sexta-feira, 18 de março de 2011

The Gift: Explode

QUARTO CRESCENTE

Finalmente, chega-nos às mãos o quarto álbum de originais dos The Gift. O último, "AM-FM" era de 2004, e neste hiato de sete anos, os The Gift lançaram ainda "Fácil de Entender", um CD-DVD ao vivo, que fazia uma espécie de apanhado de algumas das melhores canções desde "Vinyl", de 1998. Estava visto que esta colectânea expressava uma certa vontade de iniciar um novo ciclo, que se sentia já nos dois inéditos que tínhamos no álbum ao vivo, "654" e "Nice and Sweet".
O projecto Amália Hoje reuniu Nuno Gonçalves e Sónia Tavares a Paulo Praça e Fernando Ribeiro. É discutível a qualidade desse álbum, porque além do álbum em si, houve todo um aproveitamento dele que em muito condiciona a percepção que se poderá ter dele.


Ainda assim, é em tempo-record que nos chega este "Explode". E, logo a começar pela capa, vemos que definitivamente, alguma coisa mudou.
Ainda que pessoalmente eu ache a capa muito desagradável, sendo objectivo, penso que ela dá testemunho da nova fase que agora se inicia para os Gift. A sessão fotográfica, feita na Índia, dá-nos conta de um universo colorido ao ponto do fantasioso e, de certa forma, hedonista.
Quando começamos a ouvir "Let It Be By Me", percebemos a ligação entre a capa e a atmosfera que se ouve. Estes não são os Gift que tocavam "Me, Myself and I" nem "11:33", e também não são os Gift que ouvíamos em "Wake Up" ou "Real (Get Me For)".
Independentemente disso, a qualidade e a entrega que se sente nestas canções é a mesma de sempre: total.
A primeira coisa que se sente é que a música dos Gift nos surge simplificada. O álbum parece ser mais baseado no trabalho dos quatro músicos da banda e do baterista, Mário Barreiros. Desaparecem os arranjos de cordas tocados por uma orquestra, a que já nos habituáramos desde "Vinyl" mas que, de certa forma, era uma tendência já um pouco contrariada pelo lado FM de "AM-FM".
Mesmo assim, a aposta na electrónica mantém-se firme, sendo esta a estrutura de todas as canções. Paralelamente, ouvimos aqui mais guitarras e mais piano acústico do que ouvíamos habitualmente. Esse lado é particularmente claro em "RGB" ou "Mermaid Song".
Outra tendência que parece clara em "Explode" é a inclinação para o rock, se, de certa forma, mesmo sendo as canções mais alegres dos Gift, mesmo assim têm algo de realmente explosivo, de pesado, que tem mais a ver com o rock. Este lado é também claro nas canções menos frenéticas, como é o caso de "The Singles" ou de "Race is Long".
"The Singles" parece-me ser uma das canções centrais deste álbum. Será talvez a que mais perturbação nos causa. A construção é irrepreensível, com mudanças de ritmo constantes e fundindo sonoridades diferentes, além de ser o exemplo de uma excelente letra, da autoria de Sónia Tavares.
A meio do álbum, e depois dos quase treze minutos de "The Singles", encontramos o lado mais calmo de "Explode". Primeiro, com "Primavera", uma balada cantada em português, tornando-se assim a terceira canção dos Gift em português (Sendo as primeiras "Ouvir" e "Fácil de Entender".), que é particularmente eficaz no sentido em que consegue fundir uma melodia algo triste com um ritmo aparentemente dissidente, mas que, como bem vemos, acaba por não sê-lo. Depois, "Aquatica" continua esta linha, fazendo até lembrar outros tempos dos The Gift, mais barrocos e, neste caso, com um certo sabor a chanson, o que não deixa de ser surpreendente.
"My Sun", que se segue, retoma o lado de mais frenesi. Além disso, faz-nos também perceber algo: este álbum dos The Gift não vem do nada, já anteriormente houve indícios de que eles seriam capazes de um álbum assim. "My Sun" vem precisamente recordar alguns desses momentos, como fossem "An Answer" ou "Red Light", ambos de "AM-FM" ou "Clown" e "Question of Love", que encontramos em "Film". Nesta canção, é ainda de notar um certo e tímido retorno aos arranjos de cordas, ainda que aqui sejam sintéticas. Acontece um pouco por todo o álbum, o que é óptimo porque, para o bem e o mal, os Gift estarão sempre um pouco associados a um tipo de música mais complexo, mais barroco, se quisermos e o facto de aparecer aqui, significa que nada disso é impossível num álbum que se quer mais festivo.
"Suit Full of Colours" é outra das canções serenas de "Explode" e, eventualmente, a mais simples de todas. A canção em tudo se aproxima daquilo que são os The Gift em palco, e "Fácil de Entender" é disto particularmente um bom exemplo. E uma vez mais aqui vemos que os Gift não precisam de abdicar do lado grandioso da sua música, esse sim, verdadeiramente explosivo desde sempre.
A fechar, encontramos "Always Better If You Wait For The Sunrise", que, além de uma das melhores canções deste álbum, parece ser uma das melhores dos The Gift. Representa realmente um trabalho de uma banda de cinco músicos por si só, e capazes de criar uma canção assim tão hipnotizante e verdadeiramente perfeita. E, uma vez mais, palmas para a letra de Sónia Tavares.
À primeira vista, em "Explode" parece mais fácil apontar influências aos Gift do que nos anteriores. Parece-nos ouvir aqui qualquer coisa de Arcade Fire, de Clap Your Hands Say Yeah ou até de alguma coisa dos Kings of Convenience (É de assinalar que o produtor deste álbum, Ken Nelson, trabalhou com estes últimos.). No entanto, ouvindo o álbum segunda vez, percebemos que essas influências, podendo ocorrer-nos quase intuitivamente, na verdade não são tão garridas como poderia parecer. É facto que este é, até à data, o álbum mais trendy dos The Gift. Mas, se bem ouvido, percebemos que não é tão fácil como possa parecer. Por um lado, ele tem algo daquilo que se passa na música alternativa em geral, mas, por outro lado, não deixa de soar também como uma espécie de reacção, ou seja, como uma prova de que determinados conceitos podem ser utilizados sem significarem propriamente uma cedência ou uma perda de identidade. De facto, não há nem cedências nem perdas de identidade aqui.


Uma das coisas mais importantes para um músico é, a meu ver, a capacidade de não se repetir. É facto que "Explode" não vem repetir nada daquilo que os Gift têm feito, ainda que em algumas canções encontramos já alguns indicadores do que viria a ser este álbum. Por um lado, é sempre boa esta capacidade de reinvenção. Os novos Gift são, de facto, mais coloridos e mais "explosivos", mas há algumas reservas que, àparte tudo isso, tenho que colocar. A maior será, penso, esta: os The Gift têm como vocalista uma das melhores cantoras portuguesas. A voz de Sónia Tavares, goste-se ou não, é sempre um prato-forte da banda, quer pela força portentosa, quer pela invulgaridade. Pergunto-me se em algumas (Mas mesmo só em algumas.) canções de "Explode" a voz de Sónia não estará demasiado discreta. Talvez não seja bem assim, mas é facto que, de alguma forma, por vezes se sente falta daqueles delírios que ouvíamos em "Nowadays" ou "Cube".
Aparte isso, penso que "Explode" vem mesmo trazer algo de novo para os Gift, e algumas das suas melhores canções estão precisamente neste álbum. Fico curioso em relação à transposição para o palco. No Teatro Tivoli temos concertos hoje e amanhã e depois nos dias 25 e 26 de Março. A base é boa e eu confio que os Gift não vão desiludir em palco. Como sempre.




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