terça-feira, 16 de novembro de 2010

Guevara III


Olho por onde tudo se habitua
aos vossos corpos infundados, secos
de esperma e devastadamente
insepultos no lastro das florestas.

Nos matagais, nos frutos maturados
sobre o nascente.
Neste repouso agora acostumado
aos pormenores do solo, aos bichos mornos
que noticiam a putrefacção.

Vou por onde morrestes. Vou por onde
vossos pés instigaram aos caminhos.
Vou pelos meses em que abandonastes
por sol muito ardido e muito denso
os vossos sítios de nascer e amar.
Tempo em que a este exílio vos voltastes.

Desunidos os mares, adormentadas as monções,
ouvidos os prenúncios das velhas sobre a ordem,
eis as colinas, o que demandáveis.
Sítios de barro. Fécula. Resíduos.
Fermentação. Torpor.

Aqui chegaram vossas palavras únicas, as vossas
alcantiladas noites de instrução.
Aqui, sobre os rochedos, sobre o casco
de árvores principais,
a vossa pele segregou a marca
quente e dulcificada do suor.

Reconheço o lugar. Vossos perfis
magramente envolvidos para o estrume
das plantas invernais.

....................................Vossas severas,
vossas meigas mãos.


Hélia Correia
in "Poemas a Guevara"
selecção de Egito Gonçalves
2a ed, Limiar, 1975
imagem: Che Guevara, depois de executado

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