de coração abismado para mim
como um dentro onde ilumine o lixo
e a sucessiva merda que há-de vir
penso na subversiva recursiva morte
e escrevo
venham de longe meus suaves assassinos
violoncelos tocados por um poema
que um pirómano de longes dedilhou
anda gustav mahler meio jesus cristo
trespassador de paisagens proibidas
aguardo os teus passos de alvorada
e a dissolvência irónica de mim
não sirvo para mim próprio
engenho fácil a fornicações
a promessas de braços esculpidos
que não sabem nunca quem eu sou
cheguem das artérias gastas
britten shostakovich e rachmaninov
bach tocado pelos mortos quando nascem
e a luz de luz onde é prisão
esvaziem-me intensa e rapidamente
minha realidade corrente e destrutiva
doença de verdade aonde moro
a espessa casa que me tem os ossos tensos
quero depressa o esquecimento consciente
o meu fim primeiro
(não tenho carne tenho uma espécie de palavra
que não tem a pele como incêndio
ossos de reencarnação para o tempo nunca
e a fome dissolvente de outro)
Pedro Sena-Lino
Biofagia
ed. Quasi, Abril de 2003
Biofagia
ed. Quasi, Abril de 2003
imagem de Hans Bellmer
1 comentário:
Outro poema forte do Sena-Lino.
A imagem do Bellmer está perfeita para acompanhar.
Há bons poetas em Portugal. Decididos nas palavras e fortes nas emoções.
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