O Marquês de Sade terá sido dos primeiros autores a escrever de uma forma directa e crua sobre o jogo de poder que está por vezes implícito na sexualidade. Os '120 Dias de Sodoma', obra onde a imaginação do Marquês se revela de forma mais exacerbada, colocam-nos perante um grupo de quatro homens que se retiram para uma mansão com quatro meretrizes e uma trupe de escravos e escravas, com quem satisfarão as suas extravagâncias sexuais.
O escândalo que os livros do Marquês causaram prolongou-se por muitos anos e se, hoje, já temos um leque bastante mais alargado de autores mais recentes que falam directamente sobre sexo e sexualidade, a verdade é que parte do pudor em ler ou falar de certas obras não desapareceu totalmente.
Léopold de Sacher-Masoch é um exemplo, um pouco mais próximo de Sade e, no princípio do século XX, três nomes surgem para se tornarem definitivos no universo da literatura erótica: D.H. Lawrence, Henry Miller e Anaïs Nin.
Precisamente Anaïs Nin estreou-se nos livros em 1932 com um pequeno estudo intitulado 'D.H. Lawrence: An Unprofessional Study', um ensaio que causou uma certa polémica, por ser uma mulher a analisar e a louvar a obra de Lawrence, que a maioria dos críticos rejeitava, pelo seu conteúdo erótico um tanto desabrido para a época. Hoje, Lawrence é relativamente apreciado e, ainda que nem todas as suas obras gozem da mesma popularidade, grande parte dela encontra-se disponível, analisada e traduzida em várias línguas. Em português, encontramos vários dos livros deste autor.
A nota que aqui quero deixar refere-se a alguns aspectos (E não ao todo.) de um conto de D.H. Lawrence cuja primeira tradução para português foi, penso, a editada em 1987 pela Hiena Editora, em tradução de Aníbal Fernandes, entretanto reeditada pela Assírio e Alvim.
O prefácio, escrito pelo tradutor, tem como título 'Senhor e Servo'. Não ao acaso, pois um dos aspectos mais singificativos deste conto prende-se precisamente com a questão do poder, e da sua relação com o erotismo.
O conto veio a público pela primeira vez numa revista em 1914, e, ainda no mesmo ano, foi incluído num livro de contos do autor, ao qual dava título. Fala-nos de um oficial prussiano e da sua ordenança, um soldado mais novo, forte e bem parecido. O texto acompanhará a relação entre os dois, em que a atracção sexual nunca consumada é sublimada através da relação de poder.
O que aqui é analisado, a relação entre desejo e poder, já tinha sido, de certa forma, abordada pelo Marquês de Sade nos '120 Dias de Sodoma'. No entanto, Lawrence e o Marquês encontram-se, na mesma questão, em frentes opostas. O Marquês fala-nos essencialmente do poder do senhor sobre o seu servo, um poder que não se anula nem conhece hesitações. Um dos exemplos mais claros disto prende-se com a questão da penetração, que poderíamos interpretar como uma forma de simbolizar não o poder, mas certo poder: o que acontece entre os senhores e os seus escravos no livro do Marquês é que a penetração não é, de facto, símbolo de poder algum, porque, mesmo quando são penetrados pelos seus escravos, os senhores continuam sendo senhores, continuam a deter todo o poder, tal como os escravos continuam a ser escravos e nada mais.
A razão essencial disto está na própria escrita do Marquês: os escravos dos '120 Dias de Sodoma' não são pessoas, são objectos para serem utilizados, e as únicas personagens com direito a profundidade são os senhores. Os escravos, um pouco como acontecia na democracia grega, não são seres humanos, ou, se o são, são-no de uma raça inferior e sem direitos.
'O Oficial Prussiano' de Lawrence não se identifica com esta perspectiva. A sua análise é mais cuidada e o conto, escrito na terceira pessoa, centra-se tanto naquilo que sente o oficial como naquilo que sente o seu subalterno. O desejo sexual acontece de parte a parte, mas nenhum dos dois se deixará dominar pela inclinação pouco aceitável para a época e para o contexto. Assim, o desejo é violentado pela negação e canalizado para a agressividade. O oficial passa a mal-tratar fisica e psicologicamente o seu subalterno, trazendo-lhe o seu sadismo uma agradável sensação de controlo, tanto como uma certa vergonha que pressupõe um ligeiro sentimento de culpa. Por sua vez, o subalterno odeia o seu capitão, sem no entanto conseguir odiá-lo plenamente, e sem conseguir evitar o jogo em que sai espezinhado. Quando, na segunda secção do conto, consegue finalmente rebelar-se, matando o seu capitão, é consumido por uma desolação e uma desorientação que o impedem de reagir, acabando por morrer também.
O que, no fundo, é analisado neste conto de Lawrence, é a relação de codependência entre o senhor e o seu servo. Em Sade, os escravos, despidos da sua condição humana, estão nas mãos dos seus senhores, que podem fazer deles o que quiserem, não tendo os escravos qualquer hipótese de rebelião ou de libertação e os senhores, seguros pela inamobilidade do seu poder, podem perfeitamente eliminar os seus escravos, pois, de seguida, encontrarão outros. E, efectivamente, são poucos os escravos sobreviventes no final dos '120 Dias de Sodoma'. O próprio Sacher Masoch, em 'A Vénus das Peles' apresenta-nos um homem de bom nascimento que voluntariamente se torna escravo de uma mulher de bom nascimento também. Mas mesmo assim, encaminha-se para a tendência de Sade pois, ao tornar-se escravo, esse homem abdica da vontade própria, da capacidade de fugir, do livre-arbítrio, enfim, de toda a identidade, comportando-se de forma muito semelhante aos escravos da obra de Sade.
Em Lawrence, as coisas processam-se ao contrário. Depende o servo do senhor tanto quanto o senhor depende dele. A sexualidade desviada para a agressividade origina um jogo doentio de poder e agressão de que ninguém pode sair vencedor, porque o servo, ao ser vítima, tem também poder, quando muito o poder de fazer do senhor o seu senhor. Daí que no conto não haja uma concretização do desejo. A concretização anularia o jogo, tornaria iguais senhor e servo. O mesmo acontece com a morte, essa sim consumada. O servo assassina o seu senhor, mas percebe que a sua vida acabou também, e acaba por efectivamente definhar, ficando lado a lado com o seu senhor na morgue. Ou seja, ao tentar libertar-se do seu senhor, mantando-o, o servo sela o seu destino: não poderá libertar-se. O mesmo teria acontecido se fosse ao contrário, pois o senhor não poderia ser senhor sem o seu servo. A submissão do servo é, portanto, uma forma outra de exercer o poder.
A intromissão do poder na sexualidade, como em muitas outras coisas, já foi analisada em literatura, em psicanálise e nas mais variadas áreas. O poder do dominínio e o poder da submissão são assunto de muitos textos e não só e se esse poder é bom ou mau, fica ao cargo de cada um.
Aquando da publicação do seu 'Caim', José Saramago referiu-se à bíblia como um manual de maus costumes e um catálogo de crueldade. Concordo. O romance de Saramago colocava Caim numa divagação por vários cenários bíblicos que argumentavam a favor desta ideia. Mas sobre os jogos de poder entre senhor e servo e a perversidade que pode existir nesses jogos, a própria bíblia contém alguns exemplos interessantes. Como qualquer texto, a bíblia é susceptível de várias leituras e, portanto, aquela que aqui deixo, não invalida que outras pessoas tenham outras leituras deste episódio, como não invalida que eu mesmo tenha outras leituras deste episódio.
Um fariseu convidou-o para comer consigo. Entrou em casa do fariseu eu pôs-Se à mesa. Ora uma mulher, conhecida como pecadora naquela cidade, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com perfume; colocando-se por detrás d'Ele e chorando, começou a banhar-Lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume. Vendo isto, o fariseu que O convidara disse consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» Então Jesus disse-lhe: «Tenho uma coisa para te dizer, Simão». «Fala Mestre», respondeu ele. «Um prestamista tinha dois devedores: Um devia-lhe quinhentos denários e outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou os dois. Qual deles o amará mais?» Simão respondeu: «Aquele a quem perdoou mais, creio eu.» Jesus disse-lhe: «Julgaste bem.» E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não Me deste água para os pés; ela, porém, banhou-Me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. Não Me deste um ósculo; mas ela, desde que entrei, não deixou de beijar-Me os pés. Não Me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-Me os pés com perfume. Por isso, digo-te Eu, que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou. Mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.» Lucas 7:36-47
independentemente da beleza desta cena, ela implica um acto de submissão, em que Maria Madalena, serve Jesus Cristo, lavando-lhes os pés e enxugando-lhos com os seus cabelos, o que coloca Cristo numa posição de senhor. Representando a servidão uma forma de amar, em troca, Cristo perdoa a Maria Madalena os seus pecados.
Vendo as coisas assim, o próprio conto de D.H. Lawrence ganha outros contornos. Se o exercício do poder não se esgota, em ambas as partes, no próprio prazer desse exercício, haverá outras compensações. No caso de Lawrence, a compensação parece ser a própria vida, o direito a uma identidade, seja ela qual fôr. Por outro lado, ainda podemos encontrar uma terceira compensação para o exercício do poder: agredir ou ser agredido são, para respectivamente o senhor e o servo, a forma que existe de manter por perto o objecto de desejo, de alimentar não o corpo, mas uma fantasia. Não é de desprezar, porque a não-concretização do desejo sexual não é infrutífera: enquanto não se concretiza, permite imaginar as coisas mais prazerosas, e a própria fantasia proporcionará uma satisfação, apenas não a mais imediata.
A cultura popular tem frequentemente colocado em frentes opostas a razão e a emoção, dizendo mais ou menos que amor e razão são dissonantes e incompactíveis. Se na cultura popular esta ideia tem uma incidência muitíssimo acentuada, na cultura erudita também existem vários exemplos desta oposição.
Depois de uma viagem à Bélgica, a partir da qual comecei a procurar e a ler mais aprofundadamente alguns autores belgas contemporâneos e menos recentes, deparei-me com a obra intensíssima da enigmática Hadewijch de Antuérpia (Ou Hadewijch do Brabante.).
O nome de Hadewijch não será totalmente desconhecido para certos leitores portugueses, uma vez que esta mística flamenga do século XIII é uma das figuras presentes nos livros de Maria Gabriela Llansol. Àparte a presença em Llansol, Hadewijch é uma desconhecida na cultura portuguesa, existindo dela apenas algumas traduções de João Barrento no álbum 'Europa em Sobreimpressão: Llansol e as Dobras da História' (2011).
Editada já em 1980, existe a obra completa de Hadewijch, traduzida do médio-neerlandês para inglês por Columba Hart, que introduz também a edição, prefaciada por Paul Mommers, um dos principais estudiosos belgas a debruçar-se sobre a mística medieval flamenga, e também um dos editores da obra de Hadewijch na Bélgica. A colecção em que este livro está integrado é digna de referência. The Classics of Western Spirituality é uma colecção da Paulist Press americana, que edita traduções de vários textos religiosos principalmente europeus, muitos deles editados pela primeira vez em inglês. Além do alargado leque de autores e tradutores, esta colecção conta ainda com um bom cuidado gráfico, contendo ilustrações e cortinas feitas por artistas contemporâneos.
Sobre Hadewijch, pouco se sabe. Terá nascido no final do século XII e morrido ainda na primeira metade do século XIII. Foi uma das primeiras beguinas da Bélgica, vivendo num tempo em que ainda não existiam os beguinages que hoje conhecemos, as 'cidades da paz', mas sim na fase inicial do movimento, em que as beguinas viviam na casa daquela que tivesse uma casa maior, provavelmente também a mais rica.
Muitas mulheres religiosas da época, algumas das quais com passagem também por beguinages, tiveram direito a biografia. A de Hadewijch, ou não se escreveu, ou foi perdida. Os únicos dados existentes são aqueles que encontramos nos seus escritos: seria possivelmente de nascimento nobre e instruído, pois tinha domínio do latim e do francês, viveu muito provavelmente no Ducado do Brabante, pois os seus textos estão escritos numa variante brabantina do neerlandês-medieval (Uma língua de vários 'dialectos', muito oralizada, em que a mesma palavra pode ter várias grafias, pois é escrita a partir da fonética.), foi de facto uma das primeiras beguinas, tendo sido superiora da comunidade em que viveu e da qual foi banida. A sua obra é constituida por poemas, cartas e um conjunto de visões, textos na sua maioria escritos para as jovens beguinas que Hadewijch instruía na espiritualidade.
Como refere J.-B. Porion no seu 'Écrits Mystiques des Béguines', é pouco clara qual foi a razão para que surgisse o movimento beguinal. Mas, à época, é facto que vários religiosos demonstravam uma vontade de regressar às formas mais primordiais de religião e de comunidade e essa terá sido uma das contingências que, se não originou, pelo menos facilitou, o proliferar de movimentos de beguinas na Flandres, na hoje Holanda, no Sul da Alemanha (Particularmente às margens do Reno.) e no norte de França. Três nomes se destacam no que toca à cultura dos beguinages: Hadewijch, Mechtilde von Magdebourg e Margerite Porete. E os textos destas três mulheres revelam, de facto, uma tendência para repensar a religião e as formas de crer e Hadewijch seria vastamente referida pela geração de teólgos e místicos que se lhe seguiriam, particularmente Jan van Ruysbroek e Eckhart von Hoccheim, sendo portanto o seu nome indispensável para um estudo da mística renano-flamenga da Idade Média.
A nota que aqui deixo prender-se-á sobre uma ideia que encontramos em Hadewijch, sobre a relação entre razão e amor, bastante díspar daquela que, por norma encontramos.
Como acontece com a maioria dos teólogos cuevos, Hadewijch escreve sobre o Amor que, evidentemente, não tem uma orientação passional, mas sim sagrada. No entanto, não só pelas inúmeras referências à poesia trovadoresca e de cavalaria, como também pela orientação teológica de Hadewijch para a mística nupcial (Como explica também Porion.), este Amor sagrado não fica a dever nada à intensidade que hoje conhecemos essencialmente ao amor passional e, também por aí, se justifica a modernidade dos escritos de Hadewijch.
Sobre a relação entre Amor e razão, um dos textos mais conclusivos de Hadewijch é a Carta 4
(...) we err in very many things that men judge good, and that are really good; but reason errs in these things when men do not understand them properly or practice them; this is where reason fails. Then when reason is obscured, the will grows weak and powerless and feels an aversion to effort, because reason does not enlighten it. (...) To put it breafly, reason errs in fear, in hope, in charity, in a rule of life one wishes to keep, in tears, in the desire of devotion, in the bent for sweetness, in terror of God's threats, in distinction between beings, in receiving, in giving _and in many things we judge good, reason may err.
[pag.53]
Logo nestas duas ideias, Hadewijch enuncia os actos em que a razão pode falhar, mesmo quando praticados com as melhores intenções. Mas, mais importante do que isso, define a importânica da razão, sem a qual tudo é impraticável: a razão advém de um discernimento errado, mesmo quando não há a intenção de proceder mal. No entanto, quando o discernimento é errado, a vontade torna-se má e inactiva, pois não é iluminada pela razão; o que é o mesmo que dizer que a razão é, em Hadewijch, o motivo e o alento essencial do ser humano, sem a qual se desliza para as trevas.
(...)if reason fears God's greatness because of its littleness, and fails to stand up to his greatness, (...) and thinks that such a great Being is out of reach_ the result is that many people fail to stand up to the great Being.
(...) In hope many people err by hoping God has forgiven them all their sins. But if in truth their sins were fully forgiven, they would love God ans perform works of love.
(...) As for the gift of oneself, one errs greatly if he whishes to make it before its time, or lend himself to many alien things for which he is not destined or chosen by Love.
(...) and all the other things we obey that do not belong to perect love: Reason errs in all this.
[pags. 54-55]
No decorrer da carta, Hadewijch explica à(s) beguina(s) a quem se dirige onde pode a razão errar em cada um dos pontos que tinha enumerado no primeiro cjunto de fragmentos que aqui isolei. Cito apenas alguns, aqueles que directamente dizem respeito ao Amor, como se disse compreendido religiosamente mas que não será totalmente errado interpretar de outras formas, uma vez que o que muda é essencialmente a entidade amada, e não o sentimento. Como vemos, o medo de que o ser humano seja icapaz de igualar Deus, enquanto símbolo do Amor, é um erro da razão; no desinteresse por compensar o mal com trabalhos de amor, a razão erra e na dedicação a tudo o que não advenha do Amor, a razão erra.
O que Hadewijch parece advogar nesta sua Carta, onde se pressente uma familiaridade com a mística especulativa, é a de que o Amor é impraticável sem a razão. E assim começamos a contrariar a ideia de que Amor e razão são opostos: pelo contrário, têm uma relação intrínseca, de verdadeira co-dependência, pois sem a luz da razão, o amor é vivido nas trevas, alicerçado sobre erros e inépcias. Como explica Columa Hart, é visível, não só neste texto como noutros, que Hadewijch acreditava piamente que a razão era a única forma de garantir um mínimo de segurança ao percorrer o caminho do Amor (Que ela mesma tratará na Carta 15 e que Beatrijs van Nazareth, também ela educada por beguinas, analisará no seu tratado 'As Sete Formas de Amar', mais ou menos contemporâneo de Hadewijch.).
Aliás, no Poema em Estâncias 1 (Hadewijch tem dois tipos de poemas: os escritos em estâncias e um outro conjunto mais pequeno de cartas rimadas, de estrutura mais irregular, por norma com estrofes bastante longas.), Hadewijch aborda brevemente o tema da razão, depois de introduzir aquilo que será uma espécie de renascer para o Amor
God must give us a renewed mind
For nobler and freer love
[p.130]
estes versos sintetizam muito bem a ideia de que é a mente _lugar por excelência da razão_ que proporcionará um amor mais nobre e mais livre. Mais ainda, no primeiro verso lemos que é Deus _como já se disse, símbolo do Amor_ quem dará renovação à mente. Esta ideia parece levar-nos a uma espécie de círculo fechado, uma vez que Deus/Amor nos dará a razão, que usaremos para servir o Amor. No entanto, este círculo fechado é livre, mais livre, como o Amor só é quando iluminado pela razão. O valor da palavra 'novo' que será repetido várias vezes ao longo desta última estância do poema tem também um significado bastante específico, pois, como aponta Porion, é muito provável que esta 'novidade' se refira ao surgir das comunidades de beguinas, uma ordem nova, uma forma renovada de crença e de relação com Deus que, podemos concluir, Hadewijch desejaria mais livre e orientada pela razão. Sentimso ainda a mesma inclinação no Poema em Estâncias 7, quando Hadewijch escreve
But old souls, they of new wisdom,
Who newly give themselves away to Love
And spare themselves no new trouble_
These I call renewed and old.
[p.146]
retomando a ideia do novo e também da razão _aqui escrita como 'sabedoria'_, Hadewijch vai mais longe ao definir o movimento beguinal, pois além de chamar a atenção para essas duas características, refere-se às almas do movimento como sendo 'renovadas e antigas', o que confirma a vontade das primeiras beguinas de, ao afastarem-se das formas de religião cuevas, se renovarem aproximando-se das formas mais primordiais
It is a great pity we thus stray,
And that high wisdom remains hidden from us
Which entrusted to the masters
Who give lessons on true Love
(...)
But those who arrange their lives with truth in Love
Are then enlightned by clear reason.
[p.164]
é a própria Hadewijch, já no Poema em Estâncias 14 quem confirma a ideia do círculo fechado. A razão vinda de Deus é usada ao serviço do Amor, e o Amor, vivido com verdade, ilumina aquele que ama com a razão. E uma vez mais a rejeição das ordens vigentes da altura faz-se sentir neste poema, quando Hadewijch acusa os 'mestres' cuja função deveria ser ensinar o Amor de, em vez disso, o esconderem daqueles que o procuram, exaltando a poeta, então, aqueles que se separam dos mestres e procuram por si mesmos. Já na Carta 4 Hadewijch falava de um outro erro da razão
In desires for devotion, all souls err who are seeking anything other than God. For we must seek God and nothing else.
[p.54]
poderíamos argumentar, a favor de Hadewijch, que a razão pertence a cada um e que aceitar cegamente as opiniões de outrem é uma forma de nos pouparmos a nós mesmos ao trabalho de procurar a razão e, assim, chegar ao Amor. Assim, aquilo que fica implícito tanto no Poema 14 como na Carta 4 é que, tanto na procura do Amor como na procura da razão, o caminho é solitário, cada um deverá trilhá-lo por si mesmo, aceitando ajudas, mas não por preguiça ou por aceitação cega. Lemos ainda, no Poema em Estâncias 25
For every hour Desire begins anew
To cry: ''Alas, Love! Be all mine!''
Thus she awakens Reason, who says to Pleasure:
''Behold, you must first reach maturity!''
Alas! That Reason should refuse Pleasure
Cuts more than all other pains.
(...)
So Reason shows her the highest degree in Love
[pags. 197-198]
e no Poema em Estâncias 30
Reason said: ''If you are making a wish now_
It is a provocation of Love_
Reflect that you are still a human being!''
Then Reason did me an injury,
I thought it a feud,
That she took from me the attire
Love herself had given me.
I thought it a feud,
Yet Reason taught me to live the truth.
[p.214]
nestes dois fragmentos, especifica-se o papel orientador da Razão (Desta vez escrita nos originais com maiúscula.) em relação ao Amor. Será a Razão a mostrar o mais alto grau de Amor, tendo, por vezes, que abrandar ou deter as tentativas daquele que ama de chegar ao Amor, relembrando-o da sua condição humana _e, portanto, imperfeita_ e do caminho por vezes penoso que terá que percorrer para atingir a perfeição no Amor. A palavra maturidade surge aqui com bastante significado. Tal como Beatrjs van Nazareth, Hadewijch aborda a demanda do Amor como um trabalho de amadurecimento. No seu tratado, Beatrjs descreve sete estados do crescimento da alma que, vinda de uma condição imperfeita, se vai aproximando do Amor, até ser um com Ele (Que, aliás, é Ela em neerlandês, pois Minne é feminino.), tornando-se perfeita. Hadewijch aborda, no fundo, o mesmo crescimento nestes fragmentos, correspondendo o crescimento da Razão à maturação da alma daquele que persegue o Amor.
Mas onde talvez Hadewijch mais concretamente relaciona a Razão com a maturação e com todas as questões que a Razão deve tratar para assegurar o caminho do Amor será na sua Primeira Visão.
Vários místicos registaram as suas visões, resultantes de transes, no entanto, de várias perspectivas este tipo de textos, independentemente do seu valor literário, deixam algumas dúvidas aos leitores de hoje. Se na maioria dos casos poderá não haver razões para duvidar que efectivamente esses místicos tenham visto aquilo que descrevem, também sabemos que muitas vezes estas visões aconteciam durante períodos de doença (Caso de Hadewijch.) e também de situações de auto-punição física, o que explicaria certos delírios. Porion vai mais longe no estudo que precede a sua tradução para francês de poemas de Hadewijch e explica, não sem razão, que, hoje, poderá ser difícil distinguir aquilo que possam ser relatos daquilo que possam ser poemas em prosa em que o que se pretende não é descrever uma realidade, mas sim criar uma metáfora que ilustre determinada ideia.
A obra de Hadewijch compreende treze visões (Mais uma 'Lista dos Amantes Perfeitos', considerada geralmente um texto menor no conjunto desta escritora e excluído de várias edições, incluindo irónicamente a destas Obras Completas.), das quais a mais significativa será provavelmente a primeira, pelo que representa de súmula de todas as preocupações teológicas da sua autora. Um anjo conduz Hadewijch pelo Jardim das Virtudes Perfeitas, mostrando-lhe sete árvores, sendo que cada uma representa uma determinada virtude.
This tree was wisdom. The first lowest branch, which had the red hearts on its leaves, signified the fear of not being perfect and of forsaking perfect virtues. The second branch was the fear that persons do not show God many marks of homage, and that such a number go astray from the Truth, which is himself. The third branch was the fear that each person must die by the same death whereby our Beloved died, with wisdom to be perfect in each and every virtue in order to die of that death every hour, and to carry that cross, and to die on it each day, and to die with all those who go astray and die.
[p.265]
para que melhor se compreenda o significado desta passagem da primeira Visão, convirá talvez citar uma das ideias mais emblemáticas de Hadewijch (Que aliás Jan van Ruysbroek retomou.), deixada na Carta 6:
We all indeed wish to be God with God, but God knows there are few of us who wnat to live as men with his Humanity, or want to carry his cross with him(...)
[p.61]
esta será talvez uma das mais interessantes ideias de Hadewijch, a de que é fácil desejar a divindade, mas raro desejar sofrer por ela. No fragmento citado da primeira Visão, Hadewijch descreve a árvore da sabedoria como incluindo em si vários significados: o medo de não ser perfeito, o medo de nos afastarmos da Verdade e o medo de que a busca do Amor pela virtude e a sabedoria nos leve a sofrer ou mesmo a morrer como Cristo.
Contrapondo a estas ideias aquela outra expressa na Carta 6, percebemos no que consistirá essa sabedoria, essa Razão: a capacidade de efectivamente viver o Amor para chegarmos a ele, de sofrermos o que ele sofreu, de arriscar, acreditando que, no fim, atingiremos esse Amor que parecia tão impossível.
É possível que hoje olhemos os escritos de Hadewijch como documentos teológicos, como representação de uma ideia estritamente religiosa _o que não será totalmente errado, pois nesse sentido preciso foram escritos. Mas é preciso não esquecer que estes textos não deixam de ser literatura, do que a própria Hadewijch tinha consciência (E intenção.) pois é inegável que lhe encontramos todos os traços de uma verdadeira escritora. E, ao ser assim, os textos passama a abrir-se a várias outras leituras e aquilo que era religioso pode ser, para o leitor ateu, uma representação de um pensamento relativamente à procura do amor digamos terreno pois, como acima disse, o que muda de um para o outro não é o sentimento em questão, mas a entidade amanda. Desta forma, os textos estão longe de perder a sua fulgurância e, bem pelo contrário, o seu pendor especulativo faz-nos pensar e questionar, através de uma escrita escorreita, metafórica, complexa, mas verdadeiramente densa e pensante.
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COLLEDGE, E. (org. e trad.): Medieval Netherlands Religious Literature, London, ed. Sythoff, 1965
HADEWIJCH: The Complete Works (trad. Columba Hart), New York, ed. Paulist Press, col. The Classics of Western Spirityality, 1980
HADEWIJCH D'ANVERS: Écrits Mystiques des Béguines (trad. J.B. Porion), Paris, ed. Seuil, col. Points- Sagesses, 3a ed 2008
Simone de Beauvoir, Shulamit Firestone, Susan Sontag, Camille Paglia, Naomi Klein, Suzanne Lillar, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa: são alguns nomes da literatura associados a vários movimentos feministas. Por alguma razão, os movimentos feministas _e convém que se fale deles no plural_ conheceram as suas primeiras grandes manifestações artísticas na literatura. Nas artes plásticas também se dariam várias manifestações, mais ou menos cuevas, com os trabalhos pioneiros de, por exemplo, Cindy Sherman, Sara Lucas ou Louise Bourgeois.
Na época em que estamos, já quase não se lê e muito menos se conhece verdadeiramente arte. Por várias razões que não importa aqui referir, a música _e nem toda a música_ é, neste momento, talvez a manifestação artística que mais facilmente prolifera e ganha verdadeira projecção, muitas vezes global.
Pioneira no que toca a manifestar convicções feministas na música foi a canadiana Sarah McLachlan, que fundou em 1997 o festival Lilith Fair, orientado para receber concertos de cantoras e autoras de música feministas, que aconteceu em 97, 98, 99 e em 2010. Por este festival passaram nomes como Fiona Apple, Jewel, os The Cardigans, Tracy Chapman, os Morcheeba, Suzanne Vega, Sinead O'Connor, Natalie Merchant, Diana Krall, Sheryl Crow, Dido, os Sixpence None the Richer, os K's Choice, Christina Aguilera, Cat Power, entre muitas outras, ficando de fora apenas três nomes que significativamente também advogaram ideias feministas na sua música: Tori Amos, Alanis Morisette e Annie Lennox.
O festival pensado e organizado por Sarah McLachlan, além de ter sido um sucesso, foi uma brilhante manifestação de como o feminismo existe não só na literatura, mas também na música: uma área onde, efectivamente, poderá chegar a um público muitíssimo vasto. Os nomes em cartaz justificavam-se pelo que diziam do papel das mulheres no pop-rock contemporâneo, sem no entanto se esgotarem aí. Porque se nos concertos poderíamos entender quais as diferenças e as semelhanças da expressão musical interpretada e escrita por mulheres, ao mesmo tempo víamos como um papel de paridade efectivamente lhes cabia no panorama musical, uma vez que a maioria delas estavam longe de ser nomes menores da música, reafirmando, portanto, a sua importância e rejeitando a ideia de que o universo das mulheres é um universo específico e menor que, como dizia machistamente George Steiner, não compete com Deus.
Mas esqueçam tudo aquilo que Sarah McLachlan fez. Esqueçam essas ultrapassadas ideias de que as mulheres devem, como os homens devem, afirmar-se na música pela qualidade da música que fazem. Esqueçam essas ideias de tentar demonstrar um papel cultural que também às mulheres cabe integrar e definir. Esqueçam essa conservadora postura de afirmar o talento e limpar de vez a ideia de que as mulheres podem mesmo ser cantoras, compositoras e instrumentistas, e não apenas bailarinas que cantarolam umas coisas.
Esqueçam, porque estamos noutra época, e tudo isso é do passado.
Na literatura, encontramos novas gerações ainda preocupadas com a questão da mulher. Nas artes plásticas a mesma coisa.
Mas o vosso inspector Supermassive Black-Hole esteve a passear-se pelo pop recente, para responder a uma pergunta muito simples: onde está o feminismo na música de hoje?
E a resposta é esta: está bom e saudável! Bom e saudável como uma pandemia de herpes genital!
I
Esta minha demanda por saber onde estão as cantoras feministas nas gerações mais recentes começou há uns tempos atrás. Nas férias de Páscoa, estava eu no carro com a minha mãe e na rádio começaram a passar California Girls de Katy Perry. Diga-se de passagem que Katy Perry é mesmo coisa que gosto tanto de ouvir quanto um conjunto de carpideiras velhas num funeral mexicano (Ou algo assim, sei lá.) portanto baixei o volume do rádio e a minha mãe disse, um tanto distraída
_Sim, ela dá a entender que as raparigas da Califórnia são boas e baratas e pensa que isso é feminismo.
fiquei curioso. De facto, a letra contém momentos muito interessantes, senão vejamos
California girls We're undeniable Fine, fresh, fierce We got it on lock Westcoast represent
(...)
Sex on the beach We don't mind sand in our Stilettos We freak
(Nós raparigas da Califórnia/ Somos inegáveis/ Boas, frescas, atrevidas/ Temos disso/ Representamos a costa oeste/ (...)/ Sexo na praia/ Não nos importamos de ter areia nos saltos de agulha/ Até nos passamos)
um bom momento lírico, diga-se. Numa canção onde Katy fala dos rapazes que a espreitam a ela e às amigas (Possivelmente a beijarem-se umas às outras, que era o assunto do primeiro sucesso desta menina.), em vez de se sentir observada ou sequer minimamente devassada, ela convida esses rapazes, e mais os outros que a ouvirem e mais o Snoop Dog que participa nesta canção, para se juntarem a elas, porque elas são boas, frescas e atrevidas, fazem sexo na praia e andam de sapatos de salto de agulha. E isto não são deduções minhas, estou apenas a reoganizar aquilo que está na letra. Portanto, quem achar que isto é degradante, não me agradeça, não tive trabalho nenhum a fazê-la parecer decadente.
Continuemos nas canções desta senhora durante mais um pouco, mas não sem falar um pouco dela. Katy Perry surgiu com I Kissed a Girl, uma canção onde explica detalhadamente como foi a sua experiência de beijar uma rapariga e tem ficado conhecida por alternar entre canções cheias de power-positive-thinking para adolescentes, como Fireworks ou Last Friday Night e outras em que toda a sua postura sexual slutty e fácil se manifesta claramente, como acontece com este California Girls ou Peacock. E se já falamos da primeira, falemos agora da segunda.
Come on baby let me see Whatchu hidin' underneath Are you brave enough to let me see you peacock? Whatchu waiting for, it's time for you to show it off Don't be a shy kinda guy I'll bet it's beautiful Come on baby let me see Whatchu hidin' underneath I wanna see you peacock, cock, cock
(Anda lá querido deixa-me ver/ O que escondes aí debaixo/ És corajoso que chegue para me deixares ver o teu pavão?/ Por que esperas, está na altura de o exibires/ Não sejas tímido, aposto que ele é lindo/ Anda lá querido deixa-me ver/ O que escondes aí debaixo/ Quero ver o teu pavão...)
outro momento lírico assinalável, este mais ligado à poesia concreta. Perceba-se que, em inglês, cock significa caralho. Portanto, o que Katy quer que o querido mostre não é um pavão, mas sim o caralho, pois, como vemos pela repetição irritante da palavra, peacock resulta mais ou menos em peak-cock, ou seja, espreitar o caralho. Para ter a certeza de que o rapaz não se acanha, Katy diz-lhe que até está certa de que o caralho, e não o pavão, será lindo, e incita-o não exactamente a mostrar-lho, mas a exibir-lho, o que prevê um público mais alargado. Uma vez mais, não inventei nada, apenas traduzi fragmentos da letra.
Katy Perry faz, como se disse, canções para alegrar adolescentes e depois canções para incitar à putaria (Lamento, não há outra palavra.). Portanto a mensagem é clara: adolescentes, não sejam tímidos, vocês são como fogo-de-artifício, mostrem o que valem (Fireworks): no caso das raparigas, façam sexo na praia, sejam frescas e atrevidas (California Girls) e, no caso dos rapazes, exibam o vosso caralho que certamente vai ser lindo (Peacock).
II
Passemos agora a outra mega-estrela, esta um tanto mais inteligente do que Katy Perry. Falo de Lady Gaga, que não conseguiu ainda fazer uma única canção pop verdadeiramente interessante, não sabe cantar, tem letras terríveis, mas, fazendo uso de uma megalómana noção de espectáculo, soube aproveitar com a subtileza de um tigre ligeiro o facto do público jovem ser inculto e não conhecer sequer o passado mais recente da música pop, rendendo-se portanto a Gaga que só tem, até hoje, repetido aquilo que outras _e Madonna é o nome mais evidente_ já fizeram muito antes dela. Tal como me acontece com Katy Perry, ouvir Lady Gaga causa-me dores e irritações dignas de uma verdadeira alergia, mas farei o sacrifício de isolar algumas canções, muito rapidamente. Uma das que me parecem dignas de referência é Bad Romance. Na verdade, não valeria a pena isolar quase fragmento nenhum, porque a letra, no seu todo, é que daria a ideia que mais interessa. Gaga descreve uma relação com um homem em que quer tudo, o bom e o mau, a todo o custo. No entanto, escreve a letra com tamanho desespero que acaba resultado como uma verdadeira neurótica que qualquer pessoa deveria evitar, nem que fosse através do homicídio.
I want your ugly I want your disease I want your everything As long as it's free I want your love (...)
I want your love and All your love is revenge You and me could write a bad romance (...)
I want your psycho Your vertigo stick Want you in my rear window Baby you're sick I want your love
(Quero a tua fealdade/ Quero as tuas doenças/ Quero tudo de ti/ Logo que seja de graça/ Quero o teu amor/(...)/ Quero o teu amor e/ Todo o teu amor é vingança/ Tu e eu criámos um mau romance/(...)/ Quero a tua psicose/ A tua vertigem/ Quero-te no meu retrovisor/ Amor tu és doente/ Quero o teu amor)
por onde hei-de começar? Por exemplo, pelo facto de, além de neurótica, nesta canção Gaga parecer completamente uma fêmea submissa, capaz de todas as torturas só para estar com um homem com quem, ainda por cima, tem uma declarada má relação. E o pior é ainda o resto: ele é psicótico, feio e vingativo. E mais ainda, ela quer as doenças dele? Quem é que é o louco que quer apanhar as doenças de um parceiro doido e malvado? De que doenças estamos a falar? Ela quer apanhar uma gripe por beijá-lo, ou estamos a falar de sífilis e gonorreia, etc, por fazer sexo desprotegido? E, no meio de tanto querer, ela quer vê-lo no retrovisor? No retrovisor, do género: ele a correr a pé atrás do carro dela? Não consigo imaginar nada mais neurótico. E mais ainda, que história é aquela de ela querer tudo logo que não se pague? É suposto isso dar um toque de mínima dignidade a uma letra que tresanda a uma provável psicose com elevadas doses de masoquismo da própria Gaga? Ela quer sofrer vinganças e apanhar doenças de um gajo feio e psicótico com quem tem um romance penoso MAS recusa-se a pagar por isso. Grande ideia, Gaga, grande ideia.
No caso de Lady Gaga, praticamente qualquer canção é susceptível de escrutínios destes, mas não desejo alongar-me muito a escrever sobre uma sujeita que, e isto é um facto e não um julgamento, não fez ainda nada de criativo nem de bom. Portanto, ocorre-me Judas, outro grande sucesso de pouquíssimo interesse
In the most Biblical sense, I am beyond repentance Fame hooker, prostitute wench, vomits her mind But in the cultural sense I just speak in future tense Judas, kiss me if offenced, Or wear an ear condom next time (...)
I’m just a Holy Fool, oh baby he’s so cruel But I’m still in love with Judas, baby
(No sentido mais Bíblico/ Sou impossível de redimir/ Prostituta da fama, meretriz que vomita a sua mente/ Mas no sentido cultural/ Falo no tempo futuro/ Judas beijou-me, foi uma ofensa/ Usem um preservativo na orelha da próxima vez/(...)/ Eu sou uma Santa Tola, oh querido, ele é tão cruel/ Mas mesmo assim estou apaixonada por Judas, querido)
suponho que esta canção nos deixe a todos esclarecidos. O homem feio, vingativo, psicótico e doente é, afinal, Judas (No video, a escolha de Norman Reedus não parece muito ajustada, por razões evidentes.). Mas o que nesta canção mais chama a atenção é talvez a forma demagógica como a letra está escrita. É num sentido bíblico que Lady Gaga é uma prostituta da fama, uma meretriz e que tudo o que vem da sua mente é um vómito? Não, não é num sentido bíblico, é no sentido do real.
E será, depois, no sentido da psicose que a mulher já revelava na canção anterior, que fala no tempo futuro e que Judas a beijou, não no sentido cultural pois, como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de História de Arte e de Música poderá perceber, não há um valor cultural nem inovador naquilo que ela tem feito, como, de resto, não me canso de repetir. Por último, no refrão, Gaga fala de si mesma como uma santa tola (E, pelo menos na segunda palavra, eu concordo.) e queixa-se que o Judas que ama é cruel, mas que o ama na mesma, confirmando as tendências masoquistas que já revelava em Bad Romance. A sério, Gaga??
III
Em terceiro e último, o vosso inspector traz-vos um verdadeiro pièce-de-résistance. Desconhecida, tanto quanto sei, em Portugal, esta senhora tem, contudo, chamado a atenção na internet e, ao que parece, tem ou terá em breve um álbum editado. O nome _artístico, claro_ desta cantora não poderia ser mais irónico: Lady. Segundo o seu perfil no MySpace (Que, se estiverem com vontade de rir, podem consultar aqui.), Lady é o pseudónimo de Shameka Brown, que de lady-senhora, nada tem. Notas biográficas: desde pequena que tinha língua afiada, tendo sido avisada pela mãe que isso ainda lhe ia arranjar sarilhos. Mas, mais importante do que a língua afiada, Lady desde cedo revelou uma outra capacidade: o dom da palavra. Escrevia discursos, poesia e histórias, mas só descobriu qual era a sua verdadeira vocação literária há dez anos atrás, quando começou a escrever as letras de uma banda que tinha com mais duas amigas, cujos concertos decorriam na cantina da escola onde estudavam. Em 2010 sacou um contrato discográfico, e, a partir daí, tem lançado paulatinamente várias canções que chamam a atenção pelos seus _e prometo que é isto que está escrito na biografia no MySpace_ in-your-face-lyrics. Como veremos, esta expressão é um verdadeiro eufemismo no que toca a falar dos logros líricos de Shameka Brown, aliás Lady. Não haverá, certamente, exemplo mais extremo para ilustrar a ideia que aqui quero deixar. Comecemos com uma canção cujo atraente nome é Pussy be Yankin:
I can't even lie, I fuck better when I'm drankin, Ride dick like a pro, throw the pussy like I'm famous, Pussy feels so good, feels like the rubber off, ain't it? You ain't gotta tell me, I know this pussy be yankin. (...)
Look like you tired, I suggest you pop a pill or two, You gotta keep up, when I make this thing do what it do. You think you want it but you don't really want none, I ain't come to play, I came to get this job done. (...)
I hope you strapped for this incredible ride, Look at my hips, they got a hell of a grind, I started slow so you can relax your mind, Cause once I finish, you gonna be outta yo mind.
I'm throwin' it back and you throwin' a little change, He thinkin' 'bout gettin' a tattoo of my name, He just forgettin' it, but I been in his game, Didn't have no teacher, but this pussy been trained.
(Nem posso mentir, fodo melhor quando estou bêbada,/ Cavalgo pila como uma profissional, lanço a cona como se fosse famosa/ A cona sabe bem, parece que o preservativo saíu, não é?/ Não tens que me dizer, eu sei que esta cona suga./(...)/ Pareces cansado, sugiro-te que tomes um ou dois comprimidos/ Tens que acompanhar, quando esta coisa fizer a sua cena/ Pensas que queres, mas não sabes mesmo de nada/ Não vim aqui brincar, vim aqui fazer este trabalho./(...)/ Espero que apertes o cinto para esta viagem incrível/ Olha as minhas ancas, parecem uma trituradora/ Comecei devagar, podes relaxar/ Porque quando eu terminar vais estar fora de ti// Lanço para a frente e para trás, depois mudo um pouco/ Ele está a pensar a fazer uma tatuagem com o meu nome/ Ele esqueceu-se, mas eu conheço o jogo dele/ Não teve professor, mas esta cona está treinada.)
CREDO!!! Bem, comecemos: a Lady diz-nos que fode melhor quando está bêbada, o que já de si é muito nobre, mas que tem uma vontade tão grande que é melhor que o parceiro tome um ou dois comprimidos, e que aperte o cinto (Suponho que isto não seja literalmente, não sei.) porque a viagem vai ser tão incrível que ele até vai fazer uma tatuagem com o nome dela. Tudo bem, pode ser que nem todos se possam identificar com esta imagem um tanto leviana, mas não é nada que não se ouça e/ou veja em muitos sítios. Passemos, então, ao que realmente é perturbante nesta canção: primeiro, não compreendo o que é lançar a cona como se fosse famosa (Haverá uma maneira famosa de fazer sexo?). Segundo, e mais perturbante um pouco: Lady diz-nos que cavalga pila como uma profissional, para mais tarde nos dizer que não está ali para brincar, mas sim para fazer esse trabalho e que, apesar da cona não ter tido professores/as, está treinada. Tanto treino e tanto profissionalismo dá um tanto a ideia de que esta sessão de sexo tem menos a ver com o prazer do que com os negócios. Porque, a última vez que verifiquei, uma profissional do sexo é uma prostituta. É isto é suposto ser nobre? Representativo? Reforçar a auto-estima das mulheres? E não nos esqueçamos do título: Pussy be Yankin? A última palavra traduz-se por fazer sucção. Fazer sucção? Quem é o homem que quer estar com uma mulher cujo órgão sexual faz sucção? É que, ainda por cima, Lady diz-nos que o homem está com a sensação de que o preservativo saiu. Saiu lá dentro! Se saiu lá dentro, foi aspirado. Quem é o homem que quer fazer sexo com um aspirador? Arrisca-se a sair castrado e tudo porquê? Para se deitar com uma mulher um tanto feia, exageradamente maquilhada, com uma voz estridente que não sabe cantar, não consegue dançar e se gaba de ser uma profissional?
Mas passemos ao segundo exemplo, para elucidar aqueles que acharem que estou a fazer uma leitura demasiado literal ao deduzir da letra da canção acima que a sua cantora se afirma como prostituta. Chama-se este segundo êxito I Need, e conta com a participação de um outro rapper cujo nome é Fella (Inglês calão para cavalheiro, o que até faz um par interessante com uma lady...)
I need a nigga, I new dough-oh
Big dick, with a rainbow
Quaint yank any blowhole
I need a nigga with his own crib,
His own car, own phone
(...)
Fuckin', workin' I'm lookin' for a real boss
Take me to the mall, screamin' at dirty toast
In another week, I'll spend his whole paycheck
He shove my canckle and my pussy got wet
He eats meat when he make my pussy overflow
(...)
He likes me cause I got an assy attitude
Real rude, I'ma tell ya what I'm feelin' dude
I need a nigga that'll eat fat! Hit that! Pull the trap, put the dick in a piss-bag
I need a nigga doin' bitches and her friends
Slap my ass, pull my hair and then call me bitch
A big dick is never scared of the clit
(...)
I need a nigga it's all about selling keys
Spending money like the mony grow on trees
And if you want my time, it'll cost a fee
(...)
[FELLA] I need a bitch with a wet, wet
Little nigga fluff: Got paid yet?
(Preciso de um preto, de dou-wow/ Pila grande com um arco-íris/ Que saiba usar um buraco de broche/ Preciso de um preto com a sua própria mansão/ O seu próprio carro, o seu próprio telemóvel/ (...)/ A foder, a trabalhar, estou à procura de um verdadeiro patrão/ Que me leve ao shopping e grite a fazer brindes porcos/ Noutra semana, gasto o vencimento todo dele/ Ele dá à manivela e a minha cona fica húmida/ Ele come carne quanto faz a minha cona inundar/ (...)/ Ele gosta de mim porque tenho uma atitude convencida/ Muito mal-criada, digo-te o que sinto, meu/ Preciso de um preto que me coma como um gordo! Dá-me forte/ Que caia na armadilha, e ponha a sua pila neste saco de mijo/ Preciso de um preto que coma cabras e as suas amigas/ Que me bata no rabo, me puxe o cabelo e me chame cabra/ Uma pila grande não tem medo dum clítoris/ (...) Preciso de um preto, é só vender chaves/ Gastar dinheiro como se ele crescesse das árvores/ E se queres o meu tempo, vai-te custar uma quantia/ (...) / [FELLA]: Preciso de ume cabra com uma molhadinha, molhadinha/ Pequena acariciadora de negros: Já te pagaram?)
ora aqui está, para quem tivesse dúvidas. Lady é bastante específica: quer um preto com pila grande com um arco-íris (Eu ia jurar que homens que fazem uso do arco-íris costumam não gostar de mulheres, mas ok.), que tenha casa, carro e telemóvel próprios, que coma carne quanto a excita, que lhe dê forte, que ande com outras mulheres e com as amigas dela, que a trate mal e que tenha muito dinheiro para ela poder esbanjar. E para que quer ela este preto? Não, não é para namorar, menos ainda para casar. Nada disso. Lady explica também que está à procura de um verdadeiro patrão. E não, isto não é uma outra forma de dizer que ela quer um homem forte e decidido. Não, porque, mais à frente, ela é bastante clara: se ele quer o tempo dela, tem que pagar uma determinada quantia. E quem são as mulheres que cobram uma quantia para darem tempo e sexo a um homem? Exactamente, são as prostitutas, pelo que se deduz que a palavra patrão é mesmo um eufemismo: não para um homem forte e decidido, mas sim para 'chulo' que é o patrão das prostitutas. Não esqueçamos ainda que ela canta esta canção com um outro rapper e que ele, falando daquilo que também ele precisa, diz que precisa de uma cabra entesoada e pergunta-lhe se já lhe pagaram. Preciso mesmo de acrescentar seja o que fôr, tirando que provavelmente Lady já encontrou o patrão que procurava? Há ainda um aspecto que gostaria de salientar: diz-se na biografia de Lady que ela foi sempre talentosa com as palavras, e I Need confirma-o: Terá havido mais alguma mulher capaz de se referir ao seu órgão sexual como um saco de mijo? Eu creio que não, mas se alguém souber, que me diga.
IV
Enfim, seis canções já deve ser tortura que chegue. E também deve ser suficiente para concluir estes apontamentos.
A ver se não deixo isto mal explicado. O que eu quero dizer aqui é que as mulheres, na música pop comerical, estão a fazer um trabalho inferior ao dos homens? Claro que não. Estou a dizer que as mulheres deveriam retirar-se da cena musical? É evidente que não. Estou a dizer que as mulheres fazem coisas assim e os homens não? Não, mesmo.
Por razões evidentes, em termos sociais, durante muito tempo houve um grande número de homens a expressarem-se de uma forma expedita ao ponto do ofensivo e do desrespeituoso, ao passo que havia uma certa ausência de mulheres fazendo o mesmo.
O que acontece agora neste tipo de música feita para ser consumida muito mais de que ouvida é que as novas gerações de mulheres preferiram reproduzir a boçalidade de certos artistas homens, em vez de procurarem aqueles e aquelas que souberam expressar-se com mais qualidade.
Quando, em 1991, Tori Amos lançou o seu 'Little Earthquakes', foi um estrondo porque ainda não havia muitas mulheres a expressarem-se de forma tão directa e tão sincera. O mesmo aconteceu ainda com Alanis Morisette quando lançou o seu 'Jagged Little Pill' em 1994. E mesmo Fiona Apple chocou muita gente logo desde 'Tidal' (1999), por falar abertamente dos seus relacionamentos passionais e sexuais não raro conturbados. E isto para não referir o trabalho de Madonna, que soube chocar quando mais nenhuma mulher o fazia, mas que chocou sempre com classe, com valor artístico e com consciência social, o que, aliás, continua a fazer.
Mas não é nada disso que fazem artistas (E digo artistas e não cantoras nem coisa que o valha.) de agora não é o mesmo. Porque as quatro que referi agora expressavam-se abertamente, mas com qualidade, lírica e musical, tendo uma verdadeira noção do que era arte. Mas gente como Katy Perry ou Lady Gaga ou Lady preferem um discurso desabrido, rude e facilista, que não é uma afirmação, mas sim uma forma de chamar a atenção. Haveria mal nisto? Nenhum. Nunca faltaram homens a fazerem o mesmo, e nisso o universo irritante e superficial do hip-hop foi verdadeiramente pioneiro.
O problema começa quando estas Gagas e estas Ladies e estas Katies começam a ser referidas como formas de feminismo, de afirmação sexual das mulheres. Está na moda a expressão 'empowering to women', que significa qualquer coisa como 'reforçar as mulheres' ou 'dar-lhes poder'. O problema é esse, e não outro. Que exista afirmação por parte das mulheres é essencial, porque enquanto existirem culturas que apedrejam mulheres por fazerem sexo ou que as obrigam a usar uma burka, os feminismos não podem parar e as mulheres e também os homens, a quem cabe grande parte da responsabilidade, não podem baixar os braços. Mas Katy Perry, Lady Gaga ou Lady não fazem música que reforce as mulheres ou que lhes dê qualquer tipo de poder. Apenas adoptam certa boçalidade masculina, numa espécie de reivindicação de bairro em que o que se afirma é a má-criação, e não a sexualidade.
Esta música não é arte, não é sequer música, é produto comercial: portanto, há que ter consciência de que ela será ouvida por muita gente, incluindo muitas raparigas que, numa idade de formação de personalidade, vão ficar convencidas que a maneira de se afirmarem é andarem de tacão de agulha a fazer sexo na praia, a perseguir psicóticos, a aceitar relações condenadas, a fazer sexo como profissionais e a exigirem dinheiro pelo seu tempo e pelo seu afecto.
Não há qualquer feminismo, nem qualquer 'empowerment' para as mulheres nas três mulheres que usei para exemplificar esta ideia. Há, quando bem vistas as coisas, um verdadeiro anti-feminismo, que confirma a ideia de muitas verdadeiras feministas de que, muitas vezes, as mulheres são as grandes inimigas das mulheres.
É, infelizmente, muito raro, encontrarmos nas novas gerações, artistas mulheres capazes daquilo que, há nem muito tempo, outras foram capazes de fazer e de que o Lilith Fair foi mostruário generoso. O que há nesta nova geração tem um nome, e um nome apenas: putaria. E talvez faça falta a muita gente compreender que feminismo não é sinónimo de putaria. A começar por muitas destas feministas de trazer por casa.
E foi a minha investigação. Não há cadáveres, mas há crimes, se virmos bem.
Quando John Carpenter aceitou escrever 'Halloween II', pensou uma saga de filmes. O seu objectivo era arrumar em 1981 com a personagem de Michael Myers e que, a partir daí, cada filme tivesse um imaginário diferente, sendo a data do Halloween o fio condutor.
Em 1982, Tommy Lee Wallace realizou 'Halloween III: Season of the Witch', em que seguia com este plano. Contava-nos uma história passada no Halloween, sobre uma empresa que fabricava máscaras malignas (E sobre o qual falarei depois, para primeiro analisar a saga de Michael Myers.).
Infelizmente, o filme foi um fiasco e, seis anos depois, Michael Myers regressa para 'Halloween IV: The Return of Michael Myers' que se afastava dos projectos de Carpenter para se aproximar das vontades do público. Assinalando o décimo aniversário do filme original, Alan B. McElroy, o argumentista (Responsável também por 'Wrong Turn', anos depois.), contorna o final do segundo filme de uma forma muito simples: no incêndio no hospital de Haddonfield em 1978, nem Michael nem Sam Loomis (Donald Pleasence), o seu psiquiatra, morreram. O médico ficara apenas com queimaduras e Michael ficara em estado vegetativo.
Dez anos depois, e apesar dos avisos do dr. Loomis, Michael vai ser transferido do hospital onde se encontra. Na transferência, Michael acorda e mata os enfermeiros que o acompanham. Depois disso, ruma a Haddonfield, para mais uma matança.
Inicialmente envolvido no argumento, Carpenter escrevera uma sinopse completamente diferente, que o produtor e detentor dos direiros, Moustapha Akkad, rejeitou. Carpenter recusou-se então a continuar envolvido com a saga. Outra das recusas partiu de Jamie Lee Curtis, que não quis retomar Laurie Strode. A personagem é, portanto, removida do argumento, explicando-se que terá morrido num acidente de viação.
E se Michael se tinha mostrado interessado em assassinar os seus familiares, o argumento deste 'Halloween IV' introduz uma filha que Laurie tinha tido, entretanto. A sobrinha do assassino, Jamie (Danielle Harris) tem pesadelos com um homem de máscara branca e é um motivo de grande preocupação para a família que a acolheu.
No dia de Halloween, Michael chega a Haddonfield e começa a sua nova matança, perseguindo, no entanto, Jamie.
O problema essencial do argumento é que parte de uma resolução um tanto mal pensada para chegar a um filme que não traz absolutamente nada de novo. É apenas mais um filme em que Michael persegue uma familiar sua, despachando pelo caminho um certo número de pessoas, maioritariamente adolescentes. A realização, que ficou a cargo de Dwight H. Little, também não se destaca particularmente. É uma resolução bastante simplista para o argumento já de si fraco. 'Halloween IV' tem alguns momentos em que se sente uma certa tensão, mas cede principalmente ao já esperado, acabando por muitas vezes não parecer mais do que gratuito.
Os únicos elementos de verdadeiro intertesse são a figura da criança, que acrescenta pelo menos um pouco de dramatismo à premissa, e a figura do psiquiatra, que deve muito mais à já habitual arrebatadora interpretação de Donald Pleasence do que a uma boa construção no argumento.
A razão para Akkad rejeitar o argumento de Carpenter prendeu-se com as poucas potencialidades comerciais que o produtor viu na nova sinopse. E o que se nota no filme que efectivamente foi realizado é essa tendência para criar um filme potencialmente comercializável, mas que perde em coseguimento artístico aquilo que poderia vir a ganhar nas bilheteiras.
O próprio Michael Myers nos suge um tanto distorcido: ele deixa de ser aquele assassino que surge da sombra subtilmente, para ser um assassino vulgar, que faz perseguições quase arbitrárias e sem nada de realmente impressionante.
Assim, o regresso dez anos depois a Haddonfield acaba por resultar um tanto sem glória, estando perdidas definitivamente as excelentes directrizes deixadas pelo filme original.
'Halloween IV' marca a entrada definitiva de Michael Myers para o universo do vendável. Deixa de ser parábola ou metáfora e passa a ser entertenimento puro e gratuito.
A própria perda de Jamie Lee Curtis é significativa, porque era muito da personagem de Laurie Strode que esta saga vivia, da tensão e do grande desvio que havia entre ela e o irmão. Aqui, a única coisa capaz de se equiparar com essa intensidade é o destino final de Jamie _mas mesmo esse, como veremos depois, foi totalmente desaproveitado.
Comerciável poderá ter sido, mas, um pouco como o regresso do Michael, este filme é muito sem glória.
Estreada em 1981, a primeira sequela de 'Halloween' conta ainda com uma participação próxima de John Carpenter e de Debra Hill, que regressam como argumentistas do filme que dá continuação ao ataque na noite de Halloween de 1978. É uma opção interessante, a de situar cronologicamente o segundo filme na mesma noite que o primeiro, uma vez que, logo à partida, uma continuação tão próxima temporalmente permite que se acrescentem mais detalhes à história original, as revelações, sem que pareça forçado. Mais ainda, este filme beneficia muito, e isso vai ser notório, do envolvimento próximo dos autores do primeiro, o que é uma forma de manter a rédea curta ao novo filme, já que é sabido, por força de tortuosos exemplos, que as sequelas tendem a arruinar os filmes originais com facilidade, acrescentando-lhe todo o tipo de detalhes inusitados e sem sentido, cuja intenção não é adensar a história da saga, mas sim justificar, e muitas vezes malíssimamente, a produção de mais um filme.
O caso de 'Halloween II' não será bem esse.
Uma vez que Carpenter não quis realizar a sequela do seu filme de 1978, o realizador a quem coube essa tarefa foi Rick Rosenthal, que hoje será talvez conhecido pelo seu trabalho mais ligado á televisão (Em séries como 'Buffythe Vampire Slayer', 'Law and Order' ou 'Smallville', entre outras.), mas cuja estreia foi precisamente este filme.
A sinopse prossegue a partir do desaparecimento de Michael Myers, depois de ter sido alvejado seis vezes pelo seu psiquiatra, o dr. Sam Loomis (Donald Pleasence), acompanhando a busca do médico pelo seu antigo paciente, ao mesmo tempo que mostra o choque da comunidade de Haddonfield ao saber do massacre, e acompanha ainda Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), a única sobrevivente, até ao hospital da vila. Escapando no entanto à perseguição, Michael consegue chegar ao hospital, matando ainda algumas pessoas pelo caminho, claramente interessado em chegar a Laurie.
Ao passo que o filme de Carpenter se centrava essencialmente no percurso de Michael, feito pela sombra, até chegar às suas vítimas, numa espécie de celebração do seu primeiro homicídio, cometido aos seis anos; o filme de Rosenthal centra-se muito mais na perseguição da polícia e do psiquiatra, que tentam desesperadamente travar o assassino. Assim, os dois filmes formam uma espécie de relação de causa/efeito entre si, constando no primeiro o massacre e, no segundo, os resultados desse massacre que, apesar de tudo, ainda não terminou.
Torna-se um tanto difícil ver um filme de uma saga cujos contornos são já por demais conhecidos. No entanto, 'Halloween II' precisa de ser visto no seu contexto, ou seja, esquecendo todas as sequelas que depois dele apareceram.
Quando tentamos ver o filme assim, é inegável que, inicialmente, ele nos parece um tanto gratuito. Michael despacha uma série de pessoas, mas claramente traçando o seu caminho até à única vítima que lhe escapou, o que nos pareceria uma desculpa esfarrapada para filmar mais um massacre, aproveitando o sucesso do filme original. No entanto, não é assim. Carpenter e Hill escrevem o argumento subtilemente preparando-nos para as revelações que já esperaríamos.
Vemos que, no caminho para o hospital, Michael passou pela escola primária onde tinha estudado, deixando escrito na parede SAMHEIN (O nome original do dia 31 de Outubro, quando os mortos revisitavam a terra.) e cravando uma faca na figura da irmã num desenho infantil. Se o primeiro filme já nos vinha dar a entender que era duma espécie de recriação e continuação do primeiro homicídio que se tratava, este filme vem trazer uma justificação para tudo isso. A certa altura, o dr. Loomis é procurado pela enfermeira do asilo psiquiátrico, Marion Chambers (Nancy Stephens), que lhe vem falar de um arquivo judicial sobre Michael Myers que havia sido ocultado do psiquiatra e que o tribunal autorizara a desenterrar devido aos incidentes daquela noite. Nesse documento, o dr. Loomis descobre que Michael tinha uma outra irmã, entregue a outra família durante os quinze anos em que o assassino esteve internado. Essa irmã é Laurie Strode.
Podendo parecer que esta revelação é apenas uma forma de tornar entusiasmante uma sequela, na verdade, tem muito mais valor do que se possa pensar. Ao longo de dois filmes, o psiquiatra parece convencido de que Michael se separou da sua condição humana, sendo, em vez disso, uma espécie de encarnação do Mal. O estabelecer de uma relação familiar entre Michael e Laurie vem dar uma outra dimensão a esta questão. Os homicídios deixam de ser uma forma de argumentar a favor dessa ideia de que Michael seja uma personificação do Mal; e passam a ser o retrato da jornada de Michael para se separar definitivamente da sua condição humana. Se entendermos as relações como aquilo que simbolicamente sustém a nossa condição humana, vemos que as únicas que Michael tem são de sangue. Assim, assassinou Judith aos seis anos, durante o tempo em que esteve confinado morreram os seus pais e volta, depois, para assassinar a outra irmã. Se fosse bem sucedido, passaria a existir sem qualquer tipo de relações, livre de humanidade. Os restantes mortos, além de comprovarem, realmente, a malignidade de Michael, ganham também outra dimensão: sendo, mais ou menos, aqueles que estão em volta de Laurie, eles são como que guardiães dela, tendo Michael que os eliminar para chegar a ela.
Portanto, o argumento deste filme é suficiente para justificar a sua existência, tendo, de facto, algo a acrescentar à história do primeiro. Relativamente à realização, Rosenthal não tem a sensibilidade exacerbada de Carpenter, mas consegue continuar o original de uma forma bastante competente, conseguindo retirar algumas valiosas lições de Carpenter, sem no entanto se tornar numa cópia falhada. Exemplo dos conseguimentos deste filme são, por exemplo, as perseguições nos corredores do hospital, onde a sensação claustrofóbica de se estar encurralado num labirinto é perfeitamente transmitida, bem como o atordoamento de Laurie, a quem haviam sido injectados vários ansiolíticos. Rosenthal consegue, nessas como noutras cenas ainda, criar a tensão que o argumento exigiria e, assim, manter o espectador num suspense bastante conveniente.
De assinalar é também o regresso de Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence e Nancy Stephens interpretarem novamente os seus personagens, conferindo uma continuidade entre os dois filmes que favorece bastante esta sequela. As suas performances são, como seria de esperar, muitíssimo convincentes, e a eles também se deve o conseguimento do filme.
Pode este filme não ser um Carpenter, mas certamente é muito digno de continuar um. E se Rosenthal, mesmo assim, apresenta algumas falhas de principiante, não são essas que se retêm do filme, que tem ainda aspectos bastante positivos que o tornam merecedor de referência e também uma das raras boas sequelas da história das sequelas de cinema de horror.
Por alguma razão, no cinema, entende-se que géneros como o horror, a fantasia e a ficção científica são géneros menores. E se a academia decide nomear para os Óscares filmes como 'Avatar', fica mais que claro que essas nomeações e até os galardões que arrecadou devem mais às insultuosas quantidades de dinheiro que esse filme rendeu, muito mais do que a uma possível mudança de valores da Academia. Mas suponho que é o que é preciso para que um filme desses géneros ditos menores tenha alguma visibilidade: chamar a atenção pela quantidade de FX e de dinheiro que se gastou para fazer um filme, arranjar um realizador conceituado para o dirigir e alguns nomes sonantes para o elenco. Pouco importa se o filme não tem assunto ou não serve mais propósito nenhum que o de justificar os efeitos especiais: gastou dinheiro, fez dinheiro, gente famosa teve parte nele, portanto, vale a pena ver e vale a pena dar-lhe prémios. Deve ser mais ou menos assim que as coisas funcionam na cada vez mais provinciana Hollywood.
Anos-luz à frente de toda essa orgânica que se orienta mais para o capital do que para a arte e a cultura estão alguns realizadores que têm sabido manter nestes géneros menores alguma qualidade e, pelo menos, um público mais ou menos fiel. Nestes géneros, como em todos os outros, não têm faltado filmes que, sendo bem-sucedidos na bilheteira, não deixam de ser verdadeiros fiascos artísticos.
Se hoje se pode falar de um verdadeiro mestre do horror, capaz de produzir filmes por onde passa todo um conseguimento artístico e ideológico e preocupado em trazer algo de novo ao género, ele é John Carpenter. Desde 1974, quando realizou o seu primeiro filme, 'Dark Star', Carpenter tem seguido uma carreira algo discreta, com filmes que, independentemente do sucesso comercial, se têm tornado filmes de culto dentro do cinema de horror, indubitavelmente influenciando uma nova geração de realizadores e também uma nova geração de espectadores que, decididamente, não terá um conhecimento satisfatório do género sem passar por filmes como 'The Fog' (1980), 'The Thing' (1982), 'Prince of Darkness' (1987), 'In The Mouth of Madness' (1995), 'Ghosts of Mars' (2001) ou 'Cigarette Burns' (2005). Cito estes filmes, de entre os vinte que Carpenter realizou, apenas como exemplos daquilo que o percurso deste realizador nos tem dado de um ponto de vista artístico. Evidentemente, cada um ocupa um lugar específico no legado de Carpenter, e se é verdade que um filme como 'The Fog' já foi alvo (E digo alvo no sentido em que lhe acertaram com um dardo.) de um remake, ainda não se compreendeu verdadeiramente a amplitude filosófica e analítica de outro como 'In The Mouth of Madness', um dos meus favoritos pessoais, senão o favorito mesmo.
Mas mesmo dentro dos filmes que mais se destaquem entre a filmografia de John Carpenter, 'Halloween' de 1978 ocupará um lugar sempre único. Muito mais do que por ter dado origem a uma longa saga (Com um total de oito filmes e dois remakes.), por comprovar a originalidade de Carpenter e por nos mostrar como, verdadeiramente, ele inovou o género e deu origem também a uma das tendências mais prolíferas dentro dele: o slasher, onde se contam alguns dos filmes mais incónicos de horror, mas também alguns dos piores e daqueles que estão ainda abaixo de se classificarem como os piores, não conseguindo classificar-se em nada.
Se havia um slasher antes de 'Halloween' seria 'The Texas Chainsaw Massacre' de Tobe Hoper de 1974, e ainda há algumas dúvidas, de resto pouco importantes, sobre se esse é um slasher. É um facto: toda a ideia do seral-killer que leva a cabo grandes matanças parte de Carpenter, antes de 'Friday the 13th' (1980) e antes de 'A Nightmare on Elm Street' (1982) portanto, muito antes de todos esses filhos bastarados que chegam ao cinema e a DVD todos os anos. Dos três, 'Halloween' é também, a meu ver, o melhor. Continua sendo um filme que o tempo não envelheceu (Como acontece com 'A Nightamente on Elm Street'.), que conserva a sua lógica e a sua estranheza (Como não acontece com 'Friday the 13th'.) e que, acima de tudo, é forte o suficiente para não ser destruído pelas sequelas, numerosas e quase todas terríveis a que foi condenado, o que não acontece com mais nenhum dos filmes, que hoje não conseguimos ver sem um grande esforço para nos distanciarmos da inépcia das sequelas.
Carpenter conta-nos uma história simples e que pouco recorre a explicações sobrenaturais: Na noite de Halloween de 1963, com seus anos apenas, Michael Myers mata a irmã Judith (Sandy Johnson) e é internado num hospital psiquiátrico. Quinze anos depois, na noite em que iria ser transferido para outro hospital, Michael consegue escapar, apesar das tentativas do seu psiquiatra, o dr. Sam Loomis (Donald Pleasence) e da enfermeira Marion Chambers (Nancy Stephens). No dia seguinte, dia de Halloween, Michael chega à sua terra-natal, Haddonfield.
O psiquiatra, que o seguira atentamente no hospital, prevendo que o paciente se desloca para Haddonfield, para lá se encaminha também, no sentido de prevenir a polícia e de conseguir trazê-lo de volta ao internamento.
Mas, à noite, Michael consegue assassinar duas raparigas e um rapaz, falhando apenas em matar a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) que lhe consegue escapar.
O essencial do filme segue o sereno Michael que, durante o dia, observa as suas futuras vítimas e, de noite, leva a cabo os homicídios, conseguindo, no entanto, uma forte tensão ao intercalá-los com o percurso do dr. Loomis para encontrar Myers.
É um filme onde as matanças são poucas, no entanto perfeitamente eficazes em criar sensações de medo e de vulnerabilidade. Tanto o argumento, de Carpenter e de Sandy King, como a realização, são absolutamente prodigiosas na forma subtil, minimal e quase poética com que seguem o assassino e a sua estranha arte, a de matar. A começar pelo genérico perfeitamente simples: ele causa-nos um calafrio porque esperamos que vá acontecer alguma coisa e, no entanto, não acontece nada. Todo o filme, de resto, é feito com imensa contenção, praticamente sem sangue e sem efeitos especiais.
Mas talvez o mais significativo seja mesmo a figura de Michael Myers. Durante o seu tempo no asilo, entre os seis e os vinte e um anos, Michael esteve mergulhado num estado de completa catatonia, sem proferir uma palavra, no entanto, o seu psiquiatra está convencido de que ele é nem um ser humano, mas uma reencarnação do Mal. Aquilo que vemos escapar do asilo é um vulto vestido de branco, apenas. E se na reencarnação do Mal esperávamos encontrar uma figura medonha, Carpenter também nisso nos desengana: no resto do filme, Michael é uma figura vestida com um fato-macaco preto e uma máscara branca, que se tornaria um ícone perene. E esta máscara consegue ser mais arrepiante do que qualquer cara trabalhada com efeitos de maquilhagem: é uma máscara branca, sem expressão qualquer, apenas com duas aberturas para os olhos, aberturas por onde nada se vislumbra, um rosto como o de uma escultura grega clássica. Essas estátuas gregas representavam sempre deuses ou ideais de homem e Michael parece ser algo entre estas duas entidades: entre um deus e uma figura idealizada no sentido em que não é humana ou humanamente provável. Mais ainda, no branco do rosto não perpassam emoções nenhumas o que prolonga o estado catatónico de Michael, mesmo perante o acto extremo de matar, que se manifesta também nos movimentos serenos do assassino, que não corre, não tem movimentos violentos, não fala, não ameaça, não se regozija. É talvez esse vazio, essa ausência de emoções que o torna a tal personificação do Mal e que o torna temível aos olhos do espectador.
Como se disse, as matanças neste filme são poucas. Michael assassina, no total, cinco pessoas (Judith Myers em 1963 e 1978 um camionista que Michael mata para lhe ficar com o fato-macaco mais três amigos de Laurie Strode.) e um cão, ao longo de quinze anos. Mais não é preciso, porque não 'Halloween' não vive do número de homicídios, mas da forma como esses homicídios são perpetrados, porque Carpenter percebeu aquilo que a maioria dos realizadores não percebe: que aquilo que não é mostrado e que é apenas intuído, tangível ou pressentido, é definitvamente mais impactante, mais profundo e mais marcante do que qualquer homicídio realmente gore e agressivo. Um assassino como Fred Krueger, por exemplo, demonstra emoções (Por norma a sádica satisfação de matar alguém.) e, ainda que possamos não entender esses sentimentos, conseguimos nalguma coisa de muito básica identificar-nos com ele: como nós, ele sente, apenas sente coisas diferentes. Michael não sente. Tanto quanto este filme nos mostra, ele não tem qualquer prazer em matar, possivelmente não tem qualquer noção da diferença entre vida e morte, limita-se a recriar o cenário que mudou a sua vida.
A certa altura, o dr. Loomis fala do Halloween como sendo o aniversário de Myers. Efectivamente, essa é a noite em que ele nasce, em que começa a abandonar a sua condição humana e se converte num símbolo do Mal.
Carpenter filma o regresso de Michael com uma mestria que surpreende num realizador tão novo (Carpenter tinha em 1978 trinta anos e 'Halloween' era o terceiro filme que realizava.), criando cenas que se tornariam emblemáticas, sendo exemplo máximo a cena em que Jamie Lee Curtis se enconde no armário da roupa. Michael destroi as lâminas de madeira das portas lentamente com uma faca e depois irrompe pelo espaço estreito, criando uma sensação de asfixia cuja intensidade raramente se encontra noutros filmes, mesmo nos bons.
Por último, há que referir a capacidade de Carpenter de lidar com o som. Exímio compositor, Carpenter compreende perfeitamente não só o valor da música, como o valor do próprio som e é, portanto, capaz de criar os sustos e os momentos de suspense apenas utilizando determinados valores sonoros ou através da repetição da música do genérico, que se tornaria, também ela, emblemática.
Origem de uma saga que, estando longe de ser exemplar, também está longe de ser das piores, 'Halloween' é certamente uma das razões para que se reconsiderasse essa ideia de que o horror é um género cinematográfico menor. Indispensável também para que se perceba por que John Carpenter é um dos realizadores mais respeitados, apesar de ligado a um género pouco respeitado, este é um filme irrepetível (Shame on you Rob Zombie!), daqueles cuja existência, mesmo sendo de culto, será certamente perene.