terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Conceito de Arranha-Céus e "Metropolis" de Fritz Lang: Algumas Aproximações

1.
A ideia do arranha-céus, apesar de, em Arquitectura, ter sido concretizada apenas a partir do século XIX, tem uma origem bem mais recuada.
A título de exemplo, penso que não será despropositado referir a mitologia egípcia, e especificamente, o caso de Geb e Nut, filhos de Rá e pais de Ísis e Osíris. Ao enfurecerem o pai com o seu romance, foram por ele castigados, e condenados à separação. Assim sendo, é frequente que a representação destes dois deuses se faça desenhando Geb deitado no chão, com as costas curvadas e o pénis erecto, tentando, sem sucesso, penetrar Nut, representada no lugar do céu, em posição de cúpula, apoiada pelos braços e as pernas.




Dado que a cultura do Egipto Antigo era extremamente religiosa, tendo dado um sentido sacro até às mais ínfimas parcelas do pensamento e do quotidiano, é fácil concluir que também a ambição de, da terra, tocar o céu faria parte das suas aspirações enquanto povo; ainda mais quando sabemos que, segundo o Livro dos Mortos, o céu era o lugar onde permaneceriam aqueles que, depois da morte, atravessassem com sucesso a Passagem das Almas.
Ainda relativamente ao Egipto Antigo, é de referir que aí se construiu aquele que se pode considerar o edifício dos antípodas do Arranha-Céus: as Grandes Pirâmides de Gizé, com 146 metros de altura, cerca de 2560 a.C., altura que até ao séc. XIV d.C. não foi ultrapassada.
Esta ideia parece-me ganhar alguma relevância mais quando lembramos que, ainda actualmente, não há uma altura mínima que distinga o arranha-céus. Se o critério é que o edifício, habitável, claramente se destaque do skyline da cidade em que está implantado, então certamente as Pirâmides de Gizé poderiam ser arranha-céus, não fosse o facto de serem túmulos, e não habitações.
Nas cidades medievais, o skyline era bastante irregular, e não era raro encontrarem-se casas altas, ou mesmo torres, como as duas Torres de Bolonha (séc. XII), normalmente edificadas por famílias abastadas, uma vez que uma habitação que se destacasse, neste caso pela altura, das restantes, não deixava de ser um sinal de Poder e de abastança.




Mas será no século XIX que começarão a surgir os primeiros arranha-céus aceites como tal. O Oriel Chambers de Liverpool -do arquitecto Peter Elis, com apenas cinco andares, era invulgarmente alto para a sua época, mas não o suficiente para ser totalmente aceite enquanto arranha-céus.
Assim sendo, é o edifício Wainwright, em St. Louis (Missouri), dos arquitectos Louis Sullivan e Dankmar Adlen aquele que se considera o primeiro verdadeiro arranha-céus, concluído em 1891, a nove anos do final do século XIX.
Ainda antes do final do século XIX, assistimos a uma certa quantidade de edifícios de altura invulgar ser edificada nas cidades de Chicago, New York e Londres. Nesta última, a construção de vários arranha-céus desagradou à Rainha Victória, que lançou vários regulamentos sobre a altura-limite das construções, que, na sua maioria, vigoraram até aos anos 50.
Então, desde a última década do século XIX e um pouco por todo o século XX, veremos o arranha-céus tornar-se uma tipologia comum e recorrente, ao ponto de, a certa altura, podermos ficar com a impressão de que a sua construção chega a constituir uma verdadeira competição. Essa competição, evidentemente, é pela construção do edifício mais alto do mundo.




O American Surety Building, do arquitecto Bruce Price, em New York, concluído em 1896, foi, durante vários anos, o edifício mais alto do mundo.




Em 1930, também em New York, o Chrysler Building, do arquitecto William Van Hallen, ultrapassaria, em altura, o de Price, e tornava-se “o mais alto”. Não por muito tempo pois, em 1931 o Empire State Building, de William F. Lamb, substitui-lo-ia, e, até 1971, com a conclusão das Torres Gémeas do World Trade Center, deteria o tão invejado título.
Além da corrida pelo recorde de altura, a construção de todos estes edifícios permite-nos também traçar já algumas características comuns do arranha-céus. Exemplo disso são a utilização de estruturas de ferro, mais capazes de aguentar a sobreposição de andares, a predominância do vidro nas fachadas, e, no caso dos edifícios de 1930 e 31 acima referidos, é de notar que ambos terminam com espigões, reforçando a ideia de que se trata de um “arranhão” ao céu.



2.
“Metropolis” foi um dos filmes mais aclamados de Fritz Lang. Ele é resultado directo de uma viagem de Lang aos Estados Unidos, mas recusa qualquer um dos resultados mais taxativos, preferindo metamorfosear o que viu da América no seu estilo expressivo e meticuloso,a que não é estranha a influência do expressionismo alemão, e também a influência das artes plásticas. Nestas, se a Arquitectura é a mais evidente, não pode deixar de se ver a influência da pintura abstracta e da pintura futurista, através das morfologias visuais e das noções de movimento.
Sobre a influência do Futurismo, as referências são incontáveis. O fascínio pela máquina, pela tecnologia e pelo frenesi são características incontornáveis para este tempo (O próprio Fernando Pessoa, em Portugal, a elas cedeu.), mas específicas para este movimento artístico específico, como demonstram as pinturas de Marinetti e algumas das pinturas de Marcel Duchamp.
Mas, apesar de tudo isto ter peso no filme de Lang, é justo dizer que foi através da Arquitectura que ele conseguiu expressar as suas impressões da América. De facto, quando nos apresenta a sua metrópole moderna e evoluída, o elemento que primeiramente nos dá indícios de estarmos perante uma cidade futura é a imagem dessa cidade, da sua construção.
O que vemos são edifícios de grande escala, construidos essencialmente em altura. Ao vermos as pessoas que passam, temos ainda maior consciência da escala quase megalómana desta metrópole.
Numa primeira observação, poderíamos entender que é através da grandiosidade ou da escala que Lang nos dá uma noção de modernidade. Mas à medida que o filme avança, avançamos nós também na nossa percepção desta cidade. É assim que entendemos que toda aquela imensidão não é só indício de avanços tecnológicos. Esta metrópole é também habitáculo de um sem-número de pessoas, que ali vivem extremamente concentradas. A relação com a experiência da viagem à América parece-me aqui realmente nítida. Porque, entre toda a euforia daquela cidade (construida e vivida), Lang consegue dar também uma impressão de como ela pode ser irrelevante e de como é possível nela estar-se absolutamente só. Esta dicotomia tem sido tema dos mais variados projectos artísticos, de que refiro a título de exemplo o díptico “66 Scenes From America” (1982) e “New Scenes From America” (2003) de Jorgen Leth.
Efectivamente, os cenários são uma parte crucial de “Metropolis”, pois todo o enredo teria uma resistência menor sem eles. E não só estes cenários constituem uma base para o enredo como, isolados, eles são capazes de transmitir também uma mensagem.
Na primeira parte deste texto, defendi que a ideia de, da terra, conseguir tocar o céu, não era cueva às possibilidades técnicas que permitiram a construção dos primeiros arranha-céus.
Portanto, vendo “Metropolis”, concluo que a grande modernidade que Lang filma não tem tanto a ver com o Homem ser capaz de construir edifícios altos ou “os mais altos”, mas sim em ser capaz de construir para satisfazer os seus desejos mais antigos e aparentemente irrealizáveis.


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