segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Sia: We Are Born

RENASCER, OUTRA VEZ
Sia Furler, ou só Sia, começou por ser conhecida como uma das vocalistas dos Zero7: era ela que dava voz a canções belíssimas como "Distractions" e ao lado de Sophie Barker em "Destiny", ambas de "Simple Things", o álbum de estreia em 2001 do duo de electrónica. O álbum "Healing Is Difficult", que saíra uns meses antes do álbum dos Zero7, é hoje pouco lembrado, mesmo pela própria Sia. Era um álbum de pop-pastilha-elástica com muito pouco de memorável, além da realmente boa voz e de escassas canções de qualidade, que seriam talvez "Blow It All Away" e "Fear". O problema de Sia é que estava a fazer um álbum que não parecia nada convicto. Faltava ali um conhecimento dos mecanismos que por norma gerem música desse estilo, nomeadamente a imagem de Sia, que não correspondia à entertainer que conhecemos noutras cantoras ou "cantoras" do género.
Demorou três anos até que Sia voltasse a aparecer em nome próprio. O álbum, "Colour The Small One" apresentava-nos uma nova Sia, focada na sua voz e nas canções harmoniosas e requintadas, com arranjos grandiosos e de grande intimismo, que parecia mais de acordo com a personalidade musical dela. Mesmo assim, foi a inclusão de "Breathe Me" no encerramento da série "Sete Palmos de Terra" que trouxe alguma atenção ao álbum. Nele encontrávamos outras canções de igual qualidade, como "Numb", "Don´t Bring Me Down", "Rewrite", "Where I Belong" ou "Sunday".
Em 2004 voltava a colaborar com os Zero7 em "When It Falls", e em 2006 grava a voz de seis canções de "The Garden". Em 2007 lança um pequeno EP ao vivo, "Lady Croissant" (Falei dele aqui.).
2008 marca o regresso em nome próprio para "Some People Have Real Problems" (Aqui), que continuava a partir de "Colour The Small One" um percurso singular e de muita qualidade, num registo rock-semi-acústico. Era, na verdade, um muito bom álbum, onde se assumiam todas as decisões.




Em Junho deste ano, Sia lança "We Are Born", quarto álbum. Desta vez, não podemos ignorar "Healing Is Difficult". E se anteriormente o usássemos como ponto de comparação para os dois seguintes, e percebíamos que eram redondamente diferentes, desta vez há que reconhecer que os tempos de "Healing Is Difficult" têm aqui presença. E não é leve.
Mal ouvimos "The Fight", a primeira canção, percebemos que esta Sia não é a mesma cantora serena de "Don´t Bring Me Down", que por vezes sussurrava mais do que cantava. Nada disso. Se há avanço que logo pela primeira faixa se percebe, é que Sia agora é menos tímida. Esse tom sussurrante desapareceu por completo, Sia agora canta, muitas vezes em plenos pulmões.
Se por um lado essa atitude mais desenvolta se manifesta numa sonoridade mais polida, mais forte, não podemos negar que essa inclinação empurra Sia não raras vezes para um registo mais pop (Agora que penso nisso, tem acontecido a vários álbuns que tenho ouvido ultimamente...), uma pop que nos faz pensar em Cyndi Lauper, Suzanne Vega ou até nalgumas canções de Kate Bush, afastando-se consideravelmente das influências que me pareciam mais evidentes no segundo e terceiro álbum, que seriam Aimee Mann, Dido, alguma Tori Amos, alguma Alanis Morissette, e o primeiro álbum de Jewel.
Participam neste álbum Dan Carey (Conhecido pelas suas colaborações com Kylie Minogue, Lilly Allen ou os La Roux.), Samuel Dixon (Christina Aguilera, Corinne Bailey-Ray ou Duffy.), Greg Kurstin (Gabriela Climi, Sophie Ellis-Bextor ou Britney Spears.), entre outros; mas destaco estes por serem já colaborações antigas. No entanto, se antes se notava que, maioritariamente, eles haviam aderido a Sia, parece que em "We Are Born" é Sia quem se molda mais às tendências pop com que os seus co-autores/produtores habitualmente trabalham.
Uma vez mais, a grande questão sobre este álbum é perceber que o registo pop acenta bem a Sia. Acenta. Este não é o registo pop cheio de pretensões que era "Healing Is Difficult". É um álbum completo, em que não se fica com a sensação de que falta alguma coisa. E a verdade é que, como em tudo, há boa pop e má pop. E Sia consegue filtrar o que a pop possa ter de melhor.
Canções como "Be Good To Me", "Cloud", "You´ve Changed" ou "Stop Trying" aí estão para o provar.




Não encontramos aqui o registo íntimo a que nos habituámos, e talvez se possa sentir falta dele. Mas isso não significa que esta versão de Sia não resulte bem. Nalguns aspectos, até parece funcionar perfeitamente. Ela consegue manter o seu registo de voz, onde é importante o prolongamento das palavras (De que por vezes abusa ao ponto de se tornar incompreensível o que diz.), mostra ter grande capacidade vocal e flexibilidade, e isso, de certa forma, equilibra as canções, porque não parece que haja aqui um excesso de rigidez. As antigas canções "calmas" estão ainda aí, mas parecem diferentes, mais firmes, como acontece em "I´m In Here" que se destaca do conjunto por ser a única "balada".
Por isso, a conclusão mais evidente é mesmo que Sia encontrou a sua identidade, e agora procura as várias maneiras de se mover nela. Não me parece, como acima disse, que recue aos tempos do primeiro álbum, antes toma toda a experiência dos outros dois e a assimila num trabalho mais "leve". Por isso mesmo, "We Are Born" é um (re)nascimento, uma espécie de "começar de novo", sempre partindo do princípio que já se esteve aqui antes, mas que se precisa de mudar.
Essa ideia de "leveza" é o que mais me ocorre sobre "We Are Born". É, talvez, o que mais mudou em Sia, há nela algo de alegria, de luminosidade, ouçam-se "The Co-Dependent" ou "Clap Your Hands" (Lembro "Little Black Sandals" ou "The Girl You Lost To Cocain".). E mesmo assim, há aqui algo que se reconhece, principalmente do álbum anterior: como Sia por vezes fala de situações desagradáveis, mas consegue cantá-las de uma forma liberta, quase alegre e nada depressiva. Sia deslocou-se das canções tão tristes como eram "Breathe Me"
De referir é também a coerência tão evidente de "We Are Born". As canções conseguem gerar uma certa homogeneidade, sem por isso se tornarem meras repetições umas das outras. Há, por isso mesmo, algumas canções que se destacam. "The Co-Dependent" parece-me a mais conseguida, mas pode-se falar também de "The Fight", "I´m In Here", "Stop Trynig" ou "You´ve Changed".
Com tudo isto, parece-me que, no seu renascimento, "We Are Born" está a milhas de ser um mau álbum. Pelo contrário, é um corajoso passo em frente na discografia de Sia.



o vídeo de "You´ve Changed"

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