrates acusa Paulo Portas de demagogia e atira-lhe com funny facts do seu passado político. Portas acusa Sócrates de ser um falhado. Sócrates faz, acima de tudo, propaganda dos seus feitos como primeiro-ministro.
O mais sinistro de tudo foi que, por duas ou três vezes, acabei por dar razão a coisas que Paulo Portas dizia. Estranho. Nunca me tinha acontecido.
Ao longo do debate, Portas referiu a subida dos impostos, do desemprego, da insegurança... coisas que o primeiro ministro negou, apesar de todo o país saber que são verdade.
O líder do CDS-PP pontuou ainda quando referiu a relação professores-ministério da educação, em praticamente tudo o que disse: que o governo do PS virou os professores contra os pais contra os alunos contra a opinião pública, enfim, virou tudo contra tudo. Mais ainda, gabo-lhe ter referido as eternas burocracias, o facilitismo, o ridículo dos moldes da avaliação dos professores, e, tiro a Portas o chapéu principalmente por ter referido que o pior erro de Sócrates foi ter atirado para o mesmo saco os professores sem brio profissional e os com brio profissional.
Quanto ao Primeiro Ministro, que nada disse sobre as suas intenções para os próximos quatro anos, caso seja eleito, acho que já chega daquele discurso de, nas palavras de Paulo Portas "culpar o passado ou culpar o mundo". Aquele discurso de que a oposição só o ataca e não lhe dá elogios nenhuns faz lembrar quando Santana Lopes dizia que o seu governo era um bebé numa incubadora a quem os outros bebés só davam pontapés.

sexta-feira, 6 de março de 2009

associações de pais, ide-vos foder!

Há muitas coisas que eu não percebo, e há outras que cada vez percebo menos. A questão das associações de pais deste nosso jardim à beira mar plantado é uma delas. Há uns tempos, a CONFAP (confederação de associações de pais) veio rondar a mui iluminada ministra Maria de Lurdes Rodrigues com ideias de um prolongamento do tempo de aulas até às 7 da tarde. Aliás, aulas não, só de permanência das criancinhas na escola. Disseram que os professores poderiam, por exemplo, passar uns vídeos.
Mas, como eu dizia, se há coisas que não percebo, há outras que cada vez percebo menos. Neste caso, cada vez percebo menos porquê que esta gente teve filhos. Partamos do princípio que a iluminada da educação segue estes delírios e promulga esse prolongamento. Os putos chegam a casa depois das sete, jantam, vêm um pouco de TV, deitam-se e no dia seguinte lá vão de novo das nove às sete da tarde, so it ends so it begins. Visto por outro prisma, os pais nem precisam de se preocupar com eles, nem de estar muito com eles. Vão apanhá-los àquela hora, dão-lhes de comer, mandam-nos lavar os dentes, e cama que o mal deles é sono.
Nunca na vida eu quis ter filhos, precisamente porque me reconheço incapaz de dedicar a uma criança o tempo que ela necessitaria, acrescido ao facto de não ter grande paciência para birras e berros. Mas, aparentemente, nem todos têm a mesma auto-consciência que eu tenho. E então, seguem esta lógica: fodem, engravidam, dão à luz, e a seguir atiram com eles para a escola o máximo de tempo possível para não terem que os aturar, e assunto resolvido. Pergunto eu: não seria mais simples não os terem tido? Era menos despesa, e de certeza menos encargos para terceiros, que neste caso são os professores.
Como se não bastasse a palermice de quererm ver-se livres dos filhos que, em princípio, ninguém os obrigou a ter, ainda atiram essa encrenca para as costas dos professores. E isto acarreta, parece-me, dois problemas essenciais: primeiro, o curso destes professores é para ensinar, para dar aulas, não para serem amas-secas pagas pelo estado para passarem uns vídeos e entreterem as criancinhas; e segundo, esses professores são antes disso pessoas que podem também ter tido essa pouco frequente ideia de ter filhos. E se calhar, até querem passar algum tempo com eles. Mas não. De acordo com os desejos da confap, os professores não têm nada que passar tempo com os seus filhos, porque a prioridade é aturarem os filhos dos outros que não os estão para aturar.
Isto é normal? Eu não acho. Mas se alguém achar, por favor, esclareça-me.
Entrei este ano para o Ensino Superior, o que quer dizer que quando andei no básico, a escola era até às quatro da tarde, e depois disso, os meus pais arranjavam como tomar conta de mim. E sobrevivi sem prolongamentos até às 5 e meia, e muito menos sem prolongamentos até às 7.
Ainda bem que isto só surgiu agora que o governo quer ser reeleito, porque senão, Maria de Lurdes Rodrigues teria tirado mais diversão disto que dum charro.
Mas, à minha adorada confap, deixo uma sugestão: porquê pedir até às sete? Peçam já um serviço 24-7! Estão a ser modestos para quê?