segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Hidden de Antoine Thomas

AFECTOS TROCADOS

Não sei se é por incapacidade de desistir ou se é por aborrecimento que, aproveitando as vantagens da internet, continuo a procurar e a ver filme de horror.
Quem ler este blog há-de ter já reparado que os filmes de horror foram parte da minha infância tardia e da minha adolescência. De facto, num período da minha vida marcado pelo tédio, pela aridez e pelo desencaixe, certos filmes tiveram muita importância para mim, e não só filmes de horror. Mas a diferença dos de horror para os outros é que os de horror não representavam só uma escapatória de uma realidade insatisfatória: eles eram também catarse, exorcismo de uma violência que eu precisava de exteriorizar e não conseguia ou não podia e que, no ecrã, acontecia da forma mais bela, que era a transformação em arte. Porque, pelo menos no que toca à violência e ao homicídio, melhor que fiquem na beleza e na intensidade da arte do que passem à vida real.
Com o tempo, a triagem começou a ser mais apertada, certos filmes passaram a pura e simplesmente não me convencer e as opiniões quanto a muitos dos já vistos também mudaram. Outras ficaram na mesma. Posso dizer que hoje é raro encontrar um filme de horror que não me pareça uma palhaçada no pior sentido da palavra. Estes filmes já não são uma escapatória, são arte ou ausência dela, e é dessa perspectiva que os vejo, cada vez mais frustrado por perceber que aquilo que poderia ter sido um género sobrevivente da marginalidade (Relembremos que a crítica nunca soube apreciar filmes de horror, nem mesmo aqueles que efectivamente mereceriam os maiores elogios.), se torna cada vez mais um produto para consumo de adolescentes incultos e americanizados, cada vez mais investido em provar que a crítica terá alguma razão para desprezar este género.
Serve esta introdução pseudo-psicanalítica para iniciar um pequeno comentário a um filme que encontrei hoje. Sei pouco sobre o seu contexto, limitei-me a vê-lo e a tentar formar uma opinião sobre.


Refiro-me a 'Hidden', um filme em 3D (Uma moda que sinceramente eu não percebo e não acho valiosa em sentido algum.) em Itália e no Canadá, que primou pela discrição, uma vez que só estreou nos EUA e no Reino Unido. Não tem realmente os ingredientes para se tornar um grande sucesso comercial, bem como um grande sucesso crítico, mas a verdade é que, dentro de certas limitações, é um filme que consegue trazer ainda algo de bom.
O argumento, de Alan Smithee e Alana Smithy, começa com a história de Susan Carter (Dawn Ford), uma neurocirurgiã que se especializa em experiências relacionadas com vícios. Susan parece convencida de que poderá isolar os elementos do cérebro que controlam os comportamentos aditos e, assim, removê-los e remover os vícios em si.
A natureza um tanto violenta das suas experiências não só levantam algumas suspeitas das autoridades como a distanciam do filho que eventualmente deixa de falar com ela. Após a sua morte, o filho, Brian (Sean Clement) é avisado sobre a sua herança: um antigo mosteiro que a sua mãe havia reconstruído para nele fazer a sua clínica de reabilitação e pesquisa. Convencido pelo amigo Simon (Jason Blicker), Brian viaja até ao mosteiro, acompanhado de um grupo de amigos e de uma amiga da falecida mãe, Haley (Simonetta Solder) que os guiará pela clínica.
No entanto, enquanto percorrem o espaço labiríntico, não só as pessoas do grupo vão desaparecendo, como vão descobrindo variados elementos das experiências de Susan, que apontam para o facto de uma boa parte das pesquisas da médica estarem ainda por revelar. Assim, é do resultado dessas experiências que Brian se vai aproximando, enquanto as reminiscências dos seus traumas infantis se vão tornando mais fortes e se torna cada vez mais claro que o grupo, ou os sobreviventes, não estão sozinhos no antigo mosteiro.
O que este filme traz de novo? Muito pouco ou mesmo nada. É mais um filme sobre um lugar assombrado, com um pretexto que sim é um tanto novo, com mais um grupo de pessoas que vai desaparecendo e mais uma revelação chocante no final, que joga entre o doentio e o traumático. É um filme como muitos outros. A realização é boa, sem ser nada de novo também.
O que ressalta, então, neste filme de Antoine Thomas? Acima de tudo, ressalta uma sensibilidade que raramente existe neste tipo de filmes. Em primeiro lugar, todo o filme está feito com extrema naturalidade. Os cenários e a iluminação criam de facto um ambiente pesado e intrincado e os actores têm um aspecto perfeitamente normal e bastante credibilidade. O texto, não sendo nada de assinalável, tem pelo menos a qualidade de ser verosímil, pelo que os diálogos conseguem ser realistas sem resvalarem para o estúpido.


E a verdade é que, subtilmente, o filme se vai movimentando em torno das ideias de trauma e de fractura afectiva. A relação do filho com a mãe é que aqui vai sendo explorada. Por um lado, temos uma mãe com um filho normal ao qual, em vez de dar afecto, dá matéria para traumas. Por outro, temos uma mãe com filhos monstruosos que nem sequer são humanos, mas capaz de um amor extremo e capaz até de matar para os alimentar. E as próprias experiências de Susan parecem ser uma forma de expurgar um mal, o vício, tornando-o numa criatura que é suposto ser eliminada. No entanto, vemos como é possível dar amor àquilo que se deveria desprezar. E assim, não sei se consciente se inconscientemente, os autores de 'Hidden' parecem jogar com a arbitrariedade dos afectos e das relações maternais e nisso, precisamente, o filme ganha uma vida para além dos sustos e dos suspenses relativamente bem filmados.
Não se diga que 'Hidden' é um filme assinalável e que traz algo de realmente interessante ao cinema de horror. Não se diga que representa um passo em frente para o género. Mas também não se diga que é um acto falhado, pois, por trás do encolher de ombros que o horror propriamente dito deste filme nos possa provocar, a verdade é que uma ou outra questão ele levanta, e isso vale a pena.

1 comentário:

Graça Martins disse...

Fiquei curiosa. Deve ser interessante!!!
Gostei da tua análise com "pendor" psicanalítico!