quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Quando Capitalismo e Livros se Juntam

A meia-dúzia de pessoas que vai lendo este blog, imagino eu, deve interessar-se por livros. Se assim é, e principalmente se tiverem uma idade que ronde a minha, já devem ter experienciado qualquer coisa como o que se passou comigo esta noite: de passagem por uma livraria de Viana do Castelo, fui perguntar se tinham um livro que quero ler- "Infância e Palavra" de Luísa Dacosta- e, quando me disseram que não tinham, pedi que verificassem se existia nos armazéns da livraria, que faz parte de uma grande cadeia (Ok, ok, era a Bertrand.), ao que me responderam que não, não senhor.


Já mais tarde, lembrei-me que se trata de um dos volumes da colecção Pequeno Formato, que a Asa publicava antes de ser vendida à Leya. Não terá sido há muito tempo que li vagamente um artigo, penso que de António Guerreiro, em que se referia o destino dos livros que existiam antes da venda (Que não é da alma ao diabo, mas quase.). Bom, aparentemente, grande parte dos livros desta colecção foram guilhotinados pela gigante multi-editora.

Concluí sem estranheza que provavelmente os que não foram guilhotinados foram os que já se encontravam esgotados- caso das maravilhosas "Canções do Rio Profundo", de Yvette K. Centeno.

Se esta medida tem por si só o evidente peso de nojo e de anti-cultura que não preciso de especificar, ele torna-se mais grave ainda quando pensamos que, a todo o momento, a obra de um autor está a ser descoberta por novos leitores. É o meu caso, que só há alguns meses me cruzei com a obra de Luísa Dacosta, que me seduziu especialmente, e que gostaria de poder reunir na minha estante.

Face a isto, e à ideia em vias de extinção de que fazer um livro é ainda produzir cultura, não compreendo realmente como alguém no seu perfeito juízo manda guilhotinar milhares de livros de autores como António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner, Maria Velho da Costa, Eduarda Chiote, António Rebordão Navarro, Jorge de Sena, Mário Cláudio, José Viale Moutinho, Manuel António Pina, Albano Martins, João Miguel Fernandes Jorge, Vasco Graça Moura, Inês Lourenço entre muitos outros. E isto sem falar das colaborações na parte gráfica, que contam com hors-texte de artistas como Júlio Resende, Jacinta Andrade, Jorge Pinheiro, José Cutileiro, Armando Alves, Lídia Vieira, Arpad Szenes, Mário Botas, José Rodrigues, Mário Cesariny de Vasconcelos, António Cruz, entre muitíssimos outros, sem contar com a sempre preciosa mestria gráfica de Armando Alves, a quem devemos o formato e a apresentação dos livrinhos.
O que a Leya não parece perceber é que desperdiça completamente o trabalho de José da Cruz Santos que, méritos e deméritos àparte, dirigiu primorosamente a colecção, como também os textos e desenhos de todos esses colaboradores, que por mais que não esgotem necessariamente edições, não deixam de ser nomes que estão na História da Literatura portuguesa. É uma das mais insultuosas maneiras de faltar ao respeito a todos: os leitores, ao director da colecção, ao director gráfico, aos autores e aos artistas.
Se estas obras foram sobrando nos armazéns da editora, não quer dizer que por aí ficassem para sempre, porque, como acima afirmei, as obras dos autores estão sendo contínuamente descobertas; não acredito que eu tenha sido o único leitor português que nos passados meses se cruzou com um dos autores que existem nesta colecção.
E se era muito caro para a editora reservar espaço para os livros, por que guilhotiná-los é a única solução? Podiam muito bem ser distribuidos pelas livrarias a um preço baixo (Lembro que cada um custa cerca de 12 euros, o que pode ser muito para um livro de "pequeno formato".), ou até fazer uma feira e vendê-los nem que fosse a 50 cêntimos, porque sempre dava mais lucro do que pura e simplesmente destruí-los.
É por estas e por outras que não consigo acreditar que o uma postura capitalista possa rimar com fazer livros, porque inevitavelmente alguma coisa se perde no caminho. Relembre-se que em Portugal, fazer livros, ou livros com a qualidade dos desta colecção, não é realmente um negócio de grandes lucros, e quando uma mega-editora compra uma pequena editora, deveria estar ciente disso.
O que se passou sempre em Portugal com o mercado do livro nunca deu boas notícias. O pior é quando no meio das más surgem estas que são muito muito más, como é o caso.
Restam aquelas pequenas livrarias onde as editoras nem se lembram de levantar o stock, pode ser que lá encontre o livrinho que procuro...

4 comentários:

Graça Martins disse...

só há uma FRASE que define essa atitude comportamental - REGRAS DE MERCADO CAPITALISTA...
A cultura é sempre atirada para o lixo, e interessa manter o analfabetismo e ALIENAR a maioria, com outros valores, claro...

Anónimo disse...

Tal como havia escrito Marx nos seus manifestos: "O consumismo é o genocício da cultura". Neste aspecto, podemos tomar o exemplo pragmático da actual condição social na Grécia, de forma a entender a previsão quase messiânica do autor de "O Capital".

Pedro Mota Tavares

Graça Martins disse...

Se fosse só na Grécia...
Pedro, concordo contigo, mas uma parcela significativa do mundo, está atulhada de inutilidades, que as pessoas continuam a comprar e a perder a essência da vida. Respiram apenas para o consumismo e claro o capitalismo CRESCE, E IMPEDE QUE A CULTURA SOBREVIVA. A outra CULTURA, aquela que desperta a mente, que reforça o indivíduo, que esclarece, que desmistifica o MEDO. Essa é destruida, amordaçada...

Supermassive Black-Hole disse...

Creio que faz parte do Plano Nacional de Estupidificação, que tem sido a única matéria em que toda a gente, independentemente de partidos, etc, tem estado de acordo. Quem tem outros interesses leva sempre por tabela.