quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Hellraiser IV: Bloodline

CIRCO EM TRÊS SÉCULOS

Quando em 2002 a estupidez mórbida das sequelas para 'Friday the 13th' levava Jason Vorhees para o Espaço, eu achei que a ideia era ainda mais estúpida do que o costume. Descobri, ontem, que a ideia não era nova.

Isto porque 'Hellraiser IV: Bloodline', realizado em 1996, já cometera essa proeza cómica de levar os heróis-assassinos da sua mitologia para o Espaço. Dado que o início desta quarta parte de 'Hellraiser' começa numa nave espacial, a minha disposição a ver o filme esteve sempre, desde o início, mais inclinada para o achar uma comédia mais do que outra coisa qualquer. Por isso, talvez este comentário fique afectado por um certo cepticismo.
Peter Atkins é o argumentista desta sequela, tal como havia sido de 'Hellraiser II: Hellbound' e 'Hellraiser III: Hell on Earth'. A primeira ideia que nos pode ocorrer quando nos encontramos perante uma nave espacial no ano de 2127 é que Atkins estava desesperado por inovar as suas explorações do universo originado por Clive Barker. Parece ter-se tornado o último recurso de todos os autores de sequelas virarem-se para a tecnologia quando esgotam todas as ideias em relação aos temas que trabalham: isso explica o acima referido 'Jason X' que também decorre a bordo duma nave e, de certa forma, acontece um pouco a mesma coisa com o vergonhoso 'Halloween: Ressurrection' onde Michael Myers embarca numa aventura on-line. O que acontece é que, em todos estes casos, essa tentativa de 'modernização' não é capaz de esconder o desespero que a origina, resultando como algo de inusitado, pobre, gratuito e com o seu quê de ridículo.
A outra ideia que é aqui acrescentada a 'Hellraiser' é a da origem da caixa-puzzle que abre as portas do Inferno. Portanto, e há que notá-lo, 'Hellraiser IV: Bloodline', seguindo as várias gerações da família Merchant, desde o século XVIII até ao futuro, acaba por funcionar como sequela de 'Hellraiser', claro, mas também como prequela, pois, afinal, mostra-nos a origem da caixa que é o móbil desta saga.
Paul Merchant (Bruce Ramsey) é um cientista, no ano de 2127, que construiu uma base naval espacial que agora usurpa e dentro da qual se sequestra. Na sequência disto, a nave é invadida pela polícia, que o prende. É então ao ser interrogado por Rimmer (Christine Harnos), ele conta a história da sua família: no século XVIII, Phillipe Le Merchant (Ramsey também) construíra uma caixa-puzzle para um homem da nobreza que vivia obcecado com magia negra e com fantasias sado-masoquistas.
Depois de entregar a caixa ao seu dono, Phillipe percebe que, na verdade, a sua criação abre as portas para o Inferno, e empenha-se em construir uma outra caixa que funcione como uma divisa para fechar essas portas. No entanto, morre antes de conseguir executar o seu projecto. Do inferno, entretanto, saíra uma rapariga, Angelique (Valentina Vargas), que acaba por assassinar o seu mestre.
Duzentos anos depois, ou seja, no século XX, John Merchant (Ramsey, uma vez mais.) é um arquitecto bem-sucedido, mas atormentado por uma série de sonhos vívidos em que vê Angelique, que o chama. Por volta desta altura, John está a inaugurar o edifício baseado na caixa-puzzle, que vemos, aliás, no final de 'Hellraiser III'. O seu projecto seria ainda construir um outro edifício baseado no desenho do seu antepassado Phillipe, que é, na verdade, o projecto da caixa que fecha as portas do inferno. No entanto, cruza-se com Angelique que acaba por deixar John à mercê dos Cenobites, que, agora, querem caminhar livremente pela Terra, sem terem necessidade de serem convocados pela caixa original.
Joe Chappelle é o realizador deste filme. Foi, claro, um grande desgosto para mim descobrir que um dos realizadores e produtores de uma das minhas séries preferidas, 'Fringe', é, na verdade, o realizador desta película, tal como havia realizado 'Halloween: The Curse of Michael Myers', uma das mais inusitadas e confusas sequelas do filme de John Carpenter. Dizia eu que foi um desgosto porque, para todos os efeitos, não sobra grande espaço para dúvidas de que 'Hellraiser IV' é um mau filme. A começar pelo desespero de causa que leva a história para o Espaço, mas passando um pouco por tudo o que acontece aqui. Porque, em termos de realização, Chappelle nunca vai além daquilo que seria o mais básico. Acontece isso com as cenas passadas no século XVIII, que mais previsíveis não podiam ser; e mesmo durante as cenas passadas no tempo actual, não encontramos nada de inesperado.

'Hellraiser IV' também continua uma das piores coisas de 'Hellraiser III', que era a tentativa de invenção de novos Cenobites. Uma vez mais encontramos uma série de Cenobites secundários, sendo que, com excepção de Pinhead, não há nenhum que cause impacto real, por mais que possam ter uma imagem tortuosa. Porque esta tortura nos parece algo de excessivo, de claramente ficcional, e que não é capaz da verosimilhança daquilo que víramos no filme original.
Também de 'Hellraiser III' nos vem outra ideia parva, que é a da vontade gratuita dos Cenobites de matar e torturar, que continua a contrariar o conceito de Clive Barker, para o substituir por um outro bastante vulgar. Pela primeira vez, no entanto, nesta saga, temos um filme em que não nos aparece um 'esfolado'. Essa foi uma boa ideia. O 'esfolado' era uma coisa forte, mas que não se justificava ter repetido depois do original, e finalmente acontece assim. A ideia de uma 'princesa do Mal' mantém-se, desta vez na figura de Angelique que, mesmo assim, não tem o carisma da Julia dos primeiros dois filmes.
A cena em que John, o arquitecto, consegue dar forma à porta para fechar o inferno está particularmente mal-feita, porque parece ter sido escrita e realizada 'em cima do joelho', ficando a faltar muita explicação e muita verosimilhança.
Por fim, as cenas passadas na nave espacial, são as piores de todas, porque, além da predicabilidade das cenas de perseguição, todas as outras são tão forçadas e tão excessivamente teatrais, que mais não parecem do que uma paródia de 'Hellraiser', feita ainda por cima sem grande convicção.
Depois de uma sequela como 'Hellraiser III: Hell on Earth', outra como esta vem comprovar aquela ideia de que é sempre possível fazer pior e, neste ponto, a saga de 'Hellraiser' caminha a passos muito largos para se tornar, pior que uma repetição, uma adaptação circense de si mesma.


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