Quando Christina começava a amá-lo e a delicada intimidade criativa diminuía a ansiedade sexual, Collinson retirou-se bruscamente. O seu catolicismo renascia, como que levantando do abismo em que o lançava a estética do grupo. De algum modo, ele roçara as paredes do inferno e recuava à pressa, apavorado, calcando aos pés a roupa enegrecida. Enviou a Christina um soneto em que dava como inconciliáveis o impulso amoroso e a devoção. Ela rasgou-o de imediato, prevendo o golpe que, de facto, não tardou. Muitos anos mais tarde, refê-lo, verso a verso. Ficara-lhe gravado na memória.
William conta como a saúda de irmã, já tão deteriorada, se agravou. Talvez o sentimento dominante fosse a humilhação, mais dolorosa do que um puro desgosto de abandono. Dir-se-á que os poemas recolheram parte da agonia. Eles aspiravam, como ventosas, os seus poros infectados. E, quando ela escrevia sobre a perda, sobre aquilo que morrera e aquilo que jazia no seu também já morto coração, a beleza da febre triunfava.
Hélia Correia
in "Adoecer"
2010, ed. Relógio d´Água
2010, ed. Relógio d´Água
2 comentários:
uma prosa perfeita. Um olhar rigoroso e sensível sobre o estado de alma de Christina Rossetti. A sublimação que Christina sofreu e não conseguiu ultrapassar. Ficou a poesia que nos deixou.
Sim, eu acho que a Hélia é por vezes injusta com a Christina no 'Adoecer'. Mas isto que ela diz é, de certa forma, muitíssimo verdadeiro-
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