E A VIDA CONTINUA
'Come Away with Me' foi um fenómeno em 2002. Oito Grammies, incluindo os de todas as categorias principais, a aprovação da crítica e a adesão do público deram a Norah Jones uma estreia como poucos músicos verdadeiramente tiveram. No ano anterior, dera-se um fenómeno semelhante, 'Songs in A Minor' de Alicia Keys, que teve praticamente o mesmo impacto que o álbum de Norah Jones.
Em 2003 Alicia Keys lança o seu segundo álbum, 'The Diary of Alicia Keys' e em 2004, Norah Jones edita o seu segundo álbum, 'Feels Like Home'. Acontece que, após um início assinalável que ambas tiveram, ambas produziram álbuns relativamente menos conseguidos. No caso de Norah, ainda que em 'Feels Like Home' encontrássemos boas canções, sentíamos acima de tudo a pressão de lançar um segundo álbum depois do estrondo do primeiro.
É a partir do terceiro álbum que realmente Jones e Keys começam a diferenciar os seus percursos. Alicia Keys, apesar da voz invulgar e da facilidade em compor, após 'Songs in A Minor' tem, até hoje, produzido acima de tudo álbuns mornos, que não trazem, no fundo, nada de novo.
Em 2007, Norah lança o seu terceiro álbum. Era premonitório o título 'Not Too Late'. De facto, ainda não era demasiado tarde para recuperar, e este álbum, mudando consideravelmente de direcção, era o regresso que esperaríamos de Norah Jones após um álbum como 'Come Away With Me' e assim ficávamos esclarecidos: o álbum de estreia não tinha sido só fogo-de-vista.
Se 'Not Too Late' o afirmou, 'The Fall' (2009 -de que falei aqui.) veio confirmá-lo em força. Era um álbum perfeitamente conseguido, polido e distanciado daquela imagem inicial que se tinha de Norah, de que fazia música serena e baixinha, que inclusivamente lhe valeu a alcunha de Snorah Jones.
Esperámos três anos pelo quinto álbum de originais de Norah. Em Abril deste ano, chega-nos, finalmente, 'Little Broken Hearts'. E aquilo que, acima de tudo, fica provado neste quinto álbum é que, realmente, Norah Jones é daquelas cantoras que nunca nos cansamos de ouvir, porque, excepção feita para o segundo álbum, consegue sempre surpreender-nos sem ser infiel ao seu projecto musical e consegue criar canções que realmente nos comovem ao ponto de nos deixar sem respiração, mas sem nunca ser lamechas, nem previsível, nem de mau-gosto.
Inteiramente composto por Norah e por Brian Burton (Dos Gnars Barkley.), 'Little Broken Hearts' centra-se acima de tudo em ideias ligadas a separações amorosas, lutos e na descoberta de que a vida é ainda possível. O próprio título é bastante subtil, pois tratando os corações partidos como se fossem brinquedinhos, acaba por desdramatizar a ideia de uma ruptura, e este álbum está longe de ser deprimente. Bem pelo contrário, parece orientado para abraçar as nuances de country e de um certo pop que já iam dando sinais no terceiro e no quarto álbuns, mas mantendo sempre a inclinação para o jazz que, desde o início, tem sido a marca essencial de Norah.
Canções como Goodbye ou 4 Broken Hearts são prova precisamente disto. Estas canções são exemplos de como, neste álbum, a voz de Norah, mais do que nunca, encontra uma perfeita combinação entre as melodias e as letras e a própria tonalidade da voz que, sendo bastante expressiva e versátil, continua a inserir-se melhor em canções melancólicas mas, de alguma forma, contidas. Aliás, muitas destas canções parecem funcionar quase como segredos que Norah contasse a alguém, ou até diálogos de si para si, acabado por se tornar extremamente intimista, como vemos acontecer em Take it Back, Little Broken Hearts ou Miriam, sendo que esta última abre até espaço para um certo storytelling que por vezes ia realmente acontecendo nas canções de Jones.
Outro aspecto que deve ser assinalado neste álbum é o da sua simplicidade. É gravado como trabalho de uma banda e é pouco dado a extravagâncias. Assim, o som acaba por ser bastante homogéneo, sem por isso abdicar de ter várias texturas, que o impedem de se tornar aborrecido. Para este efeito, compare-se uma canção melancólica como Take it Back com outra mais irónica como Goodbye (Aliás uma das melhores letras do álbum.) ou com outras mais expeditas como Out on the Road ou Happy Pills.
Em relação aos outros álbuns, este representa, mais do que nunca, a tentativa, bem sucedida, de uma coesão interna, que passa pela banda fixa e por todas as canções serem compostas pelos mesmos autores, ao contrário do que tem acontecido até aqui. Aliás, relembremos que para o seu primeiro álbum, Norah havia composto apenas três das catorze canções que o integravam, e se é facto que, à medida que o tempo foi passando, Norah se foi afirmando cada vez mais como autora, neste álbum parece ter assumido mais do que nunca esse papel, o que talvez tenha contribuido para a adequação que se faz sentir da música à interpretação. E, ainda comparando 'Little Broken Hearts' com os seus predecessores, é de notar que, ainda mais do que em 'The Fall', se sente uma inclinação para a guitarra, ao contrário da fase inicial, em que as canções eram essencialmente construidas em torno do piano.
Mais ainda, assinale-se que, neste álbum, Norah parece correr alguns riscos que, de certa forma, lhe poderão abrir possibilidades para o futuro. É o caso de canções como All a Dream e I Don't Wanna Hear Another Sound, em que se sente uma ambiência ligada ao low-rock, com qualquer coisa de Morphine e que de todo não é despropositada aqui. E diga-se que Norah se insere muito bem neste estilo, que, sendo ligeiro, passa um pouco pelo sobressalto, estando nesta dualidade a dificuldade para o intérprete. E, claro, Norah não tem problemas em deixar a banda brilhar sozinha, havendo neste álbum vários solos, sendo os destas canções dos mais belos. Aliás, já para o final do álbum, tem interesse recordar o início, e ao compararmos uma canção como I Don't Wanna Hear Another Sound com a primeira, Good Morning, mostra-nos como, neste álbum, as canções estão realmente pensadas de maneira a formarem uma sequência, acabando por o todo ser uma espécie de história que se conta, não só pelas palavras, mas pela própria tonalidade das canções.
Somados os factores, 'Little Broken Hearts' é um regresso muito digno para Norah Jones e prova-nos que cada vez mais Norah vai melhorando o seu projecto e se vai tornando uma artista madura e de rara densidade. Quer seja um relato de um luto, quer seja um elogio da solidão, este álbum é realmente dos melhores de Norah e, não fossem as provas dadas até hoje da sua capacidade musical, dir-se-ia que este é difícil fazer melhor.
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