À data da sua estreia, com este volume de contos, seria difícil de prever no que a posterior obra de Maria Gabriela Llansol iria resultar. Para todos os efeitos, a obra de Llansol, como a conhecemos, começa a traçar-se timidamente em "Depois de Os Pregos da Erva", editado em 1973, e mesmo assim, seria "O Livro das Comunidades", de 1977, a realmente fundar a obra que se celebrizou por títulos como "Causa Amante" (1984), "Contos do Mal Errante" (1986) ou "Um Beijo Dado Mais Tarde" (1990).
E, no entanto, seria inadequado dizer que Maria Gabriela Llansol não está nos contos de "Os Pregos na Erva". Editados em 1962 pela Portugália editora, e escritos entre 1956 e 1960, viriam a ser reeditados apenas em 1987 pelas edições Rolim, com um posfácio de Augusto Joaquim.
Mas, na década em que surgem, é de notar, como veremos no ensaio do marido da escritora, que a crítica não foi particularmente generosa com os contos de Llansol. O que é de estranhar.
Uma primeira e quase superficial leitura destes contos mostra-nos que neles há uma espécie de recusa do climax. Além disto, estes contos são pautados por aquilo que conhecemos, desde Nathalie Sarraute, como "ante-sentimentos". Ora em 1959 , já Fiama Hasse Pais Brandão, só para dar um exemplo, publicara o seu livro "O Aquário". Ainda hoje, há uma certa hesitação em definir esse livro de Fiama: há quem prefira classificá-lo como prosa poética ou poema(s) em prosa, outros ainda lhe chamam narrativa, conto. E neste livro, existe também essa ideia do ante-sentimento, como Urbano Tavares Rodrigues apontaria no seu prefácio à primeira peça de teatro publicada por Fiama, em 1961, "Os Chapéus de Chuva", além do não-acontecimento, que me parece presente tanto ou mais no livro de Fiama como no de Llansol.
No entanto, "Os Pregos na Erva" não teve a mesma benevolência quando foi lançado. Podemos reparar que estes contos foram lançados como tal, ao passo que o dia Fiama, uma vez mais por exemplo, fôra lançado sem qualquer classificação numa colecção de poesia. Podemos também relembrar Herberto Helder, que em 1963, um ano depois da estreia de Llansol, publicaria uma colectânea de contos, "Os Passos em Volta", numa colecção de contistas, e actualmente a crítica é unânime em afirmar que a separação entre prosa e poesia é, nesse livro, muito ténue.
Se a isto acrescentar-mos que em 1961 Portugal assistia ao boom do Poesia 61, que veio revolucionar os conceitos que reinavam na poesia anterior, é mais estranho ainda pensar que a escrita de Maria Gabriela Llansol não tenha causado nenhuma impressão especial. É justamente pela questão da invulgaridade ou da originalidade que refiro Fiama, o Poesia 61 ou Herberto, e menos para entrar numa análise da canga poética na obra de Llansol.
Isto não tem, na verdade, interesse absolutamente nenhum, com excepção de um pequeno pormenor: é que sobre "Os Pregos na Erva" acaba por não existir nenhum texto crítico realmente imparcial, pois aqueles que existem e que realmente se concentram em entender o difícil universo llansoliano estão já inquinados pela leitura da obra posterior; incluindo esta nota de leitura.
Mas, concrectamente sobre este volume de contos, muito se pode dizer.
Maria Gabriela Llansol coloca-nos constantemente perante situações sufocantes. Os seus contos têm frequentemente um número de pessoas fechadas num espaço que parece sempre demasiado pequeno para todos. Mas mais sufocante ainda do que esta arrumação de pessoas, que pautam a maioria mas não a totalidade dos contos, é a dificuldade de comunicação e mais ainda de reacção que os seus personagens manifestam. De certa maneira, é como se estas pessoas tivessem consciência de que precisam de reagir a alguma situação, mas fossem vencidas pela inérica ou pela impossibilidade. Explica isto melhor aquilo que acima disse, acerca do não-acontecimento, do "quase" (Que a crítica apontou religiosamente em cada texto sobre este livro.) existente em cada um destes contos.
Pergunto-me (O que prova que, realmente, nada do que se diga sobre "Os Pregos na Erva" é imparcial.) se isto não poderá, conscientemente ou não, representar a escrita verdadeira de Llansol: podemos deduzir que a escrita que lemos nos restantes livros da autora já estaria dentro dela, mas amordaçada, ou ainda em maturação, querendo sair, querendo ser escrita. Porque é um pouco isso que acontece nestes contos: há alguma acção, alguma palavra, que os personagens querem legitimar, mas por umas ou outras razões, disso se vêem impedido.
Outra característica que me parece comum a quase todos estes contos é a solidão que existe em cada um dos seus personagens, que talvez nem seja solidão, mas mesmo isolamento. Por mais que acompanhados, estes personagens parecem ter dificuldades em coadunar aquilo que sentem, aquilo que intimamente são com aquilo que os rodeia. Os indíviduos encontram-se numa permanente ruptura com o meio. E será justamente tudo isso que justifica os não-acontecimentos de cada conto. Esta ideia de isolamento, de redução àquilo que se sente e se pensa, é reforçado ainda pela ausência de elementos biográficos, de elementos que situem o personagem num trabalho, numa cidade, numa família: isso raramente existe nestes contos e, quando acontece, é um pormenor sem importância.
Num dos contos, no entanto, parecemos encontrar a escritora que Maria Gabriela Llansol se revelaria a partir de "O Livro das Comunidades". Refiro-me ao conto "O Sal". Este é um dos contos mais antigos deste livro, datando de 1957, no entanto, é aquele que mais parece aproximar-se dos conceitos que formariam a restante obra (Ou "restante vida".) llansoliana. Estamos perante uma mulher que Pensava literariamente (pag. 71). Quando o marido desta personagem entra, eis o que lemos:
Se escrevesse um livro talvez o escolhesse para uma das personagens (...) Mas não diria nada sobre ele, a não ser que tinha entrado ou saído da sala ou bebera um copo de groselha. Não encontraria melhor maneira para descrever alguém de contornos apagados. Numa folha branca defini-lo-ia com um simples segmento de recta.
(pag.72)
Ou seja, em tão poucas linhas, temos já o processo tão llansoliano de absorver a realidade como forma de escrita, e até a ideia do segmento de recta que, ao longo da maioria dos seus grandes romances haveria de ter uma presença essencial.
Além de uma espécie de formação de pensamento, literário e outro, "Os Pregos na Erva" vale ainda por certas passagens de uma pungente beleza, em que reconhecemos inevitavelmente uma presença da poesia, uma densidade metafórica que comove, e ao mesmo tempo, também uma certa violência, que os títulos dos contos evidenciam (Note-se "Os Pregos na Erva", "Os Corpos Cercados", "A Casa às Avessas", "A Manhã Morta" ou "A Terra Fora de Sítio".).
Mas esta podia ser a ideia essencial deste livro: ele apresenta-nos a violência, a agressão, o desgosto, como elementos que se intrometem numa determinada realidade a que somos apresentados. É dessa perturbação e da impotência perante ela que vivem os personagens, como se, ao deixarem-se cair, realmente sentissem "os pregos na erva".
Serão um pouco estas a lógica e a estética do livro de contos "O Estorvo" que fecha o livro "Depois de Os Pregos na Erva".
3 comentários:
Boa tarde
Encontrei este blogue ao fazer uma pesquisa de imagens por Finita, Maria Gabriela Lansol. Acabei por levar daqui uma imagem para um post que vou escrever. Porei, em legenda, o link para o Camel & Coca Cola.
:-)
Obrigada
Boa tarde
Encontrei este blogue ao fazer uma pesquisa de imagens por Finita, Maria Gabriela Lansol. Acabei por levar daqui uma imagem para um post que vou escrever. Porei, em legenda, o link para o Camel & Coca Cola.
:-)
Obrigada
Cara Vera, agradeço.
Mais ainda, pode encontrar no meu outro blog, O Livro Pela Capa, a capa da primeira edição do Finita, desenhada pela pintora e artista gráfica Graça Martins.
Saudações.
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