segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Foguete na Meia de Vidro

Lembro-me das senhoras usarem meias de vidro
e de haver mulheres que reparavam os foguetes,
horas e horas debruçadas
sobre uma espécie de pequeno bastidor
-com mão direita e destra
apanhavam as malhas.
Cuecas, meias, camisolas interiores,
novelos de lã e de algodão,
linhas de coser e de bordar
agulhas e alfinetes de picar
eram coisas que se compravam na retrosaria.

Na nossa,
a "Dona Branca",
havia uma menina
-ou seria uma senhora-
que apanhava foguetes a um canto.
Perto da porta,
por isso permanentemente exposta,
como os sutiens na berra
ou os lencinhos de mão
(em baixa).
As únicas palavras
que recordo ter ouvido da sua boca
doce
têm a ver com a história de um homem
-o seu-
que morreu fulminado por um raio,
à beira mar,
numa tarde de tormenta estival.
Chamuscado.
Carbonizado.
Esturricado.

Eu tinha cinco anos,
se tanto...
Só mais tarde apareceram os frangos de churrasco,
à angolana,
com piri-piri a gosto.
E então essas palavras
passaram a ligar-se aos galináceos
e já não àquele homem.

Quando troveja não durmo
-troveja,
vejam bem,
dentro de mim.


Regina Guimarães
Caderno do Regresso
2010, ed. Hélastre
pintura de Salvador Dalí

Sem comentários: