sexta-feira, 11 de março de 2011

Massive Attack: Heligoland

KAFKA PASSOU POR AQUI


Surgidos em 1991 com "Blue Lines", os Massive Attack acabariam por se tornar uma das bandas mais influentes da década e também uma das mais originais. O álbum de estreia mostrava-nos uma interessante fusão entre um experiementalismo electrónico com soul, gospel e hip-hop, uma mistura que parecendo quase impossível, acabou por se revelar verdadeiramente revolucionária, particularmente pelas participações de Shara Nelson, que entretanto não voltou a cantar com a banda, que não tem vocalista fixo.
"Protection" (1993) levava essa mistura a um outro nível, mais denso, com participações de Tracey Thorn e Nicolette absolutamente inesperadas. Para muitos, a maturidade chega com "Mezzanine" (1998), onde os Massive Attack decidem enveredar pela electrónica, ainda que por vezes a articulem com instrumentos acústicos. Para a história fica "Teardrop", que contava com Elizabeth Fraser na voz, além de outras canções não menos merecedoras de atenção, como "Angel" (Voz de Horace Andy) ou "Dissolved Girl" (Voz de Sara Jay).
E se "Mezzanine" foi aceite por unanimidade, já "100th Window" (2003) caiu muito mal a muita gente. A decisão da electrónica conhece aqui uma garrida plenitude. O álbum, que conta com Sinead O'Connor como vocalista em 4 das canções, é denso, atmosférico, violento e indubitavelmente bizarro. Bizarro de mais para muita gente. Para mim, "100th Window" é um dos melhores álbuns dos Massive Attack e também um dos mais nítidos.
Ao mesmo tempo, é também um álbum que vem fechar um ciclo, por ter levando os conceitos ao extremo, e que exigiria aos Massive Attack um certo tempo de reflexão sobre que caminho tomar agora.
Em 2008, "Collected" vem antologiar o percurso iniciado em 1991, acrescentando uma ou outra canção nova, das quais se destaca, evidentemente, "False Flags".
Foi pouco tempo depois do final da digressão de "100th Window" que a banda começou a trabalhar no seu quinto álbum. Já havia sido anunciado à imprensa com o título "LP5", depois como "Weather Underground", e é sabido que várias canções chegaram a ser gravadas com as vozes de, entre outros, Elizabeth Fraser, Terry Callier, Beth Orton, Mos Def, Feist, Alice Russel e Tom Waits.


Em 2010, o EP "Splitting the Atom" vem já anunciar o lançamento do álbum, que por fim chega, com o título definitivo "Heligoland".
Sete anos depois do último álbum, finalmente temos em mãos o novo. Demorou-me bastante até conseguir lidar com ele e escrever este texto.
"Heligoland" é um álbum não muito fácil de compreender. Ou melhor, ainda que ele tenha um tipo de sonoridade que, por mais que se estranhe, nos consome, é preciso ter em atenção o que ele significa em contraponto com tudo o que os Massive Attack têm feito até ele.
Começa com "Pray For Rain", que nos traz na voz Tunde Adebimpe, o vocalista dos TV on the Radio. Percebemos imediatamente que "100th Window" ainda tem aqui presença. Há aqui uma densidade electrónica que é, definitivamente, a decisão dos Massive Attack, e que, ao que parece, está para ficar. No entanto, "Heligoland" aposta bastante mais do que o álbum de 2003 em instrumentos acústicos, numa percussão fortíssima e em arranjos de cordas a dar o outro lado das canções, mais sinfónico e menos agressivo.
"Pray For Rain" é desde logo uma das melhores canções de "Heligoland", e também uma excelente introdução, pois sintetiza um pouco todos os conceitos que encontraremos nas restantes canções.
A percussão volta a ser prato forte de "Babel", com a voz de Martina Topley-Bird. Percebemos como de facto estas músicas são bastante livres, vagueando em mudanças de ritmo e de esquemas de instrumentos.
Neste álbum, o ritmo torna-se mais marcado, tendo um papel quase estrutural, como vemos acontecer em quase todas as canções.
Aqui, regressam também as guitarras eléctricas que já há muito não ouvíamos aos Massive Attack. Outra questão é que este álbum retoma também uma certa experimentação a nível electrónico. Disto é exemplo particularmente evidente "Flat of the Blade" que faz uso de vozes sampladas, a fazer um pouco lembrar o "Medulla" de Björk.
Horace Andy, que tem sido o vocalista sempre presente dos Massive Attack tem aqui também as suas melhores interpretações desde "Angel", em "Splitting the Atom", onde canta ao lado de 3d e de Daddy G, e em "Girl I Love You".
"Girl I Love You", que é outra das melhores canções de "Heligoland", é também aquela onde sentimos mais a presença de "100th Window". Mas é também aqui que percebemos a volta que a banda deu aos conceitos desse álbum, pois aqui se nota que a densidade electrónica se inclina muito na direcção do rock, o que não acontecia em 2003.
Portanto, ainda que o ponto de partida possa ser o mesmo, a finalidade é outra. Em "Paradise Circus", o single de avanço, que tem Hope Sandoval na voz, mostra-nos precisamente essa finalidade. É uma canção onde, uma vez mais, a estrutura é ditada pela percussão, mas, utilizando linhas de piano repetitivas e incisivas, vai caminhando sempre no sentido de algo de pesado, terminando depois numa explosão orquestral. É uma canção difícil, apesar de tudo; e que nos mostra os novos Massive Attack, que procuram um equilíbrio entre o peso da electrónica e as potencialidades infinitas do lado acústico.
"Rush Minute", que conta com a voz arrastada e sussurrante de 3D, parece ser uma continuação de "Paradise Circus". E também a prova por A+B desta inclinação para o rock, uma vez mais conseguida através da articulação electrónica-acústica. Uma das canções mais pesadas do álbum, e também uma das mais conseguidas.


Se os Massive Attack foram sempre definidos, muito a custo, como trip-hop ou mais simplesmente, alterantiva, penso que "Heligoland" nos empurra um pouco mais para uma espécie de electro-rock e é esse um dos maiores logros do álbum.
"Saturday Come Slow", com a voz de Damon Albarn é literalmente uma continuação de "Rush Minute" vem confirmar aquilo que digo.
Ouvindo estas três canções em particular, percebemos que estamos muito muito longe de "Protection" ou de "Mezzanine". É importante que isto se perceba, uma vez que os Massive Attack acabam por ser perseguidos pelo seu passado. São autores de alguns dos melhores álbuns dos anos 90 e 2000, e as pessoas acabam por esperar deles determinado tipo de coisas. E eles mostram que a qualidade do passado mais não representa que uma fasquia. Não se deixam prender nem fazer mais do mesmo. Talvez "Heligoland", na sua agressividade, não caia bem a quem ainda não esqueceu "Teardrop", mas isso é já um problema de quem ouve.
A canção que me parece mais amarrada ao passado, ainda que não no sentido de ser uma simples repetição, é "Atlas Air", mais uma cantada por 3D. Nela sentimos uma certa influência de "100th Window", mas também de "Blue Lines". Para começar é surpreendente que se consiga na mesma canção aludir a álbuns tão distintos. Mas isso só vem provar que, de facto, as raízes daquilo que é "Heligoland" existiam já, e era uma questão de tempo até que se desenvolvessem desta forma.
As letras andam dentro do estilo de sempre, vagas e com uma certa secura, mas, de alguma forma, incisivas.
Em 2008, na altura de "Collected", assisti ao concerto dos Massive Attack no Coliseu do Porto, que terminou com uma longa canção, cantada por Elizabeth Fraser, anunciada como uma das integrantes do álbum ainda inédito. Essa canção não faz parte do corte final, o que é pena, visto que me pareceu realmente muito boa. No entanto, há que admitir que a impressão com que fiquei dessa canção está muito presente em "Heligoland". Ficaremos sempre a perguntar-nos como seriam as canções excluídas.
Mesmo assim, com as poucas que tem, "Heligoland" revela-se um álbum de forte personalidade e, afinal, um dos melhores dos Massive Attack. É uma drástica e bem sucedida metamorfose ao mais alto nível kafkiano e só por isso, merece já um aplauso.




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