Sinto-me, após repetidas e deliciadas audições do sexto álbum da minha islandesa preferida, Bjork Gudmundsdottir, a falar de tal objecto. “Volta”, ao contrário do que se possa dizer, não é voltar á pop, nem voltar a coisa nenhuma. Quando muito, é voltar aos primórdios, ao ancestral, mas voltar no tempo cronológico, não nos conceitos patentes na discografia de Bjork.
Ou seja, sem que eu lho dissesse, Bjork deu-me aquilo que dela queria ouvir desde “Medulla”. Foram três anos de espera que valeram bem a pena. O que marcava Medulla eram as beats de sonoridade animalesca, ancestral, mas produzidas com a voz. A primeira coisa que pensei, quando me habituei aos conceitos do quinto álbum, foi em como seria bom ouvir a mesma sonoridade, mas com instrumentos. E é essa uma das melhores e mais exploradas ideias de “Volta”. Fica aí, igualmente, o ponto de partida: o álbum abre com “Earth Intruders”, o primeiro single, com uma beat criada por Timbaland, sopros, sintetizadores (Isso sim, é um retorno, já não os víamos desde “Vespertine”, em 2001, com excepção da faixa “Storm” de “Drawing Restraint 9” de 2005.), e o lado tribal é a primeira coisa em que se repara. Também aqui podemos estabelecer uma discreta ponte com “Medulla”, pela voz feminina que entoa algumas notas, tratada como um instrumento. Timbaland surpreende. Quem ouve as afrontas que escreve para Nelly Furtado, Justin Timberlake ou as Pussycat Dolls tem dificuldades em acreditar que seja capaz de uma criação tão genial. Ou então, como eu, decide acreditar que essa famigerada beat tem mão de Bjork. “Earth Intruders” é uma excelente canção, mas talvez uma escolha imprópria para abertura do álbum: é nela que Bjork aglomera, sintetiza os conceitos das outras canções, ou seja, dá-lhe o tudo por tudo, e talvez isso fosse mais interessante para encerrar o álbum.
Prosseguindo, encontramos “Wanderlust” que, segundo a cantora, é o ponto de partida ideológico de todo o álbum. E uma belíssima canção, nesse sentido literalmente, é bela, bonita. A voz vagabundeia sobre os sopros dos Konono nº1 e a beat, suja e demarcada.
É na terceira faixa que a voz de Antony Hegarty, dos Antony and The Johnsons, se faz ouvir pela primeiríssima vez. E muito bem. “The Dull Flame Of Desire” cabe também no conjunto das canções bonitas do álbum. Certo é que somos arrastados para uma atmosfera deprimente, mas, sem dúvida, o dueto entre Bjork e Antony é perfeito, e as percussões, crescentes, só engrandecem mais ainda aquilo que podemos chamar uma potentíssima balada.
“Innocence” volta a trazer-nos uma beat de Timbaland, não menos má que a do primeiro single, mas certamente mais reconhecível. Uma boa canção que só peca por viver demasiado do ritmo, que, por bom que seja, não chega para fazer uma canção. Mas a postura vocal de Bjork, e os discretos arranjos, a juntar a uma audição atenta, salvam tudo.
“I See Who You Are” sai prejudicada por se seguir a “Innocence”. O ritmo frenético da quarta faixa abafa quase até ao apagamento a quinta. Mas a linha de kora de Toumani Diabaté é, sem dúvida, uma traço interessante, e a marca do interesse de Bjork pelo lado acústico, que já estava óbvio em “Drawing Restraint 9”.
“Vertebrie By Vertebrie” nasce do reaproveitamento de “Vessel Shimenawa”, uma secção de sopros pertencente ao álbum anterior, á qual se acrescentou uma beat, e a voz que narra uma história um tanto violenta. O título diz tudo. Mas é, sem dúvida, uma das canções mais carnais e mais humanas de “Volta”.
“Hope” é mais uma beat de Timbaland, a última, numa canção que se aproxima da sonoridade de “I See Who You Are”, sem a decalcar, o que é importante. Ao mesmo tempo, há uma enorme harmonia e paixão efusiva em todas as notas.
“Declare Independence” é o momento mais hardcore, agressivo e violento de todo o álbum. Para já, a utilização da guitarra eléctrica é uma novidade, a beat atinge proporções de proibitivo brilhantismo, e, no fim, ficamos com um hino de libertação e anti-colonialismo, gritado com toda a vivacidade por Bjork. Uma música que não se deve ouvir sentado. E vamos dizer só isto.
Para terminar, “My Juvenille”, ainda que com os fenomenais traços da voz de Antony e da kora de Diabaté, é demasiado neobarroca para um final. Isto porque, se tivéssemos algo mais energético, não poderíamos deixar de repetir a audição. Com isto, ficamos como se tivéssemos tomado um brandy depois de uma refeição abundante.
Agora, a parte em que me assumo como fanático de Bjork, e em que chamo demagogos a essas criaturas que deturpam as escolhas dela.
Acho muito bem que ela procure na natureza aquilo que é a génese do seu som, e das suas temáticas. Bem vistas as coisas, toda a gente procura falar do que tem dentro de si. Bjork recusa frequentemente esta atitude. Nada contra quem a assume, mas não deixa de ser original não o fazer. Em relação á imagem, há que separar as coisas. Bjork é uma compositora de talento raro (Para não dizer único.), capaz de criações absolutamente fora de série, e não catalogáveis, mas a imagem é outra coisa. A imagem é o suporte, e, também no suporte, Bjork é assinalável. Cada álbum é um objecto individual que, como tal, é acompanhado pela sua própria imagem. É errado criticar Bjork por mudar de visual de acordo com as mudanças na sua música, porque ela não faz mais do que faz uma actriz, e do que fazem muitos outros músicos. Mísia faz o mesmo, Tori Amos em “American Doll Posse”. Porquê descarregar em Bjork?
Quanto ás suas participações, oportunismo não só não é a palavra certa, como não chega sequer a caber. Há que saber ter á nossa volta as pessoas certas, e Bjork não fez outra coisa. Esteve muito na berra trabalhar com o Dallas Austin, e no entanto ela não o fez. É selectiva, e tem dedo, Matmos, Nellee Hooper, Tagaq, e o próprio Timbaland têm, certamente, aos olhos da pequena islandesa, qualidades adaptáveis ás suas ideias. Se leva isso por diante, não vejo onde está o problema.
Isso ou não são críticas sinceras, ou é não ter inteligência capaz para entender o contexto da música da Bjork (Entender NÃO é gostar.) Eu acho que é mais a segunda.
Juízo Final_ 20/20
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