domingo, 28 de agosto de 2011

A Analogia das Folhas



13.
Alguém bate à porta de casa e, pelo ruído, pressinto que é com a mão que o está a fazer. Dirijo-me para lá e verifico que essa mão tinha atravessado -de uma maneira que, aliás, se diria inexplicável -a própria madeira da porta, como se, assim, quisesse estender-se para mim. Aproximo-me um pouco e verifico que ela se encontra ali efectivamente. Estremece ainda e, passados alguns instantes, acaba por ficar inclinada, imóvel. Não estou assustado. Há muito que pressentia que alguém viria ter comigo sem que, todavia, a sua presença implicasse que estivesse todo o seu corpo presente. Uma das suas partes, essa mão, poderia ser suficiente. E foi o que aconteceu. Abro a porta e, do outro lado, não encontro ninguém. Mas ao fechá-la verifico, agora com desalento, que a mão também já não existe.

FERNANDO GUIMARÃES
A Analogia das Folhas
1990, ed. Limiar

imagem: Objecto-Espelho de RUTE ROSAS

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