segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Dia Cinzento


O dia cinzento, o apito do comboio, o funeral que ainda há pouco se arrastava em frente da minha janela... Foi isto, talvez, que me fez pensar em ti.
Foi num dia assim que te encontrei. As hordas bárbaras, então poderosas, estrondeavam pela rua. Estendeiam-se milhares de braços; era a nova saudação.
Impassível, tu assistias. E os meus olhos encontraram os teus, escuros e tristes.
Rompemos a multidão, espámo-nos por essa rua estreita que levava ao rio, e quando chegámos acima da ponte já tudo era tranquilidade.
Mas o dia era cinzento.
Espesso nevoeiro cobria o rio. Saudosa e lenta vinha até nós uma canção. Cantava-a alguém alheio ao mundo de violência.
E as nossas mãos uniram-se.
Sim, esse foi o dia em que te encontrei.
Mas não tardou o outro em que tiveste de fugir às garras dos bárbaros. Estivémos em frente do comboio. Não falávamos, e tanto havia a dizer. Porém a dor cerrava as nossas bocas e abafava as palavras nos corações.
Mais uma vez abrançaram-me os teus olhos, escuros e tristes.
E então o apito do comboio...
Veio depois a carta de tarja negra: as tuas últimas palavras que uma boa alma me transmitiu.
E hoje, num dia cinzento em que o funeral se arrastou em frente da minha janela, tenho de pensar em ti.

Ilse Losa
Grades Brancas
1951, ed. Centro Bibliográfico de Lisboa
pintura de Henri Toulouse-Lautrec

Sem comentários: