segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Drama de Matías Lira

QUATRO PALERMAS


Este filme, não sei porquê, estreou no Havana Film Festival de 2010, e fiz download dele de não sei onde, porque li na sinopse que os personagens se deparavam com as teorias de Antonin Artaud sobre teatro. É esta a promessa de "Drama": a história de três jovens actores que se propõe atravessar uma série de situações estranhas, de forma a seguir a ideia de Artaud de que o teatro não devia ser uma mentira, mas o encontrar da verdade dos personagens pelos próprios actores (Mais ou menos isto.), confundindo assim aquilo que são enquanto pessoas com aquilo que são os personagens que pretendem interpretar.
A ideia é boa, se é facto que as teorias de Artaud não foram ainda ultrapassadas e que representam uma verdadeira revolução, a mais significativa talvez, na arte de representar. No entanto, eis o que encontramos no filme de Matías Lira: dois rapazes, Matteo (Eusebio Arenas) e Ángel (Diego Ruiz) e uma rapariga, Maria (Isidora Urrejola). Matteo e Maria mantém uma relação amorosa de componente sexual conturbada, ao que se percebe, devido a algum trauma de infância de Matteo. Ángel atravessa a descoberta da sua homossexualidade. No contexto das suas aulas de teatro, os três propõe-se a viver situações estranhas para depois apresentarem uma peça ou um monólogo. Estas situações estão ligadas a prostituição, a violência e a uma espécie de submundo. Até aqui tudo bem. No entanto, Matías Lira revela-se o mais completo incompetente no que toca a filmar tudo isto. Os três personagens estão tão pobremente definidos que não parecem ter sequer personalidade alguma para começar; e as situações em que se encontram são abordadas de uma maneira tão superficial e tão abandalhada que quase estranhamos que aquilo signifique mais que uma inocente brincadeira de criancinhas num parque infantil. Poderia isto ser uma forma de apontar para a imprepração dos três jovens actores, mas acontece que, pela cenografia e pelas consequências dessas situações, percebemos que era suposto aqueles momentos serem intensos e limítrofes e inclusivamente terem uma dimensão intelectual. Aliás, o único bom momento deste filme é o monólogo apresentado neste contexto por Ángel. É um segmento de boa qualidade, em si, porque a verdade é que, julgando-o de acordo com o resto do filme, gera-se uma incongruência, pois a situação que dá origem ao monólogo está tão mal pensada que, na verdade, só mesmo em ficção é que ela poderia ter originado aquele monólogo.
O resto do filme está sempre de acordo com tudo isto. Situações que notoriamente se queriam fortes e contundentes, mas que resultam sempre pobres enquanto cinema e enquanto tudo, na verdade. A pressuposta dimensão intelectual e experimental de todas essas situações não existe, nem sequer residualmente. Ángel, de repente, torna-se quase apagado, não parecendo muito mais que um adolescente a tentar ter sexo; Maria parece uma menina desesperada por chamar a atenção do namorado que a rejeita e, mais irritante que todos, Matteo leva a sua vida a pensar nos seus mommy issues, o que nos faz pensar que Freud passou mais por aqui do que Artaud. A questão aqui é que o trauma infantil podia até ser uma boa ideia, e, inicialmente, até nos parece que poderá aí mesmo estar um bom ponto de tensão no filme. O problema é o final. A ideia da repetição desse trauma, entre Matteo e Maria é boa, mas a explicação que dão para o que verdadeiramente aconteceu à mãe de Matteo pura e simplesmente não resulta.

Além disso, entre Matteo, Ángel e Maria sugere-se uma relação triangular -que, aliás, é o próprio cartaz do filme -que pura e simplesmente não existe, limita-se a ser levemente, muito levemente, sugerido, no início do filme, perdendo-se redondamente logo a seguir.
A realçar de bom estão apenas pequenos detalhes que, por mais significativos que possam ser, não chegam para salvar um filme. Mas, de qualquer maneira, há que os realçar. Refiro-me ao baton que Matteo vai mostrando como um símbolo da mãe, a pistola de brincar que passa de Matteo para Ángel, o graffiti que Matteo faz, sempre igual, com um lobo (?). Estas pequenas coisas são as únicas que vão dando densidade a um filme a que o que falta é precisamente densidade.
No fim do filme, duas coisas nos podem ocorrer. A primeira de todas é que se Antonin Artaud tivesse visto este filme teria tido um desgosto de morte. A segunda é que, entre pseudo-intelectualidades, este filme é pouco mais que três palermas à frente de uma câmara, e mais um palerma atrás. E não há muito mais a dizer.


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