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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Memorial Temporário #3


''A batota inocente de Florbela Espanca'', um texto meu sobre algumas cartas da escritora ao segundo marido, que podem ler aqui.

(na imagem, o retrato de Florbela por Graça Martins)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Florbela Espanca (algumas fotografias)


 
Florbela e o primeiro marido, Alberto Moutinho. Foram casados entre 1913 e 1921

António Guimarães, o segundo marido, com quem Florbela esteve casada entre 1921 e 1925

O terceiro marido, Mário Lage. O casamento durou de 1925 até 1930, ano em que Florbela se suicida.

Apeles Espanca, o irmão mais novo de Florbela, a quem é dedicado o ''Livro de Mágoas'' (1919). Apeles morre em 1927. Florbela escreve, em sua memória, o livro de contos ''As Máscaras do Destino'', editado postumamente em 1931.

sábado, 17 de novembro de 2012

Agustina tem destas coisas... (33)

«(...) No Mundo, passo por todos, vendo alguns; na vida esqueço-me de quase todos, esquecendo-me de mim. Quase tudo me é indiferente.»
Há nesta carta o característico tom provocador de Florbela. Dirige-se a uma presa, tem que paralisá-la pelo espanto, pela admiração e até pelo desgosto que lhe causar. Mas não deixa de ser certo o que diz.





de 'Florbela Espanca' (1978)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O voo dum gesto para os alcançar ...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar ...
__Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar !

Minh’ alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus !

O amor dum homem ? __Terra tão pisada,
Gota de chuva ao vento baloiçada ...
Um homem ? __Quando eu sonho o amor de um Deus ! ...

Florbela Espanca
Charneca em Flor
1930
pintura de Dante Gabriel Rossetti

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Os contos de Florbela Espanca


Há alguns dias, concluí a leitura de 'O Dominó Preto', escrito por Florbela Espanca aproximadamente entre 1926 e 1927, mas publicado apenas em 1982, com um prefácio da poeta Yvette K. Centeno, concluindo assim a leitura da obra completa de Florbela. Além deste, havia um outro livro de contos escrito por Florbela, esse publicado um ano depois da sua morte, 'As Máscaras do Destino', cuja segunda edição conta com um prefácio de Agustina Bessa-Luís.
Estes dois livros correspondem a uma fase em que Florbela estava a escrever os últimos poemas de 'Charneca em Flor', que parecia impossível de publicar (E efectivamente, só veio a lume pouco depois do suicídio da autora.), e, enquanto escrevia, lentamente, alguns dos poemas que apareceriam com o título 'Reliquae' na segunda edição desse derradeiro livro de poesia, Florbela dedicava-se, para juntar algum dinheiro, a traduzir ficção francesa. Podendo parecer que terá sido o contacto com a prosa que a leva a escrever contos, a verdade é que já desde cedo Florbela escrevera alguns contos. Não coligidos pela autora em nenhum dos livros publicados, existem cinco contos, agora disponíveis na edição de bolso 'Contos e Diário'.



O primeiro, Mamã, data dos 13 anos da autora, os três seguintes estavam inseridos no manuscrito de 'Trocando Olhares' que Florbela não conseguiu publicar mas que era anterior a 'Livro de Mágoas' (1919) e existe um úlltimo conto ainda, Carta da Herdade, datado dos últimos anos de vida de Florbela.
Esta nota de leitura não tem o propósito de analisar profundamente os contos de Florbela, primeiro porque não me proponho a tão ambicioso empreendimento e segundo porque me parece que as prefaciadoras destes volumes, Yvette Centeno e Agustina, já fizeram brilhantemente esse trabalho. Aquilo que realmente me apetece referir é aquilo que estes contos dizem dessa mulher que era a um tempo pessoa e personagem, como bem explica outra prefaciadora, desta feita do seu 'Diário do Último Ano', Natália Correia.
O que acontece é que os três contos de 'Trocando Olhares' denunciam uma clara imaturidade da sua autora. Com cerca de vinte anos na altura em que os escreve, Florbela fala-nos acima de tudo de amores perfeitos que se por uma ou outra razão se perderam. A escrita em si revela já, nalgumas passagens, uma sensibilidade poética exacerbada que caracterizaria Florbela nos textos que dela se tornaram mais respeitados, os poemas, mas neste contos, o que se nota ainda é uma tonalidade idealista, por um lado, nas situações que imagina, mas também um moralismo muito tradicional que, hoje, diríamos políticamente correcto. À data em que escreve estes contos, Florbela encontra-se nos primeiros anos do seu primeiro casamento, com Alberto Moutinho e é interessante ver como, nas cartas escritas nesta época à confidente e amiga Júlia Alves, Florbela, aquela que em tantos dos poemas da mesma colectânea não publicada se revela insatisfeita, saudosa e apaixonada quase doentiamente, fala frequentemente da felicidade da vida matrimonial, como que aceitando nas cartas a vida vulgar que, nos poemas, parece não coincidir com a sua personalidade.
Assim, nestes três contos, Florbela envereda não necessariamente pelo elogio da vida de média-burguesia que era a sua, mas pelo menos pela sua defesa. Aqui, encontramos personagens essencialmente comprometidas com todo um código de valores e comportamentos que se sobrepõem a qualquer exaltação dos sentimentos. São pessoas honradas e admiráveis que aqui encontramos e, assim, estes contos ganham uma certa frieza porque, absorvidos pelos códigos tradicionalmente aceites pela sociedade, estes personagens parecem raramente atravessados por alguma humanidade.


Cronologicamente, os seis contos de 'O Dominó Preto' distam quase dez anos desses três incluidos em 'Trocando Olhares'. Quando Florbela os escreve, vive já com o seu último marido, Mário Lage, e atravessou já alguns dos maiores dissabores que marcam a sua curta vida. Além disso, publicara já 'Livro de Mágoas' e 'Livro de Soror Saudade' (1923) e escrevera a maioria dos poemas de 'Charneca em Flor', unanimamente considerado a sua obra-prima. Mas toda a intensidade que, da vida, perpassa para os poemas desse terceiro livro, parece passar completamente ao lado da escrita dos contos de 'O Dominó Preto'. Ler as obras pela sua ordem de escrita só pode causar uma certa confusão ao leitor porque, enquanto na poesia Florbela atinge vários picos de intensidade que trariam valor à sua poesia, o tempo e a vida parecem não ter passado pela escrita em prosa e os contos coligidos neste volume parecem, em muito, pertencer ao mesmo tempo dos outros três, partilhando com eles aquela mediocridade talentosa, como lhe chama Agustina, que torna os seus contos por demais comuns, acabando por, quase sempre, desiludir.
Aliás, o cojunto em si, ao ser maior do que o de 'Trocando Olhares', acaba por potenciar as fragilidades de todo o universo que aqui é explorado.
Na poesia, Florbela escreve exaurida sobre o desejo, a sensualidade e a tristeza, reclama o direito a ser humana e não apenas mulher, canta o esplendor de ter um corpo e de sentir, ou seja, arrisca. Isto é tanto mais importante, quanto a sua poesia em quase tudo é conservadora, passando completamente ao lado dos valores modernistas do 'Orpheu' e de tudo o que de mais vanguardista se fazia na altura. Florbela segue estruturas canónicas, persegue o virtuosismo a um ponto obsessivo, mas demarca-se das restantes fazedoras de sonetos pela intensidade daquilo que diz, da forma destemida como se mostra pois, escrevendo aparentemente de acordo com aquilo que era a poesia escrita pelas mulheres desse tempo, Florbela acaba por escrever contra essa mesma poesia, assim ultrapassando-a.
Assim, apenas pode desiludir-nos ver como, nestes contos, Florbela se revela a mais ordeira e vulgar das mulheres. Nestes contos, quase invariavelmente, temos os homens, que têm as suas vidas amorosas e sexuais com uma mais ou menos discreta liberdade e temos as mulheres que são ou completamente virtuosas e exemplares ou são umas megeras que desgraçam os homens. Acaba por a mulher ter, de facto, o poder, mas esse poder funciona sempre como um presente envenenado, pois acaba por a mulher ser, acima de tudo, aquela que destrói. Uma vez mais, os personagens encontram-se em pleno compromisso com determinados códigos e isso resulta em que estes persoangens não sejam pessoas, mas meros esteriotipos. Assim, por mais que a escrita continue a ser nalgumas das suas frases e das suas imagens absolutamente poética e sensível, não consegue salvar estes contos de pareceram galciais experiências de laboratório em que se experimenta determinado esteriotipo em contacto com outro para ver qual é mais forte. No fundo, é nisto que consiste toda a escrita ficcional, e é para fazer com que essa experiência não seja glacial que serve a humanidade que o escritor tenta conferir aos seus personagens mas Florbela não consegue ou não quer dar-lhes essa humanidade.
E mais surpreendente do que isto, numa escritora como Florbela, é que se estes contos representassem um código de ética, este refutaria completamente os princípios subjacentes na poesia dela, pois aqui, o grande valor a preservar é a vida do homem, do ser masculino, e a mulher é boa se ajuda a preservar essa vida e má se a faz perder-se.
Como bem assinala Yvette Centeno, neste conjunto, apenas O Crime do Pinhal do Cego parece escapar a esta tendência, uma vez que a mulher que cedeu aos desejos passionais e sexuais consegue parecer-nos humana o suficiente para que o conto, em si, não se assemelhe a uma lição de moral. E, como aponta ainda a prefaciadora, é talvez o regresso à charneca alentejana que se dá neste conto que desperta em Florbela a maior profundidade na criação dos seus personagens. A maioria dos contos passa-se no Porto e em Lisboa, e a mitificação do espaço da infância de Florbela pode, de certa forma, relembrar-nos a angústia de Cesário Verde em Lisboa, por exemplo.



Caso com contornos diferentes é o de 'As Máscaras do Destino'. Trata-se de um livro escrito em honra de Apeles Espanca, o irmão de Florbela, que havia falecido em 1927. O luto de Florbela parece em muito passar por estes contos e talvez seja isso que, nalguns aspectos, lhe confere alguma da profundidade que faltava aos contos que havia escrito até então. Apoquentada como estava com os perigos que corriam os homens e com a manutenção das morais tradicionalistas, Florbela acabava por negligenciar um pouco até os sentimentos que se propunha analisar nos seus contos. E isto não acontece com 'As Máscaras do Destino'.
A dedicatória ao irmão morto será, talvez dos mais belos e mais intensos textos escritos por Florbela e nela, como bem nota Agustina, além da agonia em que Florbela se sentia mergulhada, subliminarmente se nota um certo sentimento de culpa. O Aviador, conto que abre a colectânea, descreve precisamente a morte do irmão de Florbela, mas completamente transfigurada, de maneira a parecer uma espécie de pintura fantasiosa em movimento. O conto seguinte, A Morta, parece claramente projectar Florbela, mortificada pela perda do irmão amado e desejando ter força para fazer acordar os mortos. Os restantes contos parecem ser traçados a partir destes dois, havendo constantes projecções de Apeles e de Florbela, e criando entre eles laços distintos que passam, inclusivamente, pela pulsão erótica sublimada que se sente sempre que Florbela escreve sobre o irmão.
Se por um lado é intensificado o discurso sobre os sentimentos, a morte e o desaparecimento mais ainda parecem perpassar as personagens dos contos e, mais do que nunca, estes nos parecem como que espíritos sem corpo e sem densidade, esvaziados da multiplicidade que caracteriza o ser humano. E uma vez mais, Florbela nos apresenta a vida burguesa como modelo de estabilidade e a vida dos simples como modelo de bondade e de virtude. A figura da mãe é uma vez mais tutelar, ela é a  mulher que todas as mulheres deveriam ser e, de facto, é a uma espécie de pureza virginal que parecem aspirar as boas mulheres destes contos, como em As Orações de Soror Maria da Pureza.
Agustina está convicta, e com razão, de que para ler estes contos é preciso conhecer a mulher. Mas a mulher, parece-me, fez todos os possíveis para nunca ser verdadeiramente conhecida. O seu Diário deixa bem clara a intenção de Florbela de criar uma versão ideal de si mesma e de por essa versão ser tomada.
Assim, os seus contos vêm lançar ainda mais confusão sobre uma persoanlidade que se nos apresenta em tudo estilhaçada. Florbela defende-se enquanto mulher na poesia, reivindica direitos e liberdades, ao passo que nos contos é moralista a um ponto que nos soa forçado. E será talvez isso que nos dizem estes contos. Florbela, como diz Agustina, não foi vítima do seu tempo. Diria eu que foi vítima de si mesma, até certo ponto. Ela sabia que não era como as outras mulheres, e isso mesmo dizia ao expressar-se poeticamente. Para a prosa, ela reserva os seus sentimentos de culpa e, projectando-se nas suas personagens ela diz-nos duas coisas: que temia que a sua diferença fizesse dela essa mulher desgraçada que destruía os homens e, assim, o mundo; e que aspirava a ser essa mulher exemplar e admirável, cuja vida nunca diferiria muito do ascetismo moral da vida monástica. Mas a sua poesia foi mais sentida do que vivida, uma vez que Florbela não encontrou no amor de nenhum homem, esse terreno tão pisado, o amor de um deus que desejava. Por outro lado, não viveu como nenhum dos esteriotipos de mulher que encontramos nos seus contos. Ou seja, não foi o que sentia e não foi o que queria ser. Não pôde ser livre como não pôde ser virtuosa.
Os seus contos são, assim, uma outra faceta da sua complicada estrutura. Eles representam os medos e as esperanças de Florbela e só adensam o seu sofrimento, porque nem uns nem outros chegaram a uma concretização, condenando-a assim a uma existência difusa. E se o seu Diário subliminarmente nos confirma esta ideia, a verdade é que, mesmo diarísticamente, Florbela é incapaz de se escrever objectivamente, nem pouco mais ou menos. E por isso, a pergunta mantém-se: quem era Florbela Espanca? Cada linha que escreve a torna mais confusa e o suicídio só nos mostra que ela partilhava esta confusão. Talvez sobre ela possamos parafrasear Agustina quando falava de Byron: artista demais para ser honesta.



sábado, 19 de maio de 2012

Eunice Muñoz diz Florbela Espanca



Amiga (Livro de Mágoas)
De Joelhos (Livro de Mágoas)
Sem Remédio (Livro de Mágoas)
Fanatismo (Livro de Soror Saudade)
O Meu Orgulho (Livro de Soror Saudade)
Saudades (Livro de Soror Saudade)
Ódio? (Livro de Soror Saudade)
Versos de Orgulho (Charneca em Flor)
Rústica (Charneca em Flor)
A Um Moribundo (Charneca em Flor)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Abril 1930



28- Não tenho forças, não tenho energia, não tenho coragem para nada. Sinto-me afundar. Sou o ramo de salgueiro que se inclina e diz que sim a todos os ventos.

Florbela Espanca
Diário do Último Ano
1981, ed. Bertrand
desenho de Edvard Munch

domingo, 15 de abril de 2012

Florbela de Vicente Alves do Ó

AS MÁSCARAS DO DESTINO

Uma personalidade como a de Florbela Espanca talvez nunca chegue a ser plenamente compreendida. A força dos seus poemas e de muitas de outras páginas que nos deixou denotam muitos traços dessa personalidade que podia ser narcísica, neurótica, insatisfeita, isolada ou mal-entendida ou tudo isto ou nada disto.
Natália Correia, Jorge de Sena, José Régio, Agustina Bessa-Luís, Yvette K. Centeno, Hélia Correia ou Rui Guedes são algumas pessoas que trabalharam, de variadas formas, a figura de Florbela. Destes, Hélia Correia trabalha-a criativamente, reinventando Florbela numa peça de teatro do mesmo nome. Vicente Alves do Ó junta-se a este grupo, e fá-lo, pela primeira vez, no cinema.


O filme, 'Florbela', apresenta-nos Florbela Espanca (Dalila Carmo) na sua separação de António Guimarães (José Neves), e no início do casamento com o terceiro e último marido, Mário Lage (Albano Jerónimo). Apesar de inicialmente Florbela parecer convicta da sua vontade de estar com Mário, a vida na cidade de Matosinhos surge-lhe de certa forma desinteressante e nela, a escritora sente-se algo desenquadrada. A frieza que depressa surge entre ela e o marido acentua-se quando recebe uma carta do irmão, Apeles (Ivo Canelas), com quem vai ter a Lisboa.
O essencial do filme decorre precisamente na cidade de Lisboa, e vive essencialmente da relação que existe entre Mário, Florbela e Apeles, estando ela no centro. Vicente Alves do Ó foi pródigo em demonstrar a personalidade instável e algo dividida de Florbela, bem como a sua firmeza que parece abrir portas a uma certa irreverência. Ao mesmo tempo, ver o filme com atenção também nos aponta para aquilo que nele é central: a relação entre Florbela e Apeles, onde uma certa tensão sexual não consumada dá origem a um contacto intenso mas, ao mesmo tempo, nunca plenamente vivido. A maioria do filme é feito de cenas curtas, onde o que ressalta é sempre alguma frase contundente que nos dá mais um dado sobre a figura de Florbela, ao passo que são mais longas as cenas em que Florbela está com Apeles. Nestes momentos precisamente temos acesso à relação difícil de Florbela com a escrita, com a família, e até com a sociedade que a rotula imediatamente por causa dos três casamentos. Um dos momentos fulcrais será a morte de Apeles, num acidente de avião, que acentua a instabilidade da escritora, conduzindo-a a uma espécie de esgotamento, cujas sequelas depressivas só terminarão com o suicídio, que não aparece já no filme.
A morte de Apeles parece também potenciar quer a frieza entre Florbela e Mário, quer o sentimento de desencaixe que nela se vai fazendo sentir.
O que acontece é que a personalidade de Florbela é realmente demasiado complexa para ser mostrada num filme com cerca de uma hora e meia. Consciente disso, Vicente Alves do Ó acaba por centrar-se num aspecto específico (A tal relação entre os dois irmãos.), seguindo um pouco aquilo que, no essencial, é o livro de contos 'As Máscaras do Destino' (1931), o que, aliás, fica claro quando, na sequência final, Florbela lê um excerto da Dedicatória deste mesmo livro. No que toca à relação entre Apeles e Florbela, o filme está muito conseguido. Os momentos em que estão juntos são plenos de vida, mas também de regressos à infância e de um debruçar sobre a vida de Florbela, o que tanto acontece através de uma exaltação, como através de momentos muito dramáticos, como o que dá origem ao aborto espontâneo de Florbela. E há que isolar a cena em que Apeles, encostado a uma parede, ouve Florbela fazer sexo com Mário, enquanto se masturba, chorando. Esta cena, em poucos minutos, consegue transmitir todos os sentimentos que decorrem entre os dois irmãos, que passam pela atracção, pelo amor mais profundo, e pelo sentimento de culpa. E o mesmo se diga da cena em que, numa festa, Florbela veste uma capa dourada, indo depois mostrá-la ao irmão. Ao irmão, não ao marido, que também estava presente. Aliás, aspectos destes apontam-nos uma coisa que também interessa apontar a 'Florbela': é que a apurada sensibilidade do realizador para os cenários, os pormenores, e também para a direcção de actores, acaba por dispensar, de certa forma o diálogo. O filme depende pouco dos diálogos, salvo nalguns momentos, e assim toda a intensidade acontece dentro dum certo silêncio, exactamente como o amor de Florbela e Apeles.
O que, a meu ver, fica a falhar neste filme, é o debruçar sobre certos aspectos bastante importantes da vida de Florbela, como sejam a Faculdade de Direito, o 'Livro de Soror Saudade' (1923), que existia já nesta altura da vida da escritora, e até alguns aspectos (Não todos.) da sua relação com o meio literário da altura.
Aqui, quem conhecer a biografia de Florbela, ficará a sentir um certo distanciamento por parte do filme.


Se ignorarmos essa biografia, o que, aliás, não será errado, veremos que 'Florbela' consegue, de vários pontos de vista, entregar-nos a personalidade de Florbela, sonhadora, intensa, mas também neurótica e incompreendida, bem como dar-nos vislumbres muito interessantes do tempo em que ela viveu. Vicente Alves do Ó não descura os cenários, as roupas, toda a produção estética do filme, aliás, é minuciosa e quase sempre rigorosa. Dalila Carmo está muito bem como Florbela, e a intensidade que incarna com toda a naturalidade só nos relembra o quanto a actriz está mal aproveitada no panorama português. Ivo Canelas também não está mal como Apeles. A Albano Jerónimo coube um papel um tanto ingrato, uma vez que a frieza que caracteriza o seu casamento com Florbela o condena a um certo apagamento que, mesmo assim, ao ser interrompido, nos convence facilmente.
No fundo, este filme consegue perfeitamente dar-nos a atmosfera que Florbela nos dá, talvez não em toda a sua obra, mas pelo menos em 'As Máscaras do Destino', o livro cuja sombra parece ser mais decisiva neste filme. Entre esse livro que era o livro de um morto, e a história d' a que no mundo anda perdida, este filme acaba por ter uma palavra a dizer sobre determinada parte da vida de Florbela.

sábado, 14 de abril de 2012

As Quadras D'Ele (2) (fragmentos)


Perguntei às violetas
Se não tinham coração,
Se o tinham, porque 'scondidas
Na folhagem sempre estão?!

Responderam-me a chorar,
Com voz de quem muito amou:
Sabeis que dor os desfez,
Ou que traição os gelou?
......................................
Eu sei que me tens amor,
Bem o leio no teu olhar,
O amor quando é sentido
Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos;
Revelam tudo que sentem,
Podem mentir os teus lábios,
Os olhos, esses, não mentem.
............................................
Bendita seja a desgraça,
Bendita a fatalidade,
Bendito sejam teus olhos
Onde anda a minha saudade.

Não há amor neste mundo
Como o que eu sinto por ti,
Que me ofertou a desgraça
No momento em que te vi.
.................................................
O teu grande amor por mim,
Durou, no teu coração,
O espaço duma manhã,
Como a rosa da canção.
................................................
Enquanto eu longe de ti
Ando, perdida de zelos,
Afogam-se outros olhares
Nas ondas dos teus cabelos.
................................................
Dizem-me que te não queira
Que tens, nos olhos, traição.
Ai, ensinem-me a maneira
De dar leis ao coração!
................................................
Quem na vida tem amores
Não pode viver contente,
É sempre triste o olhar
Daquele que muito sente.
..............................................
Adivinhar o mistério
Da tua alma quem me dera!
Tens nos olhos o outono,
Nos lábios a primavera...

Enquanto teus lábios cantam
Canções feitas de luar,
Soluça cheio de mágua
O teu misterioso olhar...

Com tanta contradição,
O que é que a tua alma sente?
És alegre como a aurora,
E triste como um poente...

Desabafa no meu peito
Essa amargura tão louca,
Que é tortura nos teus olhos
E riso na tua boca!


Florbela Espanca
Trocando Olhares  (1915-1917)
1994, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda
fotografia de Arthur Tress

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Caravelas



Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
De um estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!

Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

Florbela Espanca
Livro de Mágoas
1919, Tipografia Maurício
desenho de Dante Gabriel Rossetti