Perante problemas financeiros graves num país, a maioria das pessoas reage com pessimismo e derrotismo. Há manifestações, greves, trocas mais pacíficas ou menos de opiniões, a procura de culpados que invariavelmente saem impunes (Isto, pelo menos, em Portugal.), uma camada numerosa abandona o país, havendo os que planeiam regressar e aqueles que não.
No meio de tudo isto, há sempre aqueles que se afirmam com um discurso que contraria o da maioria, argumentando contra o derrotismo, numa atitude infinitamente positiva que, bem vistas as coisas, é por demais conveniente tanto aos Governos pouco interessados em melhorar a vida das pessoas, como aos responsáveis verdadeiros dos dramas monetários que fizeram abater-se sobre a população, mas pelos quais não são assim tão prejudicados.
Hoje, no P3, Sofia Rodrigues escreve um texto intitulado Miguel Gonçalves, o ''embaixador'' que Relvas conheceu no YouTube. Como o esclarecedor título mostra, Miguel Relvas, Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, encontrou um ''embaixador'' para a iniciativa Impulso Jovem.
Miguel Gonçalves, é, segundo o artigo, ''fundador de uma empresa de criatividade especializada na criação de soluções de comunicação interna'' (Seja isso o que for.), que Relvas conheceu através de um vídeo no YouTube (Este.) filmado no TEDxYouth em Braga.
Aparentemente o discurso empreendedor e positivo de Gonçalves seduziu o ministro, que o achou adequado a ser, gratuitamente, o rosto da iniciativa que pretende combater o desemprego entre os jovens.
Que sedutor discurso é este? É um discurso proferido por uma figura um tanto caricata, com um sotaque acentuadíssimo do norte, que consiste em meia hora de power positive thinking pejado de estrangeirismos, insistindo com os jovens para que tenham uma atitude empreendedora, histriónica, destemida e que, acima de tudo, se deixem de lamúrias e de reclamações (Imitando ambas num tom bastante jocoso.). O que tem este discurso para o tornar adequado a dar a cara pelo Impulso Jovem?
Tem tudo, evidentemente. Quando Miguel Gonçalves afirma que no admirável mundo do negócio, o que interessa é dar tudo pela empresa, chegando mais cedo e saindo mais tarde, está a negligenciar o facto de que, as mais das vezes, tratando-se ainda por cima de jovens trabalhadores, as empresas procuram essencialmente alguém a quem explorar. Assim, o discurso de Gonçalves parece, até certo ponto, incentivar os jovens trabalhadores a sentirem a alegria de serem explorados.
Há também um certo pendor de vitimização das empresas no discurso deste ''empreendedor''. Interessa aquilo que as empresas querem, o que precisam? Concerteza que interessa, visto que são elas, aqui, que vão empregar os candidatos. No entanto, neste discurso, Miguel Gonçalves aprova o facto das empresas preferirem aqueles que, mesmo menos capacitados, têm uma atitude positiva e servil face ao empregador, o que é não só desvalorizar por inteiro a competência real de um candidato para determinado trabalho; como, por outro lado, um incentivo à falta de consciência ética e social de uma empresa. Isto, porque o facto das empresas serem detentoras de uma grande quantidade de dinheiro e, consequentemente, do poder de dar empregos, deveria significar para essas empresas uma responsabilidade dessas ordens _ética e social_, em vez de, como acontece na verdade, aumentar apenas a ganância e a prática da exploração daqueles que dependerão delas e que é uma forma de enriquecer as empresas e sugar os trabalhadores.
Actuação de negócio, se pegarem na palavra, só significa ''a tua acção'', a tua, não é do Governo, não é da troika nem do FMI, nem das Universidades, nem das empresas grandes ou pequenas, é tua, está em ti o locus de causalidade. Isto é o que nós estamos a perceber, cada um de nós tem o poder para actuar e agir e controlar o seu posicionamento no mercado. Há muita gente a fazer as perguntas erradas.
diz Gonçalves, a cerca de oito minutos do seu discurso. Uma ideia interessantíssima que deposita no próprio trabalhador recém-licenciado a responsabilidade e a capacidade de entrarem no mercado de trabalho e serem bem sucedidos. Mas o ponto essencial aqui, que talvez passe despercebido, é o facto de se retirar do Governo e das empresas a responsabilidade de viabilizar sequer essa entrada. Dizer que depende apenas do trabalhador assegurar um trabalho é isentar de culpa o Governo, ou os vários Governos que, de várias formas, permitiram o afundamento das finanças numa dívida cujo pagamento afecta muito mais o cidadão comum do que aqueles que causaram essa dúvida; e isentar de responsabilidades as empresas. O problema de Portugal nunca foi faltar trabalho foi, isso sim, a falta de dinheiro para pagar esse trabalho, ou a falta de vontade de gastar esse dinheiro. É um facto que, neste momento, as empresas têm sabido aproveitar as dificuldades dos jovens em encontrar emprego para os contratarem em condições miseráveis e, pior ainda, sem qualquer perspectiva de alguma vez conseguirem trabalhar noutras condições.
Isto tudo, para nem referir o facto de, para Miguel Gonçalves, serem de longe muito menos importantes a competência e a preparação do que a capacidade de um indivíduo para se vender a si mesmo.
Um sujeito como Miguel Gonçalves é a água perfeita para o Governo e as empresas lavarem as mãos da sua responsabilidade de criar emprego, de criar condições de emprego e de, de uma vez por todas, entenderem que o dinheiro deveria trazer consigo uma série de obrigações. Incentivar os jovens a terem uma atitude positiva face à exploração não diminui a exploração nem melhora a vida de ninguém.
Devíamos parar de nos queixar? Talvez. Mas de certeza que a melhor atitude para substituir a queixa não é a subserviência disfarçada de empreendedorismo. A atitude de Miguel Gonçalves pode ser a melhor para a situação em que vivemos, mas só conduz ao perpetuar dessa situação. Criticar essa situação, incitar os jovens a revoltar-se contra ela, a procurar mudá-la a todo o custo seria muito mais interessante, mas também muito mais polémico. E é provável que Relvas não o tivesse convidado a dar a cara pelo Impulso Jovem, gratuitamente, claro: para quê pagar quando se pode ter de graça?
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