Mostrar mensagens com a etiqueta Sophia de Mello Breyner. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sophia de Mello Breyner. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Para Sophia


Lua branca da madrugada
pousaste teu cinto na terra
e o mar te veio buscar.

Já lá estavas, de lá enviaste
as palavras que um tempo
fora do tempo te tinha dado
e nós à espera desse momento
alado, em que as tuas letras transformassem
linhas pretas num campo iluminado.

Agora estás lá dentro, agora desde que a lua
e o mar se unem e fazem as marés
mas só alguns o sabem, tu soubeste e
nisso és.

Voltaste à terra branca, e na cidade
um sino bate a hora como se o dia
de hoje apagasse um foco incendiário.

Teu fogo porém vivo, é de outra chama
e a cama onde te deitas, doutra cambraia
e a praia onde te banhas, de outra
água.



Lídia Jorge

domingo, 15 de julho de 2012

[As paredes são brancas e suam de terror]


As paredes são brancas e suam de terror
A sombra devagar suga o meu sangue
Tudo é como eu fechado e interior
Não sei por onde o vento possa entrar

Toda esta verdura é um segredo
Um murmúrio em voz baixa para os mortos
A lamentação húmida da terra
Numa sombra sem dias e sem noites

Sophia de Mello Breyner Andersen
Poemas de um Livro Destruído
in 'Fevereiro- Textos de Poesia'
1972, ed. dos coordenadores
desenho de Ana Hatherly

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Porque hoje estamos nesta...


Anathema: Dreaming Light (Do álbum 'We're Here Because We're Here', 2010)


As Sem Razões do Amor
de Carlos Drummond de Andrade

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Joan as Police Woman: Flash (Do álbum 'The Deep Field', 2010)

Monna Innonimata IV
de Christina Rossetti

Poca favilla gran fiamma seconda. – Dante 

Ogni altra cosa, ogni pensier va fore, 

E sol ivi con voi rimansi amore. – Petrarca 

I loved you first: but afterwards your love
    Outsoaring mine, sang such a loftier song
As drowned the friendly cooings of my dove.
    Which owes the other most? my love was long,
    And yours one moment seemed to wax more strong;
I loved and guessed at you, you construed me
And loved me for what might or might not be –
    Nay, weights and measures do us both a wrong.
For verily love knows not ‘mine’ or ‘thine;’
    With separate ‘I’ and ‘thou’ free love has done,
         For one is both and both are one in love:
Rich love knows nought of ‘thine that is not mine;’
         Both have the strength and both the length thereof,
Both of us, of the love which makes us one.



Lou Rhodes: All We Are (Do álbum 'Bloom', 2007)


desenho de Luis Caballero

Promessa
de Sophia de Mello Breyner Andersen

És tu a primavera que eu esperava
A vida multiplicada e brilhante
Em que é pleno e perfeito cada instante.


Norah Jones: Come Away with Me (Do álbum 'Come Away With Me', 2002)

sábado, 10 de dezembro de 2011

Regresso



Quem cantará o vosso regresso morto
Que lágrimas que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo.


Portugal tão cansado de morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar


Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia?

Sophia de Mello Breyner Andersen
Mar Novo
1958, ed. Guimarães
pintura de Rogério Ribeiro

quinta-feira, 10 de março de 2011

Cada Dia


Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.




Sophia de Mello Breyner Andresen
Coral
1950, ed. Livraria Simões Lopes
imagem de Helena Almeida

domingo, 10 de maio de 2009

sensibilidade e bom-senso: quatro poemas escolhidos de Sophia



Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
(Mar Novo, 1958)


As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas


O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra


"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."


Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
(Livro Sexto, 1962)



Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(O Nome das Coisas, 1977)


Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
(Livro Sexto, 1962)