Foi em 1980 que apareceu nos cinemas um filme chamado "Sexta-Feira 13", dirigido por Sean S. Cunningham e escrito por Victor Miller. E se diz o povo que "a ocasião faz o ladrão", hoje que é sexta-feira 13, por que não falar desse filme?
A premissa, que partia de um drama familiar, tornar-se-ia ao longo dos anos uma das mais extensas sagas do cinema de terror.
"Sexta-Feira 13" era o segundo filho de um género na altura undergound, o slasher movie, um estilo específico e especificamente sangrento do filme de terror. Já em 1978 John Carpenter, o absoluto mestre do horror nos tinha oferecido "Halloween", e em 1984 seria a vez de Wes Craven realizar "Pesadelo em Elm Street". São aqueles filmes que causavam delírio em quem, como eu, aos treze anos ia ao clube de vídeo com a melhor amiga, no tempo das cassetes de vídeo, e passava a tarde a dar saltos no sofá e a comer caramelos... Filmes como já não se faz.
Até à data, estes três filmes tornaram-se filmes de culto, e originários de várias sequelas (Sete para "Halloween", onze para "Sexta-Feira 13", oito para "Pesadelo em Elm Street".) e um remake para cada um (O de "Halloween" tem direito a sequela própria.).
O slasher movie caracteriza-se essencialmente por episódios sangrentos que normalmente envolvem assassinos em série. E se tanto "Halloween" como "Sexta-Feira 13" se moviam ainda no terreno do possível, do verosímil, seria o filme de Wes Craven que traria o fantasioso ao género, quando cria Fred Krueger, um defunto que assassinava pessoas quando elas sonhavam com ele, confundindo assim o real com o delírio, tocando ainda questões de memória colectiva/comunitária. As armas, por norma, são brancas: Michael Myers, o galã do filme de Carpenter, usa uma faca de cozinha, Mrs. Vorhees, a mãe destroçada de "Sexta-Feira 13" uma faca de mato, e Fred Krueger usava uma luva com garras de metal. Com tudo isto, é natural concluir que "vai haver sangue".
"Sexta-Feira 13" mostra-nos um campo de férias onde vários perceptores começam a ser assassinados. O assassino, que se revela ser uma assassina, é Mrs. Vorhees, a mãe de Jason Vorhees, um rapazinho que morrera nesse mesmo campo de férias, porque os perceptores estavam mais ocupados a fumar e fazer sexo do que propriamente a tomar conta das crianças. O resto são mortes de pungente violência, numa altura em que esta violência era ainda muito invulgar em cinema.
Outra característica que une estes três filmes é a questão da vingança: é ela que move os assassinos. Michael Myers, que é uma encarnação do mal, volta à cidade onde nasceu e de onde foi levado para um hospício depois de ter morto a irmã mais velha à facada; Mrs. Vorhees vinga o filho perdido e Fred Krueger, que em vida fora um infanticida, volta para atormentar os filhos da comunidade que lhe deitou fogo.
O problema destes filmes são as sequelas. "Halloween" teve ainda direito a duas sequelas decentes ("Halloween II" e "Halloween H20".) mas os outros dois são casos de filmes completamente destruídos pelas sequelas. Em "Sexta-Feira 13, Parte 2", Mrs. Vorhees dá lugar ao próprio filho, Jason, que volta dos mortos para, ano após ano, assassinar mais perceptores de campos de férias; Fred Krueger é levado de pesadelo bizarro em pesadelo bizarro ao ponto da exaustão e nem o regresso de Wes Craven a realizar "New Nightmare" o salvou do aborrecimento e da predicabilidade para que o levaram.
"Halloween" dá uma inesperada reviravolta quando, no segundo filme, que continua a noite do primeiro, o psiquiatra e a enfermeira de Michael, que incansavelmente o perseguem, descobrem que Laura (Interpretada por Jamie Lee Curtis.) é na realidade irmã de Michael. É a mesma Laura que encontramos em "Halloween H20", 20 anos mais tarde, a ser descoberta finalmente pelo assassino, para o confronto final.
Uma coisa é certa: os filmes originais são impagáveis. Não se trata apenas de terem sido pioneiros na violência explícita e cruel, sádica por vezes, mas precisamente por, ainda hoje, nos parecerem despidos desse facilitismo que caracteriza o terror actual. Permanecem como objectos puros, de culto como acima disse, estão nos antípodas do bom e do mau que se faz no cinema de horror.
E a prova disso é que haveriam de ser esses filmes a influenciar toda uma camada jovem de realizadores que acabaram por dar um tiro no próprio pé, pois a influência foi tão grande que se tornaram pouco inventivos, elevando os três filmes originais à categoria de fórmula, que foi repetida vezes e vezes sem conta, ao ponto de já não surpreender, não causar mais que um bocejo e a sensação de que já vimos isto em algum sítio. São filmes como "Sei o que Fizeste no Verão Passado", "Dia de S. Valentim", além de quase todas as sequelas desses três filmes, que quase nos fartaram do tema. Chegou-se ao cúmulo de cruzar, em 2009, Jason Vorhees e Fred Kruger num ridículo confronto sem razões, em "Freddy vs. Jason".
É precisamente ao "moderno" que devemos a quase-destruição dos filmes originais. Além das ideias peregrinas sobre a imortalidade dos assassinos, que a cada filme morrem definitivamente, até que chega o seguinte que nos mostra que "afinal não", e como se isso não fosse suficientemente penoso, vemos os nossos heróis/homicidas a viajar pelo espaço, pela internet, pelos estúdios de cinema.
De destacar é um filme, também susceptível de ser incluido nesta categoria. Trata-se de "Massacre no Texas", de 1974, de Tobe Hooper. Foi o filme mais "deixado em paz", pois a ele dedicaram-se apenas três sequelas que nada têm de assinaláveis, e o remake de Marcus Nispel, em 2003, que é surpreendentemente bem conseguido. Considerado por alguns como um filme menor do género, parece-me não ser nada desprezível, e até invulgar neste contexto, pois em vez de se movimentar no campo da vingança (Por isso o guardei para o fim.) move-se no terreno das perversões e das psicoses, que, nevertheless, resultam no mesmo "massacre" sangrento, levado a cabo pelo temível Leatherface.
Como único digno descendente do slasher movie nascido nos anos 70/80, destaco "Mitos Urbanos" de Jamie Blanks, que ameaça já tornar-se outro clássico, contando já duas sequelas, sendo que a primeira não é um completo desperdício da original ideia de trazer para o real a mitologia urbana, sempre dentro do conceito de vingança. Além deste, existe "Scream", realizado pelo veterano Wes Craven, que é simultaneamente um slasher movie e um ensaio sobre o mesmo, sobre as regras que movem o filme de terror. Da trilogia, parece-me ser relevante apenas o primeiro. O segundo e o terceiro capítulos revelam-se de uma estranha inépcia.
Hoje, são raras as excepções à vulgaridade que o cinema de terror atravessa. Alguns filmes, como "The Blair Witch Project" de Eduardo Sanchéz e Daniel Myrick, "Jeepers Creepers" de Victor Salva ou "A Nona Sessão" de Brad Anderson dão-nos conta de alguns jovens realizadores com boas ideias, o resto são os mestres de sempre, Craven, Carpenter e pouco mais. No entanto, é sempre bom ver estes filmes e perceber que o percurso do cinema de terror nem sempre foram "as ruas da amargura".
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