MUITA PRESSA E POUCO MAIS
Demorou um ano, apenas, até que se fizesse uma sequela para "Friday the 13th" de Sean S. Cunningham e também para "A Nightmare on Elm Street" de Wes Craven. Em ambos estes casos, as sequelas partiam com alguma distância em relação ao tempo do original. Não foi isso que aconteceu com a primeira sequela de "Halloween", realizada só três anos depois do original de John Carpenter, e que continuava a mesma noite desse original. Várias coisas diferenciam estas três sequelas, mas há uma que é lapidar: é que as primeiras duas eram lixo e a última era um filme de alguma relativa qualidade, apesar de ser este terceiro aquele que realmente se propunha um objectivo mais difícil, que era continuar a mesma situação que Carpenter filmara.
Também "Hellbound: Hellraiser 2" surge um ano depois de "Hellraiser", e também ele continua a mesma situação filmada por Clive Barker no primeiro filme. Mas, ao contrário do que acontecia com Rick Rosenthal quando realizou "Halloween II", Tony Randel não consegue, pura e simplesmente, dar uma continuação digna ao filme original. Eu penso que um filme, ao ser visto, levanta sempre alguma poeira, e, para o continuar, talvez seja uma atitude inteligente deixar essa poeira assentar, para se poder ver o filme com um olhar mais atento, que permita ver-se quais as pontas soltas que ele deixa e que podem ser continuadas na sequela em preparação. Esta foi, penso, a razão pela qual "Halloween II" conseguia não ser um insulto para "Halloween". E o facto de não se ter esperado um pouco para se fazerem as sequelas para "A Nightmare on Elm Street" e "Friday the 13th" terá sido o motivo pelo qual estas sequelas não são quase mais nada do que meras repetições dos originais, que não vêm acrescentar nada de realmente substancial aos filmes originais.
Nota-se que Tony Randel tentou escapar a este padrão quando em 1988 realizou o seu "Hellbound: Hellraiser 2". O filme começa com um curto segmento em que vemos um soldado (Doug Bradley) abrir a famosa caixa que abre as portas do inferno, e a ser levado para ele.
Depois, naquilo que representa um salto de muitos anos, encontramos Kirsty Cotton (Ashley Laurence), depois da casa da família ter ardido e do pai ter morrido, a ser interrogada pela polícia, num asilo psiquiátrico. Kirsty opta por contar a verdade, mas, como seria evidente, o polícia encarregado de a interrogar, não acredita; e fica mais convicto ainda do estado de loucura da rapariga quando ela insiste que o colchão onde a madrasta havia morrido deve ser destruído para evitar que ela regresse do inferno, como já regressara no primeiro filme o tio Frank.
O psiquiatra de Kirsty, o dr. Channard (Kenneth Cranham) também não parece acreditar na história da paciente, ainda que a ouça com bastante atenção. O único que, por alguma razão, suspeita que ela possa estar a dizer a verdade é Kyle (William Hope), o assistente do psiquiatra. As suas hesitações avolumam-se quando fala com Kirsty enquanto observam uma paciente muda, conhecida por Tiffany (Imogen Boorman), cuja única ocupação é resolver puzzles e enigmas.
Depois de ouvir uma conversa dúbia do dr. Channard, Kyle decide segui-lo até casa e, lá, encontra aquilo que parece ser um museu dedicado às caixas-puzzle de que Kirsty falara, além de um considerável acervo de imagens e artigos relacionados com a experiência paranormal de acesso ao inferno. É assim, também, que Kyle, escondido, assiste ao dr. Channard a deitar um paciente psicótico no colchão onde morrera a madrasta de Kirsty, Julia (Clare Higgings), que ali mesmo regressa à vida, completamente esfolada, a pedir ajuda para restituir o seu corpo.
Enquanto isso, Julia tem visões de um corpo esfolado que pede ajuda através de uma mensagem escrita a sangue na parede. Kyle ajuda-a a escapar do asilo, já que Julia está convencida que o homem que lhe aparecera era o pai, que estaria encurralado no inferno. Com a ajuda de Tiffany, as portas para o inferno são reabertas, e nele entram, por motivos completamente distintos, Julia, Kirsty, Tiffany e o dr. Channard. Este último, afinal, tinha por objectivo de vida experienciar esse inferno, onde, percebe-se, ele prentende ser um dos Cenobites, já que, afinal, a sua carreira como médico fora uma forma de sublimar uma forte tendência sádica.
Este inferno, em vez da sala de tortura que encontrávamos no filme original, apresenta-se-nos como um labirinto interminável cuja arquitectura não escapa a certas reminiscências bizantinas, em que as salas de tortura se sucedem umas às outras, organizadas numa malha reticular cujo centro é uma caixa-puzzle gigante que emana um feixe de escuridão. A demanda de Kirsty pelo pai acaba por se transformar numa desesperada tentativa de escapar aos Cenobites, que agora contam com mais um elemento, o Cirurgião, que é o dr. Channard depois da transformação.
Peter Atkins, ao escrever o argumento, parece ter tido algumas preocupações em não repetir necessariamente aquilo que encontrávamos no de Barker. Por assim dizer, ele tenta ampliar o conceito do inferno, que passaria a partir daqui a ser conhecido como Configuração do Lamento, mostrando-o como algo de pessoal (Cada um tem o seu, correspondente a uma ou mais salas.) e de interminável, tanto quanto mortífero. No entanto, a tentativa de dar uma história aos Cenobites, de os humanizar -Pinhead é, na realidade, o soldado que víamos no início -acaba por anular um pouco toda a ideia de pura maldade e de inferno que era muito determinante no primeiro filme. Por assim dizer, quase que o mal aqui é desculpado, quando, no primeiro filme, víamos que o mal era um prazer levado ao extremo.
E se nem o argumento se mostrava particularmente engenhoso em criar uma narrativa entusiasmante, e se o conceito começava bem mas depois era vulgarizado, a verdade é que Tony Randel, enquanto realizador, raramente consegue fazer de "Hellbound: Hellraiser 2" um bom filme.
Com uma sequência inicial bastante forte e grotesca, em que vemos a primeira tortura de Pinhead de uma forma que equilibra perfeitamente o mostrado e o sugerido; e com a arrepiante aparição no quarto do hospital, a verdade é que todo o restante filme não resulta. A concepção espacial da Configuração do Lamento é realmente muito interessante, com todas as características bizantinas em versão cinzenta e árida; mas tudo é estragado com o lugar-comum das salas iluminadas por velas que dão um aspecto previsível de ritual satânico, as cenas de perseguição revelam-se de uma impressionante pobreza de ideias, e as tentativas de mostrar como é o inferno daqueles personagens não vão além de uma mera assimilação de algumas imagens facilmente conotadas com o surrealismo, mas que têm pouco de criativo, e aquilo que o primeiro filme tinha de violento e de visceral, aqui não parece resultar como mais de que uma mera repetição da mesma coisa, mas com menos convicção e menos capacidade de tornar essas imagens verdadeiramente fortes.
E com isto volto à minha ideia inicial de que teria sido inteligente esperar um pouco até se fazer uma segunda parte de "Hellraiser". Porque a verdade é que este filme pega nalgumas linhas-mestras do primeiro e tenta inventar a partir delas, mas talvez fosse preciso conhecer-se essas linhas de uma forma mais profunda para se poder dar-lhes algo de novo e algo de conciso. Faz falta a este filme alguma densidade, alguma inteligência e muita força. Porque, no final, aquilo que percebemos é que pareceu que havia aqui algo de novo mas que, na verdade, não houve nada de especialmente novo. O argumento apresenta várias fragilidades, relacionadas acima de tudo com facilitismos, e a realização não passa da pretensão de causar estranheza e confusão e incómodo. Há aqui um esforço, mas há muito poucos logros.
Esta seria a primeira de sete sequelas para "Hellraiser", totalizando uma octalogia que é o meu programa para os próximos dias. A avaliar pela primeira continuação, este é mais um caso que vem confirmar o velho ditado que manda não mexer no que está quieto.
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