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quinta-feira, 1 de março de 2012

Mísia em Castelo Branco



Desde a morte de Amália Rodrigues que o Fado passou a estar na moda. O estatuto de Património Imaterial da Humanidade é um pouco o culminar desse surto de popularidade de que, durante muitos e muitos anos, o Fado careceu. A nova geração de fadistas traz-nos boas vozes, traz-nos algumas interessantes propostas. No entanto, em 1990, Mísia lança o seu primeiro álbum, homónimo, um álbum de Fado. A escolha era arriscada, e a invulgaridade de Mísia caiu mal a muita gente. Felizmente que as críticas negativas, aliás, reaccionárias, que cedo se fizeram ouvir, não foram suficientes nem para que ela parasse nem para que sequer se inibisse. Pelo contrário, o projecto de Mísia foi-se tornando cada vez mais complexo, mais intelectualmente elaborado. E, proporcionalmente, cresceu a incompreensão portuguesa a um projecto que outros souberam acolher com a devida atenção e a devida admiração.
Essa incompreensão foi muito visível no Sábado passado, 25, no Cine-Teatro de Castelo Branco. Pela primeira vez em muitos anos, Mísia faz em Portugal uma pequena digressão, apresentando um dos seus trabalhos mais ricos e mais belos, o álbum 'Senhora da Noite', lançado no final do ano passado. É recebida por uma plateia apenas meia-cheia e que parecia ter sérias dificuldades em aplaudir com o mínimo de entusiasmo. Sinceramente, eu não podia ter ficado mais desgostoso. Felizmente, Mísia não se deixou abalar e deu um grande concerto realmente.
Entrou na sala com Senhora da Noite, acompanhada de guitarra portuguesa, viola de fado, violino e acordeão. Ao longo da noite, Mísia foi bastante comunicativa, explicando a génese deste seu mais recente álbum e falando um pouco das autoras cantadas ao longo do concerto.
Assim em Ulissipo passámos por Rosa Lobato de Faria, a poeta, escritora e actriz recentemente falecida e a quem o álbum é dedicado, mas ainda pela também fadista Aldina Duarte em Lua Mãe das Noites, por Adriana Calcanhotto que, ao que contou Mísia, venceu finalmente o medo de escrever para Fado e deu a Mísia Que o Meu Coração Se Cansou. Em Que Silêncio é Esta Voz, Mísia cantou brilhantemente versos de Natália Correia, mas nem sempre as quadras que estão na versão de estúdio, criando assim um novo poema, que, mesmo sendo novo, continuava a adequar-se perfeitamente a todo o contexto em que é cantado. Também de Agustina Bessa-Luís se falou, aquando de Garras dos Sentidos II, que, agora fica provado, continua a resistir como grande canção ao ser cantado sobre o Fado Corrido, em vez do Fado Menor, onde era cantado na sua primeira versão. De facto, este é um momento isolado na obra de Agustina que, além de não ter mais nenhum poema (Pelo menos que seja conhecido.) é famosa pelas suas opiniões mais ou menos controversas quanto a poesia. O seu poema é belíssimo e Mísia conseguiu, mais uma vez, entregá-no-lo prodigiosamente.
Seguiu-se uma guitarrada, que manteve, mesmo assim, o acordeão e o violino, criando um momento realmente intenso. Mísia voltou depois, com Simplesmente, de Amélia Muge, um dos momentos mais serenos do álbum, que ao vivo ganhou outra genica, que também lhe assentou bem.
Depois disto foi tempo de conhecermos outra senhora da noite muito concreta, a prostituta de que fala a Sombra, da actriz e letrista Manuela de Freitas. Um dos momentos mais arriscados da noite seria o seguinte, a Tarde Longa, cujo impressionante poema de Lídia Jorge é cantado, no álbum, acompanhado de piano, instrumento que não existiria no concerto. Mísia interpretou-o com os quatro músicos, e a diferença instrumental fez-se sentir, sem, no entanto, destruir a beleza da versão de estúdio e, bem pelo contrário, criando uma espécie de variação muitíssimo forte do original. O poema confirmou aí a sua fulgurância e Mísia brilhou verdadeiramente.
O primeiro regresso ao passado deu-se a seguir, quando Mísia recuperou, do álbum 'Ritual' (2000) a letra que para ele havia escrito, Cor de Lua. Foi uma escolha muitíssimo interessante, uma vez que esta canção é das mais dramáticas e mais intensas de todo o percurso de Mísia, e entrou no espírito de 'Senhora da Noite' com toda a perfeição. Mais ainda, o facto de, a seguir, termos ouvido O Manto da Rainha, também escrito por Mísia, veio mostrar-nos uma certa unidade que denuncia um interessante universo que encontramos em ambas as letras que conhecemos escritas pela fadista.
A canção que abre o álbum, Fado das Violetas, neste concerto chegou quase no final. É um dos momentos mais intensos de todo o reportório de Mísia, pelo que não deverá ter sido surpresa para quem o conheça que este tenha também sido um dos momentos mais intensos de todo o concerto. De facto, os versos de Florbela Espanca são exigentes, e, cantando-os sobre o Fado Hilário, Mísia consegue conferir-lhes toda a emotividade extrema e quase excessiva que eles exigem. Um fado assim talvez só mesmo Mísia o pudesse pensar e cantar, pois ele exige aquilo que precisamente Mísia tem e poucos mais têm: a capacidade de cantar com o corpo todo.
A terminar, a Raposódia Amália, construída com várias quadras escritas por Amália Rodrigues, que teria resultado melhor ao vivo se o público soubesse aderir -o que não foi o caso.
Profissional, claro, Mísia acabou por regressar para cantar mais duas canções, duas que podemos considerar clássicos do seu reportório. Primeiro, Formiga, outro poema de Rosa Lobato de Faria que, ficámos a saber, nos conta metaforicamente a história dos primeiros e dificultuosos anos de carreira da cantora. E, a terminar, Lágrima, mais um poema de Amália Rodrigues, e que Mísia gravara duas vezes: no álbum 'Fado' (1993) e em 'Ritual'. Sendo uma das canções mais interessantes de Amália, Mísia soube dar-lhe nova roupagem e torná-la sua e foi um final muito digno para um espectáculo brutal.
Se neste concerto houve aspectos negativos, eu só vi um: que Mísia não tenha voltado com mais frequência aos álbuns passados. Os regressos foram essencialmente a 'Ritual', mas a verdade é que seria possível ir buscar outros momentos, uma vez que Mísia desde sempre teve mulheres a escrever para ela e, de álbum em álbum, encontramos canções que teriam feito todo o sentido para esta 'Senhora da Noite'.
Em tudo o resto, Mísia brilhou, como esperaria qualquer um que lhe conheça o percurso. Pelo menos para mim, não ficam dúvidas de que Mísia, por mais que a ignorem, continua a ser a maior e a melhor. Take that Portugal!!!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Mísia: Senhora da Noite

GRITO DE BACANTE

Depois do lançamento de 'Ruas' (2009), aquela que, para mim, é a fadista mais original e de trabalho mais complexo desde Amália, anunciou a sua retirada. O argumento era o de que tudo o que tinha a fazer em termos de fado estava já feito. Para felicidade de quem, como eu, admira profundamente o trabalho insólito de Mísia, tais promessas não redundaram em factos, e, já no final de 2011, é lançado o novo álbum.


'Senhora da Noite', diga-se desde já, prova uma coisa: que 'Ruas' não esgotava todas as possibilidades de Mísia. Não que isto possa surpreender quem tem acompanhado o seu percurso. Se há coisa que a fadista nos tem mostrado é que a sua versatilidade está enraizada numa acentuada criatividade, espicaçada, parece-me, por uma proporcional inquietude, que tem levado a fadista a não só não repetir aquilo que já foi feito no fado (E convenhamos que era fácil que assim fosse.) como a não repetir-se a si mesma, reinventando-se a si mesma, renovando as nossas concepções de fado que, como Mísia diz numa entrevista ao programa 'Inferno', é uma canção urbana.
O conceito de 'Senhora da Noite' está de alguma forma próximo do conceito de 'Garras dos Sentidos' (1998). No álbum de 98, Mísia cantava poemas de poetas e escritores sobre fados tradicionais. Em 'Senhora da Noite', Mísia regressa ao fado tradicional, cantado sobre ele escritoras e letristas do sexo feminino apenas. A ideia resulta bem, no sentido de mostrar a mulher como elemento criativo, e excluindo aquilo que encontramos normalmente no fado, que são a da mulher apenas como intérprete ou então como inspiração.
'Senhora da Noite' abre com Fados das Violetas, cuja letra é conseguida através da junção de algumas quadras dos poemas As Quadras Dele e Poetas, de Florbela Espanca, junção essa perfeitamente conseguida, principalmente dado que ambos os poemas partilham a ideia das violetas, que Mísia isola como título para a letra da sua canção. O poema é cantado sobre o Fado Hilário, a que Mísia consegue conferir várias tonalidades, começando de uma forma quase serena e terminando, acompanhada pelo violino, nas últimas duas quadras cantadas de uma forma dramática e extrema, que são quase uma segunda canção dentro da canção. A abertura é forte, e acaba por, na sua dualidade, introduzir-nos nas duas tonalidades essenciais entre as quais oscilará o resto do álbum.
Segue-se Ulissipo, poema da recentemente falecida Rosa Lobato de Faria cantado sobre o Fado Alberto. De certa forma, esta canção faz uma ponte com o álbum anterior, onde era Lisboa que se cantava. É uma das canções mais interessantes e inesperadas, onde, numa transformação mitológica metafórica, Rosa Lobato de Faria nos dá uma ideia diferente da 'saudade', fazendo de Lisboa uma Penélope que espera que Ulisses volte de viagem. A voz acompanha com vigor o acordeão, que parece, de alguma forma, aproximar-se de alguma música francesa, o que talvez nos aponte para o período em que Mísia viveu em Paris, antes de regressar à Penélope/Lisboa.
'Senhora da Noite' traz-nos também, apenas pela segunda vez em dez álbuns, uma letra de Mísia, e a primeira assinada com o nome artístico (A outra, Cor de Lua, do álbum de 2000, 'Ritual', era assinada com o nome Susana Aguiar.). O Manto da Rainha, cantado sobre o Fado Menor, foi escolhido para apresentar o álbum, com o belíssimo videoclip realizado por John Turturro, e a escolha parece-me bastante acertada. Além da importância de ser um dos raros poemas escritos e cantados por Mísia, o poema em si parece sintetizar uma série de ideias que vamos encontrando de canção em canção. Enquanto autora, Mísia revela não só um grande à-vontade em expressar o seu mundo, (Que, de resto, fica claro nas escolhas de poemas de outros autores.) como também grande destreza em criar quer uma série de imagens interessantes e de subtilezas linguísticas, a começar pelo próprio título ('Manto da Rainha' é na verdade uma das linhas da palma da mão.).
Outro momento central é Senhora da Noite, um belíssimo poema de Hélia Correia (este) com música de Armandinho. A canção está estruturada de forma a acompanhar um pouco os momentos do poema: numa primeira estrofe em que esta senhora de noite nos explica a sua origem, é acompanhada por violino e piano, criando uma atmosfera mais pacífica e intimista e, à medida que começa a falar-nos da sua vida presente, vão entrando as guitarras que acrescentam um certo ritmo, bastante adequado a um poema a que não falta um delicado erotismo e também um delicioso 'grito de bacante', em que esta mulher é livre apenas a cantar, o que resume, de resto, muitíssimo bem o conceito deste álbum: nele, a personagem que canta e que escolhe as palavras é necessariamente uma mulher que, nessas palavras e nesse canto encontra a liberdade. Mais ainda, assinale-se como o poema se insere perfeitamente quer no universo de Mísia como no deste álbum em específico, sem por isso abdicar de certos traços que qualquer leitor de Hélia Correia facilmente reconhecerá.
Lua Mãe das Noites traz-nos um poema de Aldina Duarte, também ela fadista, que Mísia canta sobre o Fado Varela. Aldina parece sondar as letras mais tradicionais do fado de modo a construir a sua, e, ao fazê-lo, consegue vários momentos de impressionante originalidade ('Paixão que foste sempre maré vaza', por exemplo.), e Mísia parece reforçar esta ideia, já que é a primeira vez no álbum que grava com a estrutura instrumental de guitarra acústica/ guitarra portuguesa/ baixo.
Praticamente desde o princípio da sua carreira que Mísia mais nos tem mostrado que o fado não é uma música portuguesa, mas, de certo ponto de vista, uma expressão portuguesa de sentimentos universais. Se o lado 'Tourists' de 'Ruas' nos provava isto quando a fadista grava canções de, entre outros, os Joy Division, os Nine Inch Nails ou Camaron de la Isla; em 'Senhora da Noite', a colaboração de Adriana Calcanhotto, como autora da letra de Que o Meu Coração se Cansou vem, mais uma vez mostrar-nos a universalidade do fado. Adriana, sem abandonar certos maneirismos da sua escrita, dá a Mísia um refinado poema a que Mísia, acompanhada por uma guitarra de dez cordas e violino, consegue dar a roupagem mais adequada, em que um tom acusatório e dramático não cede de forma alguma ao sentimentalismo lamechas.
Se há momento que, mais do que surpreendente, se torna mesmo desconcertante, é Garras dos Sentidos II. Mísia recupera aqui, e isso tem todo o sentido, o poema que Agustina Bessa-Luís já havia escrito para a sua voz, no álbum que, aliás, a este poema vinha buscar o título. Em 1998, Mísia cantara-o sobre o Fado Menor, que parecia assentar perfeitamente ao tom lúcido mas trágico do poema. O poema ressurge agora sobre o Fado Corrido e, numa primeira audição, parece-nos quase estranha a junção da linguagem altiva e árdua de Agustina com a melodia animada do Fado Corrido, ainda por cima interpretado com violino e acordeão, e com Mísia, no meio, falando, como que dando-nos ideia de que canta ao vivo numa taverna daquelas em que o Fado terá nascido. Mas, ouvindo com mais atenção, percebemos que esta junção poderá ter, na verdade, um interessante sentido: o de que, por mais que agora no Fado se procurem por vezes as palavras dos eruditos, já quando o Fado era música de tavernas populares cantava os mesmos sentimentos que hoje ainda canta, quer sejam eruditos ou populares os seus letristas.
'Senhora da Noite' marca também um regresso que muito tardou. Tarde Longa traz-nos um divinal poema de Lídia Jorge (este), cantado também sobre o Fado Menor. Trata-se de um texto sucinto e límpido, mas a sua beleza, a sua profunda comoção e a sensibilidade intensa das suas imagens, certamente nos recordarão que Lídia Jorge já havia escrito dois poemas igualmente belíssimos para Mísia no álbum de 1998 (Fado do Retorno e Sou de Vidro.) e, tal como acontece com o poema de Hélia Correia, a adequação deste poema ao universo de Mísia não é incompatível com certas características que nitidamente pertencem ao universo de Lídia Jorge, por isso, esta nova colaboração da escritora é outra das boas notícias deste álbum. Tarde Longa é interpretado com apenas voz e piano, o que em muito favorece a atmosfera íntima do encontro descrito, e Mísia, que sempre compreendeu o valor das palavras, sabe encontrar a intensidade de versos tão belos como

Ficaremos abraçados
Estendidos como num lenço

Por tudo isto, a meu ver, Tarde Longa é certamente outro dos momentos fulcrais de 'Senhora da Noite'.
Segue-se Simplesmente, um poema de Amélia Muge, também cantora e uma das mais interessantes autoras a escrever música em Portugal. Esta letra vem lembrar-nos a mestria que Amélia Muge sempre teve em lidar com a língua portuguesa, com a força das suas expressões e das suas inexactidões (Como falar de 'coisas'.), aspecto que poucos letristas souberam trabalhar de forma tão intensa (Entre esses poucos contem-se, por exemplo, Regina Guimarães e Sérgio Godinho.). Mísia potencia ainda esta letra com a sua capacidade de teatralização, que é de resto uma das linhas de força de todo o seu trabalho, fazendo da voz um instrumento de representação, com corpo, expressão e pose.
Neste álbum, Mísia também recupera, pela terceira vez na verdade, uma das maiores poetas portuguesas de sempre: Natália Correia. Já em 'Drama Box' (2005) Mísia fizera uma letra colando quadras de diferentes poemas de Natália, que resultaram em E Se a Morte Me Despisse. Em 'Senhora da Noite', Mísia repete essa estrutura, para criar Que Silêncio é Esta Voz, sendo que o resultado, tal como já acontece com os poemas de Florbela Espanca, na abertura, nos dá um poema bastante conciso, que parece confrontar-nos com alguém que desenha a sua vida entre a dualidade silêncio/voz, chegando a uma interessante conclusão, com duas quadras de diferentes poemas

Quando me derem por morta
Lágrimas nem uma pinga
Um trevo de quatro folhas
Tenho debaixo da língua


Vou pelos campos de linho
Do poeta D. Dinis
Atirar a flor de pinho
Que onde cai é um País

como se, mesmo depois de morta, esta pessoa prosseguisse o seu caminho e assim não perdesse a voz, pelo que, de certo ponto de vista, este poema me parece uma verdadeira e digna homenagem a Natália que, de facto, mesmo depois da morte, não perdeu a voz.
Fogo Posto apresenta-nos um belo poema de Maria do Rosário Pedreira. Ainda que alguns dos livros desta autora me pareçam de qualidade menor, ao escrever esta letra para o Fado Britinho, Rosário Pedreira parece encontrar a intensidade que encontramos nalguns dos seus poemas. De facto, Fogo Posto é um momento muito interessante de 'Senhora da Noite', uma vez que ele recupera muitos dos temas essenciais do Fado (A traição, o ciúme, o desespero.) escritos de uma forma inesperada e Mísia, uma vez mais, prefere uma pose digna do que uma pose suplicante que é reforçada pelo acompanhamento que, além das guitarras, conta com o acordeão e o piano, resultando na canção, uma vez mais, um certo travo a chanson.
E se já a propósito de Lídia Jorge falei de regressos, Sombra também marca um regresso, o da actriz Manuela de Freitas, que já havia escrito Decisão, um dos poemas mais fortes do álbum 'Ritual'. Sombra é também um poema dramático, sobre uma prostituta numa esquina, apresentando-nos, por isso, uma certa angústia ligada à cidade. É uma das canções mais tristes e Mísia sabe como fazer com que nessa tristeza exista ainda uma certa compaixão que em muito intensifica as palavras.
A terminar, encontramos a Raposódia Amália, onde Mísia volta a utilizar a técnica da manta de retalhos que já usa com Florbela e Natália, sendo que desta vez não usa apenas quadras de poemas diferentes de Amália Rodrigues, mas também, para cada, uma música diferente, revelando, por isso, nas constantes mudanças de melodia, a extrema versatilidade quer da sua voz, quer da ambiência dessa voz. O poema que resulta desta raposódia é também ele bastante coerente e acaba por este ser um dos momentos mais invulgares de 'Senhora da Noite', que nos mantém, até ao fim, num estado expectante.


No fundo, aquilo que 'Senhora da Noite' nos mostra é aquilo que já há muito tem sido mostrado nos álbuns de Mísia: que ela não é apenas uma intérprete de Fado, mas também uma das maiores pensadoras e questionadoras dessa canção urbana que é o Fado, e que a dimensão experimental do seu trabalho sempre chega a conclusões insólitas mas nada inusitadas. Portanto, tanto a versatilidade, como a criatividade como a inquietude de Mísia sempre resultam em trabalhos complexos mas ricos e densos, que, estes sim, abrem verdadeiramente caminho à renovação do Fado, crédito que muitas vezes injustamente é retirado a Mísia. Porque ela tem esse dom raro que é a insatisfação, que origina a necessidade de procurar e encontrar, continuamente, o dom que tem, por exemplo, Björk. Por essas e outras razões, convém não deixar escapar 'Senhora da Noite'.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Tarde Longa


Se eu for à casa do amor
Hei-de encontrar-te sentado
À espera que eu me dispa
Conforme foi combinado

E se a tarde for inteira
Essa pátria a que pertenço
Ficaremos abraçados
Estendidos como num lenço

Ah, quem me dera que os céus
Fossem mais largos, mais fundos,
Despidos somos de deus,
Vestidos somos do mundo

Mas de nós mesmos seremos
Se a tarde for tão comprida
Que o mesmo lenço se estenda
Ao longo de toda a vida

Lídia Jorge
no álbum ''Senhora da Noite'' de Mísia
2011
fotografia de Slava Mogutin



sábado, 9 de julho de 2011

Boas notícias

Apesar de ter dito que "Ruas", de 2009, seria o seu último álbum, Mísia confirmou já a edição de mais um disco para o outono deste ano. "Senhora da Noite" será o título, seguindo um espectáculo que Mísia tem vindo a interpretar por vários palcos europeus.
São boas notícias, já que Mísia não deixa de ser a mais complexa fadista, com um projecto que, desde sempre, tem sabido cruzar da melhor maneira o fado quer com outras sonoridades, quer com a poesia e com densos imaginários de que nos dão conta as fotografias que acompanham os álbuns e os videoclips.
Abaixo fica um teaser do que será o sucessor de "Ruas". Com imagens de Francisco Aragão, colaboração nada recente, Mísia mostra-nos duas canções: a primeira, "Senhora da Noite", que dá título ao álbum conta com um interessante poema de Hélia Correia; a segunda, "Simplesmente", tem letra de Amélia Muge.
Pelas previsões, não ficaremos desiludidos.



terça-feira, 10 de agosto de 2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

o poema de Agustina


Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.

São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.

Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.

São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto.
São furor obediente,
São frios raios solares.

Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.

Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.


Agustina Bessa-Luís
para o álbum "Garras dos Sentidos" de Mísia,
1998
Fotografia: Daniel Blaufuks, "Urban Landscapes"

terça-feira, 9 de setembro de 2008

do Fado chegam-nos

boas notícias:

Mísia tem site renovado, e definitivamente melhor que o anterior. Nele podemos ver, além de detalhes sobre os seus projectos "Lisboarium" e "Saudades Sinfónicas", uma antologia de videoclips (aqui) incluindo Garras dos Sentidos (Letra de Agustina.), Ese Momento (Que vivamente recomendo) e Duas Luas; bem como uma selecção de fotos, artigos de imprensa e a lista de concertos agendados (A má notícia é que, para variar, não há nenhum em Portugal- para já, esperemos.)

A mesma Mísia já se encontra a gravar, em Paris, a segunda parte do seu próximo álbum, cuja primeira parte foi registada aquando a assinatura do contracto com a Warner.

Mariza prossegue na digressão de "Terra" e passará por Portugal nos dias 17 e 18 de Outubro, em Gondomar e Guimarães, respectivamente.

Por fim, Katia Guerreiro, já a gravar o próximo álbum, actuará em Lisboa no dia 13 de Setembro.