EM CARNE VIVA
Alemã de nascença, Ute Lemper iniciou a sua carreira em 1986 com "Ute Lemper Sings Kurt Weill", e o seu próximo álbum está prometido para breve. Já protagonizou peças musicais como "Chicago" ou "Cats", e a sua imagem e postura vão beber a Marlene Dietrich, Jeanne Moreau, Ingrid Craven ou Edith Piaf, mas a sua forma de cantar é, felizmente, muito sua, muito própria: carnal, visceral, irrespirável, asfixiante, extrema, forte.
A versão europeia de "Punishing Kiss", o seu décimo sétimo álbum, começa com "Little Water Song" de Nick Cave. Já aqui percebemos que estamos perante um grande álbum de uma intérprete prodigiosa. A maneira rasgada, oscilante, ora deseperada, ora calma, como canta a história de uma mulher que está a ser afogada pelo namorado é tocante, e tem o condão de nos arrastar instantaneamente para dentro do que se segue. E o que se segue não desaponta: "The Case Continues", escrito por Neil Hannon e Joby Talbot, dos Divine Comedy, mais um relato pouco óbvio, neste caso de um crime passional. Encontramos, em "Tango Ballad" de Kurt Weill, um excelente dueto com Neil Hannon, o próprio, que voltaremos a encontrar ainda em "Split", composição dos Divine Comedy. Outros compositores presentes são Tom Waits com o excelente "The Part You Throw Away", em que o acordeão, num tom cavo, se enrola com a voz, melancólica e sóbria, e em "Purple Avenue"; Philip Glass com o magnânimo "Streets Of Berlin"; e Elvis Costello, com o tema que dá título ao álbum, e ainda o fantástico "Couldn´t You Keep That To Yourself?".
Neste primeiro álbum em que interpreta autores contemporâneos, Ute Lemper não podia, afinal, ter estado mais irrepreensível: tem a capacidade de nos fazer esquecer a proveniência das canções, e se o seu nome constasse nos créditos como compositora, seria fácil acreditar. É difícil ouvir Nick Cave neste "Little Water Song", como é difícil ouvir Elvis Costello neste "Punishing Kiss".
Se há maus momentos neste álbum, eles estão muito bem camuflados, não damos por eles. Mesmo a última faixa, "Scope J", que poderia pecar por ser demasiado calma para ser a última, não soa mal, nem parece deslocada.
Percebe-se, no final, porque é tão justo que Ute Lemper seja uma diva por excelênica. Primeiro porque, não fosse ela, e a tradição do cabaret alemão era já uma memória, e segundo, porque quem faz álbuns destes, tem que ser reconhecido, senão não há justiça no universo.
Veredicto Final_ 19/20
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