quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eunomia (fragmento)

O seguinte texto foi-me enviado, generosamente, pela Hélia Correia, a quem agradeço a partilha. Trata-se de um poema de Sólon (sécs. VII-VI a.C.), autor da primeira Constituição de Atenas, escrita em verso. Se fosse preciso mais algum motivo, além da qualidade poética, para reproduzir aqui este fragmento, atente-se na sua impressionante actualidade, tão coincidente com os tempos de indigência que a Europa (E não só.) atravessa agora.
À Hélia, ainda, devo um apontamento que é importante para uma boa compreensão do poema: que Desordem e Boa Ordem correspondem na verdade a dois conceitos diferentes dos que lhes atribuimos hoje _ Desordem é a lei disfuncional, Boa Ordem é a lei harmoniosa.
 
 
A nossa cidade jamais perecerá, por vontade de Zeus
                e querer dos deuses imortais; bem-aventurados.
Sobre ela estende os braços, magnânima e vigilante,
               Palas Atena, filha de um pai ilustre.
Mas querem destruir a grande urbe, com os seus desvarios,
               cedendo às riquezas, os próprios cidadãos,
e dos chefes do povo o espírito injusto, a quem está destinado
              sofrer muitas dores pela sua grande insolência.
Pois não sabem refrear os seus excessos, nem pôr ordem
              nos bens presentes na paz do banquete.
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Enriquecem arrastados por acções injustas.
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              Sem poupar as posses dos santuários ou do povo,
roubaram a saque, cada um para seu lado;
              não guardam os alicerces veneráveis da justiça,
que, em silêncio, conhece o presente e o passado,
              e, com o tempo, vem a exercer vingança.
É esta a ferida inevitável que já surge em toda a cidade,
             que se precipita, veloz, na desgraça da escravatura,
que desperta a revolta civil e a guerra adormecida,
            que perdeu a amável vida de tantos.
Em breve uma cidade muito estimada é arruinada pelos inimigos
           nas conspirações caras aos malvados.
São estes os males que agitam o povo.
            E muitos dos indigentes demandam a terra alheia,
vendidos e atados com cadeias ignominiosas. 
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E, assim, a desgraça pública entra em casa a cada um.
           E as portas do pátio não podem detê-la.
Mas salta a elevada fortaleza, e acha quanto quer,
           ainda que se fuja para o recesso do tálamo.
Manda-me o meu coração que ensine aos Atenienses estas coisas:
          como a Desordem causa muitas desgraças ao Estado,
e a Boa Ordem apresenta tudo bem arranjado e disposto,
            e muitas vezes põe grilhetas aos injustos.
Aplaca as asperezas, faz cessar a saciedade, enfraquece a insolência,
           faz murchar as flores nascidas da desgraça,
endireita a justiça tortuosa e abranda os actos
           insolentes, termina com os dissídios,
cessa a cólera da terrível discórdia, e, sob o seu influxo,
          todos os actos humanos são sensatos e prudentes.
 
 
tradução de Maria Helena da Rocha Pereira
imagem: A Fome de Júlio Pomar
 

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