DO CLICHÉ AO SOBRESSALTO
É praticamente impossível não se conhecer o nome de James Wan. Relembremos que foi ele quem realizou "Saw", em 2004, um filme cuja tensão e a subtileza fizeram resultar muitíssimo bem, como uma espécie de rasgo de originalidade num contexto que se tornava cada vez mais aborrecido. O que veio estragar tudo foram as seis sequelas, que, mesmo não sendo realizadas por Wan, por ele foram produzidas, o que nos diz que, mesmo não realizando os filmes, lhes deu o seu aval, contribuindo assim para a rápida deterioração do seu realmente bom filme.
Em 2010, Wan dá-nos este "Insidious", que se nos apresenta com uma premissa que, em princípio, não tem nada de particularmente novo. É uma história de família, sobre Renai (Rose Byrne) e Josh (Patrick Wilson), um casal com três filhos, um dos quais se encontra num coma profundo, depois de ter caído de um escadote.
O casal muda-se para uma nova casa, que dá sérios sinais de assombração. Pressionado por Renai, que, como compositora, trabalha em casa, Josh acaba por concordar em novamente mudar de casa. A questão muda de figura quando as visões de Renai continuam a acontecer na nova casa. O quarto onde Dalton (Ty Simpkins), o filho em coma, parece, de repente, ser o centro dos fenómenos estranhos que se desenrolam.
Por influência de Lorraine (Barbara Hershley), a mãe de Josh, o casal chama à casa Elise (Lyn Shaye), uma espécie de perita em ocultismo, que lhes revelará as verdadeiras razões por que Dalton se encontra em coma, que nada têm a ver com a queda do escadote, mas com a sua capacidade para a astro-projecção.
Nada, na verdade, se nos afigura verdadeiramente insólito na sinopse de "Insidious". Alguns clássicos como "The Hauting" de Robert Wise (1963) a "The Amityville Horror" (1979) de Stuart Rosenberg ou o próprio "The Shining" (1980) de Stanley Kubick podem ocorrer-nos numa primeira parte do filme em que sentimos um certo aproveitamento do genius loci da primeira casa, que nos fazem acreditar ser ela a origem dos fenómenos. Quando, num segundo momento, nos deparamos com a verdade sobre os acontecimentos, que, ainda que indirectamente, passa pela possessão, é impossível não pensar em "The Exorcist" (1971) de William Friedkin, e, na questão de se tratar de uma criança, em "Rosemary's Baby" (1968) de Roman Polanski, e, mais ainda, no que toca às crianças terem aptidões particulares no que toca a enveredar por outros mundos, ocorreu-me a série "Fringe" de J.J. Abrahams.
Que quero eu dizer com tudo isto? Que, no que toca à sinopse e ao conceito em geral, "Insidious" não nos vem trazer novidade alguma.
E, no entanto, "Insidious" está muito longe de ser um mau filme, ou, pelo menos, um mau filme de horror. O que salva, portanto, o filme da sua sinopse pouco imaginativa? Nada mais que a realização.
"Insidious" vem relembrar-nos o que de melhor tinha "Saw" (E com isto refiro-me estritamente ao original.), primeiro, no que toca à criação de cenários que, efectivamente, conseguem suscitar em nós os efeitos pretendidos -de medo ou de reserva. Mais ainda, nos mais variados momentos, Wan prova-nos que consegue reciclar com a maior das eficácias todos os velhos truques para nos fazer dar um salto na cadeira: não é raro que este filme nos sobressalte. Por último, está longe de ser um filme de estética pobre. Numa tipologia em que muito funciona por sugestão e pelo não-mostrado, a estética é essencial. Wan mostra aqui que, visualmente, não se contenta com aquilo que são os chavões do género, e este filme, no que toca ao lado visual, particularmente a partir da chegada de Elise, parece ter as suas raízes muito mais localizadas no cinema mudo (Com algo a fazer lembrar F.W. Murnau, entre outros.) e até um pouco nas experiências surrealistas.
Somados e subtraídos os vários prismas por que podemos olhar "Insidious", está visto que James Wan tem talento para o cinema de terror e que consegue, definitivamente, a proeza de transformar uma sinopse pobre num filme bom. E como um filme tem que ser visto enquanto filme, e não enquanto adaptação de um objecto escrito que seria o seu argumento, vale a pena ver "Insidious". E esperemos que realmente Wan continue a fazer filmes nesta ordem; e que não haja agora quatro ou cinco sequelas que venham destruir este filme.
Sem comentários:
Enviar um comentário