TRÊS COISAS CONTRA O RESTO
Desde os Nirvana aos The Cranberries a Marilyn Manson aos The Strokes a Justin Timberlake, entre muitíssimos outros, desde 1991, Samuel Bayer já realizou videoclips -alguns deles bastante criativos -para imensos músicos e de estilos muito variados.
A decisão de realizar um filme chega só em 2010 e, diga-se de passagem, Bayer não se propõe um desafio qualquer: trata-se nem mais nem menos do que o remake de "Pesadelo em Elm Street" (1984) de Wes Craven, um dos mais aclamados clássicos do slasher.
O argumento fica entregue a Wesley Strick e a Eric Heisserer: o segundo é praticamente um principiante e o primeiro, de entre vários filmes, foi responsável pelo argumento de dois que interessa aqui destacar: um é "Aracnophobia" (1990), um dos filmes mais realmente parvos que o cinema já viu; o segundo é "The Glass House" (2001), um suposto thriller que acaba por resultar em pouco mais que um drama familiar com uma banda sonora empolgante. Interessa referir as tentativas do argumentista de se aproximar do cinema de terror, para que se perceba que, se aqui havia alguma esperança, era ainda o facto deste filme ser um remake.
Pessoalmente, sou contra os remakes, principalmente remakes de filmes que ganham o estatuto de clássicos: não por achar que isso os torna intocáveis, mas que os torna delicados e difíceis. Portanto, ou o realizador da nova versão é realmente muito bom e consegue produzir uma película aceitável, ou temos a receita certa para um filme desastroso que será visto por milhões de adolescentes que adoram filmes de terror mas não têm qualquer tipo de gosto formado.
Deixando de lado o meu cepticismo, ao começar a ver este "Pesadelo em Elm Street" até descansei um pouco: depois de um genérico bastante interessante a nível gráfico, a primeira sequência, em que vemos Dean (Kellan Lutz) a vaguear num café e percebemos imediatamente tratar-se de um sonho está muitíssimo bem conseguida, em termos de luz, de cenário, de tempo, enfim: absolutamente perfeita. Aí nos surge Kris (Katie Cassidy), com quem Dean fala sobre os problemas que tem tido com o sono e com os pesadelos. Vemos ainda um grupo de amigos numa outra mesa, entre os quais Jesse (Thomas Dekker) e Quentin (Kyle Gallner) e a empregada, Nancy (Rooney Mara), que acabará por ser a protagonista do filme. Interessa falar deles aqui, ainda que não tenham grande importância nesta cena em concreto porque, logo nos primeiros minutos, há ainda outra coisa positiva que eu tenho que assinalar neste filme: é que os actores escolhidos e a respectiva caracterização estão muito longe de serem as típicas de um filme de terror sobre adolescentes. Não há aqui propriamente rapazes atléticos nem com ar de top-model, e as raparigas idem-aspas, ainda que sejam menos, ao longo do filme. Uma das coisas que, a meu ver, mais tem estragado o género do cinema de terror é a esteriotipia em que caíram os personagens, dando um pouco a impressão de que o medo tem que ser contrabalançado pela perfeição física.
Posto isto, agora há que dizer que, logo aqui, o filme começa a ganhar contornos estranhos. A morte de Dean surge-nos como perfeitamente inusitada e seriamente mal resolvida e, a partir dela, as coisas começam a desenvolver-se com uma aceleração excessiva e que não passa despercebida. Para se ter uma ideia, o clima de pânico e de estranheza e secretismo já acontece quando o filme conta ainda 12 minutos. É como se lhe faltasse noção do real e, principalmente, subtileza.
Não deve também passar despercebido ao espectador atento que, no genérico, nos é dada a indicação de que este "Pesadelo em Elm Street" é baseado em personagens criadas por Wes Craven. Esta é, evidentemente, a maneira mais segura de um filme destes se apresentar, quase lavando as mãos de tentar recriar o original. No entanto, é mesmo isso que acontece: tenta-se recriar o filme de Wes Craven.
Surpreendentemente ou não, Samuel Bayer demonstra-se bastante incompetente para recriar as cenas mais importantes do filme de 1984. E digo surpreendente porque, afinal de contas, passaram vinte e cinco anos desde o filme original, o que significa que os meios para criar certos efeitos mais inverosímeis são agora mais e melhores: no entanto, em vez destas cenas nos parecerem mais credíveis, parecem-nos claramente digitais e também realizadas com uma incipiência que não suspeitaríamos num sujeito que conta com vinte anos de trabalho -mesmo que não em cinema. Serve de exemplo a famosa cena em que Fred Krueger aparece atrás do papel de parede.
Em relação às mortes, elas aqui também surgem com uma falta de intensidade que só pode irritar-nos; principalmente a de Kris, que deixa uma sensação de ejaculação precoce que raramente se encontra no cinema de terror: é que dá impressão de que Bayer nem tentou fazer daquilo uma boa cena.
Com os sonhos, principalmente os primeiros, acontece o oposto: parece que Bayer está a esforçar-se demasiado: esses primeiros sonhos -principalmente o da aula- são tão excessivos e sofrem de tamanha falta de subtileza que nem por delírios podem passar: são mesmo cenas de filme.
Por outro lado, a nível do argumento, é de notar um esforço por aqui aprofundar um pouco a questão do sono e essa opção é boa. No que toca, depois, à história de Fred Krueger, acontece o contrário: surge-nos como uma versão distorcida da de Craven, que estava perfeitamente construída. É que nem sequer mudam os factos, apenas mudam o tratamento que se lhes dá, mas a mudança, neste caso, não é para melhor.
O gore que se vai vendo ao longo do filme também não está propriamente bem conseguido: ele parece sempre estar algo deslocado, faz falta nalgumas situações, noutras está a mais e, ainda por cima, os níveis de gore variam tanto que nem se pode dizer que haja nisso um equilíbrio.
Há que destacar, no entanto, a cena em que Quentin tem o sonho que lhe dará acesso à verdadeira história de Freddy: essa cena está tão bem pensada e tão bem filmada que quase se podia dizer que, isolada do resto do filme, daria uma excelente curta-metragem.
O que parece acontecer é que as melhores cenas deste "Pesadelo em Elm Street" (Esse sonho de Quentin e o sonho primeiro de Dean.) são precisamente aquelas que foram feitas especificamente para este filme e que não faziam parte do de 1984.
O final do filme também foi alterado, pelo menos em grande parte, e diga-se que o final original fazia muito mais sentido no contexto da história do que este faz. É que o final de Wes Craven era um final para "Pesadelo em Elm Street", ao passo que o final que Bayer agora nos propõe poderia ser o final de qualquer filme de terror e nem sequer se afasta muito do final de muitos deles, e serve de exemplo o final de "Friday the 13th".
Ainda que neste filme haja três aspectos positivos a apontar, no geral, está longe de ser uma boa razão para quem, como eu, detestar remakes mudar de opinião.
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