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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Tão orgânico tão


Tão orgânico   tão
capazmente morto
este cansaço    lentidão

uma só noite a sobrevoar
todos os tectos   ó quietude!

assumir é do verbo forma
de dizer em quantos braços

sempre os teus
emoldurados de sementes
me renovo     ou talvez

nem sempre    a manhã
se derrame


Helga Moreira
Fogo Suspenso
1980, ed. O Oiro do Dia
imagem: Adriana Molder

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

[Anoitece em inferno a minha casa.]


Anoitece em inferno a minha casa.
Fico com este começo de verso
a serenar a exaltação de não dizer nada.
Deixem-me com este sorriso a morrer
por uma sílaba mais real onde um verso
me sossegue
com unhas de lama e sangue,
como garras.
Anoitece em inferno a minha casa.
Fica a certeza de não ter fim o que
de inutilidades se basta,
ou apenas o instante em que,
por um verso, eu fui
à outra parte da casa.

Helga Moreira
Os Dias Todos Assim
1996, ed. &etc
pintura de Luis Caballero

domingo, 19 de fevereiro de 2012

[É o ar que se dispersa nesta noite que não dorme.]



É o ar que se dispersa nesta noite que não dorme.
Atravesso-a de perfil lembrando restolhos de adolescência,
dias murados de glicínias e temores, o sabor alheio de sementes.


Era de outro querer que te falava quando falavas.


Colhi um trigo loiro para depôr na fronte, um coração frágil
com que enfeito ombros e o fogo.

Helga Moreira
Os Solestícios do Tigre
in 'A Jovem Poesia Portuguesa/2'
1985, ed. Limiar
pintura de Steven Kenny

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

[Nunca mais como ontem eu me visse]



Nunca mais como ontem eu me visse
se o acaso ainda me der em sorte
e este corpo completamente vestisse
outro andar outro olhar outro porte
e fingisse, fosse réplica ou clone
ou simplesmente aresta
não com ar de século dezanove
anos sessenta ou tuberculose
tão-só o ar andrógino dos noventa
cabelo em riste em arco-íris pintado
bom chic bom genre que bem assenta
no meu olhar verde e triste, cansado
em signos listrado tigre e touro
voz grave e sardas, cabelo louro
Helga Moreira
Tumulto
2003, ed. &etc
pintura de Frank Auerbach

terça-feira, 8 de março de 2011

Um poema


Quando passam sonâmbulos ímpetos que me afloram a vontade é uma ânsia infinita das palavras que não solto.
E não tenho sons tangíveis, nem certezas a predicar: só a consequência firme do muito que tenho para dar; loucura imperceptível, até nos sons remendados com palavras do quotidiano, insatisfeito da aprendizagem que urge reter, para acelerar a hora do meu tempo.


Helga Moreira
Cantos de Silêncio
1978, ed. autora
pintura de Walter Richard Sickert

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um poema


Como figos secos neste verão,
nesta praia, o céu está bonito
e cinzento, uma ligeira névoa
encobre-nos do lado de dentro,
brinco com pedrinhas e conchas
de caramujos, ameijoas
e o pensamento entretanto
dá as voltas que dá.

hoje foi um dia bom, mau, ruim,
hoje, como os outros, são
os dias todos assim.

Helga Moreira
Os Dias Todos Assim
1996, ed. &etc
pintura de Edvard Munch

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um Soneto


Apenas do amor quero tão alto preço
do mais pouco ou quase nada peço
dias há em que o verso pede rima
como este a querer o que estima

e que não direi; pois que a vida
se se sente desordenada
ou em ardor que começa e finda
imprevisível em cada coisa e nada

ninguém assim o determina.
Apenas de quando em quando vestígios
por entre duas cidades, dois rios

um a norte, outro a sul que te imagina
ou balouça ou adormenta se o penso
querer dizer aqui o que não posso

Helga Moreira
Tumulto
2003, ed. &etc
imagem de Eduardo Nery

sexta-feira, 14 de maio de 2010

um poema



Almocei hoje com uma deusa e subi a rua devagarinho encantada de nostalgia e sonho. Tive uma deslumbrante sensação de morte em seus braços e pelos braços
das esquinas segui
procurando severamente e com minúcia idênticos aromas.


Entretive o acto da procura com uma lenta masturbação no olhar e um sorriso de mel sobre o corpo.





Helga Moreira
Aromas
ed. &etc, Março de 1985
pintura de Graça Martins

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Poesia dos Anos 80

- Isabel de Sá
(1979- Esquizo Frenia, &etc)




-Fátima Maldonado
(1980- Cidades Indefesas- centelha)





-Luís Miguel Nava
(1979- Películas- moraes)



-Adília Lopes
(1985- Um Jogo Bastante Perigoso- edição da autora)




-Regina Guimarães
(1978- A Repetição- helastre)



-Rosa Alice Branco
(1981- A Mulher Amada- figuras)




-Helga Moreira
(1978- Cantos de Silêncio- edição da autora)


-Manuel Cintra
(1981- Do Lado de Dentro- ed. Presença)

()



Apenas do amor quero tão alto preço
do mais pouco ou quase nada peço
dias há em que o verso pede rima
como este a querer o que estima

e que não direi; pois que a vida
se se sente desordenada
ou em ardor que começa e finda
imprevisível em cada coisa e nada

ninguém assim o determina.
Apenas de quando em quando vestígios
por entre duas cidades, dois rios

um a norte, outro a sul que te imagina
ou balouça ou adormenta se o penso
querer dizer aqui o que não posso







Helga Moreira
Tumulto
2003- edições &etc


imagem: Armanda Passos